Misericórdia, presença nas periferias, olhar para os marginalizados e nunca esquecer os pobres. Quando Jorge Mario Bergoglio se transformou no Papa Francisco no dia 13 de março de 2013, há uma década, foi assim que o então bispo de Roma indicou ao amigo, o cardeal brasileiro Dom Cláudio Hummes, as linhas do seu pontificado que mudaria a cara da Igreja Católica.
"Parece que os cardeais foram buscar o novo pontífice no fim do mundo", brincou Francisco, na sacada da Basílica de São Pedro, em seu primeiro pronunciamento aos fiéis. Para além do discurso, os trajes do religioso naquele dia inauguravam um novo estilo no Vaticano. Simples e sem ostentação.
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Na manhã desta segunda-feira (13), ele celebrou com cardeais uma missa na capela de Santa Marta, hospedaria onde vive dentro da Cidade do Vaticano. Nessa última década, o argentino trouxe novidades à instituição milenar da Santa Sé, optando por viver em um apartamento sóbrio, rejeitando o suntuoso Palácio Apostólico.
Ele também quebra outros protocolos: frequentemente almoça com moradores de rua, lava pés de presidiários em cerimônias, prefere usar uma linguagem franca e andar em carro popular.
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Na data em que completa uma década de pontificado, ele declarou a um podcast produzido pelo Vaticano, que já imaginava se deparar com tensões na chefia da Igreja Católica. Mas não esperava ser papa "nos tempos da Terceira Guerra Mundial", em referência à Guerra da Ucrânia e a tensão em torno da possibilidade de escalada do conflito, que já dura um ano.
Neste domingo (12), para o site argentino Perfil, ele concedeu uma longa entrevista na qual, entre vários temas, falou sobre a sua visão econômica. "Você pode dialogar muito bem com a economia e conseguir passos de entendimento ou fórmulas que funcionem bem. Por outro lado, você não consegue ter um bom diálogo com as finanças", declarou.
Em março de 2020 o Papa Francisco convocou uma reunião planetária em torno de uma nova economia, chamada simbolicamente de “Economia de Francisco”, na linha da associação com o que seria a visão de São Francisco de Assis, cuja cidade onde nasceu sediou o encontro.
A convocatória do Santo Padre gerou um amplo movimento, por parte de comunidades de diversas religiões, e ampliou-se a visibilidade com a participação direta de personagens como Jeffrey Sachs, Joseph Stiglitz, Amartya Sen, Vandana Shiva, Muhammad Yunus, Kate Raworth.
A ideia básica – a de que a economia deve servir à sociedade, e não o contrário – encontrou um eco profundo. Vivemos uma era de profunda insegurança e busca de novos modelos. O atual não funciona. Essa certeza foi consolidada com a experiência global e traumática proporcionada pela pandemia da Covid-19, que escancarou as fissuras do modelo em vigor.
Esse tipo de discurso do Papa, crítico ao neoliberalismo, junto com a abordagem de temas como união homoafetiva, métodos contraceptivos e aborto com uma visão pastoral de acolhimento — mesmo sem indícios de mudança nas regras históricas do catolicismo, desperta a ira de todo tipo de extremistas: neoliberais, ultraconservadores e de Direita. A ponto de ser chamado por muitos desses detratores de "papa comunista".
Aqui no Brasil, os bolsominions, por exemplo, têm certeza de que o papa é de "esquerda". Em outubro de 2020, Francisco ligou para o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo. Um ícone da luta pelos direitos humanos e um alvo preferencial dos ataques extremistas. O Santo Padre fez questão de divulgar a conversa. Em discurso no Vaticano, falou sobre o telefonema.
“Consegui ligar para um padre italiano idoso, missionário da juventude no Brasil, mas sempre trabalhando com os excluídos, com os pobres. E vive essa velhice em paz: consumiu a sua vida com os pobres. Esta é a nossa Mãe Igreja, este é o mensageiro de Deus”, disse o pontífice.
Em nota divulgada naquela ocasião, o padre Júlio Lancelotti contou que o pontífice perguntou sobre os moradores de rua do Brasil e pediu que, mesmo diante de todas as dificuldades, não "desanime" e continue junto aos pobres.
Pedofilia e abusos sexuais em geral
Os casos envolvendo pedofilia e abusos sexuais são uma chaga para a Igreja e sempre foram tratados com muita seriedade por Francisco. Quando assumiu o posto, ele teve contato com um dossiê sobre o assunto, elaborado pelo pontificado anterior.
