- De acordo com uma nova narrativa que emergiu recentemente nos Estados Unidos, a China está sofrendo um declínio econômico, o qual, assim como a narrativa anterior sobre o aumento inexorável da potência asiática, representa uma crescente ameaça global.
- No entanto, em suas previsões e prescrições, líderes e comentaristas ocidentais estão repetindo o que disseram há 30 anos.
Três artigos recentes no The New York Times (NYT), um dos principais jornais dos EUA, sinalizam uma mudança de narrativa sobre a China. Apenas semanas atrás, a China era a temível "competidora de igual para igual" dos Estados Unidos no palco mundial. Mas agora, dizem os estadunidenses, é um dragão ferido. Uma vez uma ameaça devido ao seu aumento inexorável, agora representa uma ameaça porque está em declínio.
Em texto publicado no ProjetcSyndicate, um veículo de viés progressista com análises de colaboradores da África, Ásia, Europa e Américas sobre os temas que atraem atenção global, James K. Galbraith, professor de Governo e titular da Cadeira de Relações Governo/Negócios na Universidade do Texas em Austin, comenta essa guinada no discurso de Washington na disputa com Pequim.
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Os termos da nova narrativa estadunidense anti-China, elenca Galbraith, foram estabelecidos pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Uma matéria assinada por Michael D. Shear, do NYT, reporta que a Casa Branca agora está preocupada com o fato de que "as lutas da China com o alto desemprego e uma força de trabalho envelhecida tornam o país 'uma bomba-relógio' no coração da economia mundial."
De acordo Shear, o presidente democrata alertou que "quando pessoas más têm problemas, elas fazem coisas ruins", mas ele não explicou como exatamente o desemprego e o envelhecimento da população transformam a China em uma ameaça.
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Outra razão apresentada na matéria para explicar o novo declínio da China é de que "o presidente agiu com agressividade para conter o crescimento da China e restringir sua capacidade de se beneficiar militarmente do uso de tecnologias desenvolvidas nos Estados Unidos." Dada a abrangência das novas restrições de semicondutores de Biden, ele poderia ter acrescentado "e também não militarmente."
Crise econômica chinesa
Outro texto do NYT, assinado por Peter S. Goodman, um repórter de economia, aponta para uma "série de desenvolvimentos" que apoiam a nova narrativa. Isso inclui a queda das exportações e importações chinesas, a queda dos preços "em uma variedade de produtos, desde alimentos até apartamentos", um declínio no mercado imobiliário e um calote no setor imobiliário que resultou em perdas de US$ 7,6 bilhões (um evento significativo, mas nada comparável aos típicos resgates bancários nos EUA). Ao responder, Goodman escreve: "As autoridades chinesas estão limitadas em suas opções... dada a crescente dívida agora estimada em 282% da produção nacional."
De acordo com Goodman (e muitos economistas, inclusive na China), as dificuldades da China decorrem de problemas mais profundos, como uma alta taxa de poupança, vastos depósitos no sistema bancário, um novo receio em relação ao mercado imobiliário e, consequentemente, uma necessidade crescente de "estimular a demanda doméstica". Ele e suas fontes concordam que a cura adequada é "estímulo" - ou seja, mais consumo e menos investimento.
Além disso, Goodman cita o economista do MIT, Yasheng Huang, que observa que as exportações mais as importações na China totalizam 40% do PIB (a maior parte das quais envolve montagem final e reexportação de componentes importados). No entanto, embora Huang pareça ter deixado Goodman com a impressão de que reduzir esse comércio "de passagem" teria um grande efeito, o fato é que o efeito seria bastante pequeno, uma vez que as importações são uma subtração do PIB. A China está perdendo apenas o valor agregado, uma fração do valor total do produto.
