O presidente Luiz Inácio Lula na Silva está em viagem oficial à Europa, onde visita a capital italiana, Roma, o Vaticano e a capital francesa, Paris. Na passagem dois dias pela Itália, nesta terça-feira (20) e quarta-feira (21), ele concedeu uma entrevista ao jornal Corriere Della Sera.
Lula foi entrevistado pela jornalista Greta Privitera sobre diversos temas: as expectativas para os encontros com o Papa Francisco, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni; o presidente da Itália, Sergio Mattarella; e a secretária-geral do Partido Democrático Italiano, Elly Schlein.
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Também foram tratados assuntos como a busca pela paz no mundo no contexto da Guerra da Ucrânia, relações sino-brasileiras, perspectivas comerciais das relações do Brasil com a Itália, a política para a Amazônia e os Brics - grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e África do Sul.
Sobre o Brics, Lula comentou que a reunião da coalizão agendada para agosto deste ano, na África do Sul, é importante para toda a comunidade internacional e aponta para a construção de um mundo multipolar.
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"Acreditamos que um mundo multipolar é melhor do que uma supremacia unipolar ou uma disputa bipolar. A criação de diferentes redes e acordos entre países pode ajudar a equilibrar e contrabalançar tendências e tensões divergentes", afirmou Lula.
Confira abaixo os destaques da entrevista de Lula ao jornal italiano.
Paz no mundo
Ao ser questionado pela jornalista Greta Privitera se compartilha da visão do Papa Francisco, com quem se reuniu nesta quarta-feira (21) no Vaticano, sobre a questão do conflito entre Rússia e Ucrânia, Lula reafirmou seu compromisso de buscar um acordo pela paz e recordou de encontro com o Santo Padre em 2020, quando conversaram sobre enfrentamento às desigualdades e economia mais solidária e
"Em 2020, quando o encontrei, falamos sobre as desigualdades no mundo e uma economia mais solidária. Logo depois vieram a pandemia e a campanha eleitoral no Brasil. Agora, encontro o Papa com um conflito na Europa que afeta a todos. Enviei um enviado especial, Celso Amorim, para Moscou e Kiev. Ambos os países acreditam que podem vencer militarmente: eu discordo. Acredito que há poucas pessoas falando sobre paz. Minha angústia é que, com tantas pessoas passando fome no mundo, tantas crianças sem comida, em vez de lidarmos com a resolução das desigualdades, estamos lidando com a guerra. É urgente que Rússia e Ucrânia encontrem um caminho comum para a paz", afirmou Lula.
'Mussolini de saia'
Nesta quarta, Lula participou de reunião bilateral com a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni. A jornalista italiana o questionou sobre as críticas feitas pela política de extrema direita, chamada de 'Mussolini de saia', em referência ao líder fascista Benito Mussolini (1883-1945), quanto à falta de extradição de Cesare Battisti e à ausência de representante do governo italiano para sua posse na Presidência do Brasil em janeiro.
Lula contemporizou, desviou das polêmicas e emplacou um discurso diplomático sobre a importância das relações entre Brasil e Itália.
"Espero que hoje possamos nos conhecer melhor e que os encontros que teremos fortaleçam os laços entre nossos países, que sempre foram fortes. Somos o país com mais italianos, segundo apenas a Itália. Temos 30 milhões de descendentes italianos. Tenho ótimas relações com seu movimento sindical, intelectuais e empresas. Teremos conversas muito produtivas, porque nossas relações econômicas estão aquém de seu potencial e precisamos trabalhar arduamente para criar um relacionamento à altura de nossas economias", respondeu.
Lula fez o registro do encontro com Meloni pelas redes sociais.
Mulheres na política
Com relação às expectativas para o encontro com a dirigente partidária Elly Schlein, com quem o presidente Lula se reuniu na manhã desta quarta, ele foi questionado sobre como vê a presença das mulheres na política e se considera mais difícil para uma política governar.
Lula respondeu que há muito machismo na política e citou os exemplos de políticas brasileiras: Gleisi Hoffman, presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), e Dilma Rousseff, ex-presidenta da República e que atualmente comanda o Novo Banco de Desenvolvimento, o banco dos Brics. Ele destacou que com mulheres na política haveria menos guerras e mais atenção às questões sociais.
"Será um prazer encontrá-la [Elly Schlein]. Ainda há muito machismo na política. Meu partido é presidido por uma mulher, Gleisi Hoffmann, e tenho orgulho de ter apoiado Dilma Rousseff, a primeira presidenta do Brasil. O golpe de Estado que ela sofreu em 2016 tinha uma forte componente machista. O Bolsa Família (um tipo de renda básica, nota do editor) dá dinheiro para as mulheres, não para os homens. Até mesmo os títulos de propriedade de casas vão para as mães. As mulheres são, em geral, mais responsáveis. Com mais mulheres no governo, teríamos menos guerras e mais atenção às questões sociais", disse Lula.
Bolsonaro e Trump
Perguntado sobre se considera que Jair Bolsonaro tem responsabilidades semelhantes às de Donald Trump pelos atos golpistas do dia 8 de janeiro em Brasília, Lula concordou com o paralelo traçado pela jornalista. Ele destacou que o ex-presidente derrotado por ele nas urnas plantou ódio no Brasil durante os quatro anos em que esteve no poder. Disse ainda que seu antecessor usou a máquina pública de um modo que nunca havia sido feito pela República brasileira, e ainda assim saiu derrotado do pleito.