Sua postura, como pontífice, foi de adotar uma conduta de dar publicidade a esse crimes e de abusos sexuais a menores e cobrar "vigilância zelosa". Administrativamente, passou a cobrar uma prestação de contas dos bispos. Comissões para investigação de fatos foram montadas ao redor do mundo, mas ainda é pouco.
Mulheres na Igreja
Outro tema abordado por Francisco para os quais os ultraconservadores torcem o nariz é o chamado diaconato feminino, ou seja, que mulheres possam ser ordenadas diaconisas, assumindo funções hoje restritas a homens no catolicismo, como celebrar batismos e casamentos. Em abril de 2020, ele determinou a criação de uma comissão para estudar um tema.
Dados divulgados pelo Vaticano mostram que o número de funcionárias mulheres da Cúria aumentaram de 846 para 1165 no pontificado de Francisco — eram 19% do total; hoje são 26%. Na escala de 10 níveis da carreira utilizada pela instituição, a maior parte está no sexto ou no sétimo níveis.
Divórcio, contraceptivos, aborto
Nessas pautas não houve nem promessas nem mudanças, embora a visão popular do Papa baseada pelas características aparentemente mais progressistas dele, ao menos quando comparado com seus antecessores tivesse outra expectativa.
Ele já deixou claro que mantém postura firmemente contrária ao aborto e chegou a ressaltar que "não se deve esperar que a Igreja altere a sua posição sobre esta questão" e que "não é um assunto sujeito a supostas reformas ou 'modernizações'". Por outro lado, em 2016, em um gesto inédito publicou uma carta autorizando os sacerdotes a absolver "de agora em diante" as pessoas "que tenham cometido o pecado do aborto".
Sobre contraceptivos, suas declarações também parecem mais progressistas do que qualquer ato que implique em mudança efetiva do catecismo. Em 2016, ele declarou que a Igreja poderia flexibilizar a proibição ao uso de métodos anticoncepcionais em regiões afetadas pela epidemia de zika. No ano passado, em viagem ao Canadá, demonstrou que tem intenção de rever a proibição católica, mas que enfrenta oposição "de muitos dos que se dizem tradicionais".
União homoafetiva
Em julho de 2013, quando Francisco conversou com jornalistas a bordo do avião que o levava de volta a Roma, depois de sua primeira viagem internacional como papa — ele havia estado no Brasil, ele respondeu a uma pergunta que ganhou as manchetes pelo mundo.
"Se uma pessoa é gay e procura Jesus, e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la? O catecismo diz que não se deve marginalizar essas pessoas, devem ser integradas à sociedade. Devemos ser irmãos", comentou ele.
De lá para cá, não foram poucas as vezes em que a homossexualidade foi abordada por Francisco. E, mesmo sem ele nunca ter dito nada nesse sentido, em algumas situações houve expectativa popular de que os avanços do catolicismo sobre essa questão pudessem ser ainda maiores do que o acolhimento sempre defendido pelo atual papa. Não há, no entanto, nenhum movimento que indique que casamentos LGBTs serão reconhecidos pela Igreja
Trajes simples
Há 10 anos, quando assumiu o pontificado, ele anunciou pelos trajes de que havia uma mudança em curso na Igreja Católica. De batina branca, sem a tradicional mantelete vermelha e usando a estola, mais simples do que as de seus antecessores, apenas para o momento da bênção.
Nos pés, ao invés dos até então tradicionais sapatos vermelhos, seguiu com um par preto. Continuou usando a cruz peitoral de quando era arcebispo de Buenos Aires, e não a trocou por uma de ouro ou de outro metal nobre.
Ele usa o anel do Pescador - símbolo do poder papal - como seus antecessores, mas um confeccionado em prata e banhado a ouro, ao invés de elaborado em ouro maciço. É um modelo feito pelo artista italiano Enrico Manfrini, conhecido como 'o escultor dos Papas', e que representa São Pedro, o fundador da Igreja, com as chaves do reino de Deus. Seu relógio também é simples, feito de plástico.
Outro detalhe surpreendente são as calças pretas que Francisco usou em várias ocasiões dos primeiros dias de seu pontificado. 'Quando se viu um Papa vestido dessa forma?' estampou o jornal italiano 'La Stampa', ressaltando o preto aparente sob a batina branca.