Por fim, o vencedor do Prêmio Nobel, Paul Krugman, completa a cobertura do NYT com artigo sobre o "tropeço" da China oferecendo uma "visão sistêmica" de um economista. Segundo Krugman, a China cresceu anteriormente "largamente ao alcançar a tecnologia ocidental", mas agora enfrenta o problema de ter poupança em excesso, investimento em excesso e consumo insuficiente. Portanto, precisa de "reformas fundamentais" para "colocar mais renda nas mãos das famílias, para que o aumento do consumo possa substituir o investimento insustentável".
Mesmo discurso há 30 anos
Galbraith avalia que, de fato, não há nada de novo no ponto-chave de Krugman sobre a poupança.
Economistas ocidentais já estavam defendendo essa linha há 30 anos, quando me tornei (por quatro anos) o principal consultor técnico para reformas macroeconômicas na Comissão de Planejamento Estatal da China.
O professor prossegue que frases como "Invista menos! Consuma mais!" é um mantra que não fazia sentido para ele naquela época, e ainda não faz hoje. Ele questiona o que isso realmente significa.
A China deveria ter mais carros, mas estradas piores e menos postos de gasolina (sem mencionar metrôs e trens de alta velocidade)? Precisa de mais televisores, mas menos apartamentos para colocá-los? A população precisa de mais alimentos e roupas, mesmo que já estivesse em grande parte bem alimentada e bem vestida três décadas atrás?
Galbraith ressalta que é verdade que as famílias chinesas economizam prodigiosamente para educação, cuidados de saúde e velhice. Mas pondera que elas podem fazer isso porque têm renda, que vem em grande parte de empregos nos setores público e privado de investimento.
Os trabalhadores chineses são remunerados pela construção das fábricas, casas, linhas ferroviárias, estradas e outras obras públicas que transformaram a China em nossas vidas.
Família chinesa típica não tem restrições de renda
Ao contrário do que diz Krugman, destaca Galbraith, a família chinesa típica (em média estatisticamente) não tem restrições de renda. Se tivesse, não conseguiria economizar tanto quanto faz.
Além disso, se a China ficasse sem projetos de investimento, as rendas cairiam, as economias desacelerariam e o consumo como parte da renda aumentaria necessariamente. Mas essa queda na poupança tornaria as famílias chinesas menos seguras, aprofundando a desaceleração atual.
Para Galbraith não é de admirar que o governo tenha se esforçado para manter o investimento fluindo por meio de programas importantes como a Iniciativa do Cinturão e Rota. Mesmo depois que a China estiver totalmente construída (ou superconstruída), ainda terá muito a fazer na Ásia Central, África e América Latina.
Os investimentos da China têm sido bem-vindos nessas regiões, onde se diz que, "Quando estamos envolvidos com os chineses, conseguimos um aeroporto. E quando estamos envolvidos com vocês [estadunidenses], conseguimos uma palestra."
Sim, a economia da China está desacelerando. Será difícil igualar cidades e redes de transporte que já estão em vigor, ou a recente campanha para eliminar a extrema pobreza.
Narrativa anti-China para Eleições 2024
O professor elenca que as principais tarefas da China agora estão em outros lugares: na educação e cuidados de saúde, na combinação de habilidades com empregos, no atendimento aos idosos e na redução da poluição e das emissões de dióxido de carbono.
Ele comenta ainda que não há garantia de que esses esforços terão sucesso, mas pelo menos eles estão na agenda da China. Isso significa que eles serão perseguidos ao estilo chinês: passo a passo, ao longo do tempo.
Então, sobre o que realmente é a nova narrativa? Não é tanto sobre a China quanto sobre o Ocidente. Trata-se de nossa liderança em tecnologias, nosso sistema de livre mercado e nossa capacidade de exercer poder e manter todos os desafiantes afastados. É sobre reforçar o que os ocidentais gostam de acreditar: o triunfo inevitável do capitalismo e da democracia.
Acima de tudo, finaliza Galbraith, trata-se de líderes estadunidenses vencendo "pessoas más" que podem fazer "coisas ruins". É uma narrativa feita sob medida para a campanha eleitoral de 2024.