"Nós dizemos 'quem semeia vento, colhe tempestade'. Meu antecessor não semeou vento: ele plantou ódio. Ele sempre falava contra a democracia, contra as instituições. Ninguém no Brasil jamais usou o Estado de forma tão descarada para tentar se eleger, distribuindo empréstimos para aqueles que não podiam pagar, criando benefícios para taxistas que até mesmo beneficiavam aqueles sem carteira de motorista. E após as eleições, seus apoiadores chegaram a invocar um golpe militar. Absurdo. Agora ele deve responder na justiça. Espero que ele tenha a presunção de inocência, o direito à defesa e um julgamento justo."
Relações Brasil-China
A jornalista perguntou a Lula sobre as boas relações que o presidente brasileiro mantém com o presidente da China, Xi Jinping, mesmo que a segunda economia do mundo seja considerada 'um pais não democrático'. Lula desviou da armadilha e destacou que o Brasil não tem problema com nenhuma nação e acenou para a possibilidade de aderir à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, da sigla em inglês), a Nova Rota da Seda proposta por Pequim.
"O Brasil não tem problemas com nenhum país do mundo e temos uma excelente relação com a China, que nas últimas décadas tirou da pobreza centenas de milhões de pessoas e contribuiu muito para a economia global. Meu diálogo com a China sempre foi positivo e na direção de maior paz, harmonia, crescimento do comércio e cooperação mundial. A China é tão importante que a Itália já aderiu à Iniciativa do Novo Cinturão Econômico da Rota da Seda, à qual o Brasil ainda não aderiu."
Mundo multipolar
No dia 22 de agosto, na África do Sul, haverá uma cúpula dos Brics. A jornalista italiana perguntou a Lula se o evento representa um passo em direção a um mundo multipolar. O presidente brasileiro destacou que o encontro do bloco é importante para o mundo todo e que pode ajudar a equilibrar tendências e divergências entre países.
"A cúpula dos Brics é importante para todos. Essa coalizão de economias emergentes mostrou a importância de adicionar vozes diferentes às discussões globais. Acreditamos que um mundo multipolar é melhor do que uma supremacia unipolar ou uma disputa bipolar. A criação de diferentes redes e acordos entre países pode ajudar a equilibrar e contrabalançar tendências e tensões divergentes. Por exemplo, o Conselho de Segurança das Nações Unidas é uma estrutura que precisa ser reformada. Representa o equilíbrio de poder do mundo em 1945. Quase 80 anos se passaram e muita coisa mudou, precisamos de um Conselho mais amplo e representativo, com vozes da América Latina e da África, para contribuir verdadeiramente para a paz e a segurança."
Crescimento x proteção da Amazônia
A jornalista Greta destacou que a Amazônia é um ponto crucial da política de Lula. Ela questionou de que forma o presidente brasileiro pretende conciliar o crescimento econômico da região com a proteção da floresta. O mandatário do Brasil comentou a desastrosa política ambiental de Bolsonaro e de que forma tem atuado para reconquistar a confiança da comunidade internacional quanto ao protagonismo brasileiro na questão ambiental.
"A preocupação internacional com a Amazônia aumentou durante o último governo [Bolsonaro], que negava as mudanças climáticas e incentivava abertamente crimes ambientais. Retomamos a luta contra o desmatamento, com o objetivo de zerá-lo até 2030, e também estamos combatendo a mineração ilegal e outras atividades criminosas que destroem o meio ambiente na região. Expulsamos mais de 20.000 mineradores, sempre ilegais, das terras dos indígenas Yanomami. Ao mesmo tempo, queremos discutir uma nova visão de desenvolvimento sustentável para a região, que abriga 25 milhões de brasileiros. Estamos investindo em pesquisa científica, indústrias limpas, turismo, para que a floresta tenha um valor maior também para aqueles que vivem lá, pelo seu papel ambiental e seus produtos. As populações que habitam a região precisam de renda, emprego, proteção social, saúde e educação, justamente para serem os maiores protetores da Amazônia. Por isso, em 8 de julho, encontrarei o presidente colombiano Petro, em Letícia, na fronteira entre nossos países. E em agosto sediaremos a Cúpula da Amazônia e a COP30 em 2025".
Relações bilaterais Brasil e Itália
A repórter observou que a Itália é o segundo parceiro comercial do Brasil na Europa, atrás da Alemanha, e perguntou sobre os projetos em desenvolvimento.
"O Brasil e a Itália têm uma longa história de colaboração tanto no comércio quanto nos investimentos. Temos cerca de 1.400 empresas italianas no Brasil e mais de 20 grandes empresas brasileiras na Itália. Atualmente, também estamos focados em energia renovável. 87% da nossa eletricidade é proveniente de fontes renováveis, muito acima da média mundial de 28%. Em outras palavras, a atividade industrial no Brasil emite baixas emissões de carbono. Queremos expandir a produção de energia solar e eólica, o potencial do Nordeste brasileiro é enorme. Podemos ser um grande produtor de hidrogênio verde, com capacidade para apoiar o mundo na transição energética".
O presidente brasileiro registrou o encontro com o colega italiano pelas redes sociais.
Com informações do Corriere Della Sera