RETROSPECTIVA 2023

"Os indicadores apontam para uma derrota fragorosa da Ucrânia", analisa historiador

Uma análise da guerra da Ucrânia no ano de 2023 e as perspectivas para 2024

Vitória da Ucrânia se afasta das possibilidades e Rússia avança calmamente no cenário de guerraCréditos: Presidência da Ucrânia
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A Ucrânia foi a queridinha da mídia ocidental em 2022 logo após a invasão russa em março daquele ano. Quase dois anos depois, com poucos avanços ucranianos e gastos colossais envolvendo o esforço de guerra de Zelensky.

Em 2023, o conflito ficou marcado por uma forte investimento dos países da OTAN, em especial os EUA, que apostaram forte na 'contra-ofensiva' prometida por Kiev para retomar os oblasts de Donetsk, Luhansk, Zaporijia e Kherson. Nenhum deles foi retomado, sequer parcialmente.

João Cláudio Platenik Pitillo, doutor em história social, conversou com a Fórum para retrospectiva 2023 sobre o conflito na Ucrânia

Conversamos com o professor João Cláudio Platenik Pitillo, doutor em história social, pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (NUCLEAS-UERJ) e um dos principais sovietólogos do Brasil, para entender o que 2023 representou do ponto de vista militar para Rússia e Ucrânia em 2024.

"A derrota da Ucrânia é eminente. Seis meses de ofensiva que não resultaram um único centímetro de ganho quantitativo ou qualitativo. Politicamente, há um cansaço dos aliados da Ucrânia em manter o apoio material", afirma o analista.

Na política

Externamente, como simbolizou o presidente Lula, o apoio de Zelensky é pouco fora da OTAN, com a maior parte do mundo desconectado da questão ucraniana.

"Os apoios ao Zelensky ficaram restritos à OTAN, os países membros da OTAN. Muitos desses países também fizeram esse apoio, muito mais por pressão dos Estados Unidos do que alguma ligação efetiva, política e moral com a Ucrânia", afirma.

Ele também considera que a figura de Zelensky, com suas roupas militares e viagens pelo mundo, não conseguiu angariar o apoio suficiente e dificultou as relações entre os ucranianos e outros países. "Foi uma pessoa que não conseguiu a nível internacional grandes simpatias", disse.

Do outro lado, ele enxerga que as autoridades russas não parecem apressadas para acabar com o conflito. "A Rússia mostra que está completamente tranquila, sua economia está tranquila, suas questões internas estão aparentemente tranquilas, ou seja, a guerra não tem trazido nenhum efeito negativo político sócio-econômico para a Federação Russa a nível interno", enxerga.

No nível externo, Putin tem conseguido se equilibrar bem apesar das sanções ocidentais lideradas por EUA e Alemanha. "A Rússia, a partir dos acordos que fez com os BRICS e com a China e com uma série de países na América do Sul, América Latina e África, se equilibra muito bem no cenário internacional, não está isolada, as sanções não tiveram efeitos significativamente catastróficos", completa Pitillo.

No campo de batalha

Nas planícies e pântanos da Ucrânia, o cenário está praticamente congelado a meses. Não só pelo forte inverno que atinge o leste europeu, mas também pelos poucos avanços russos e ucranianos.

A estratégia da Rússia foi revelada por Serguei Shoigu, ministro da Defesa da Federação Russa, que anunciou em comunicado de fim de ano que o objetivo do exército foi cumprido: frear qualquer avanço ucraniano. 

Os ucranianos receberam recursos incontáveis de EUA e dos países europeus, mas nada disso surtiu efeito para avançar.

"O exército mais poderoso do mundo, que é os Estados Unidos, entregou não só grande quantidade de armamento, munição e dinheiro aos Zelensky, como informações. As informações dos satélites americanos, das suas agências, isso é valiosíssimo no campo de batalha. E o Zelensky teve acesso a tudo isso e não conseguiu produzir nada de interessante", afirma.

A derrota ucraniana nas incursões por terra acabou, somada a outros fatores, trazendo desatenção da imprensa que amava Kiev. "Nós vimos como é que já o Ocidente trata essa guerra de maneira enfadonha por dois motivos. Primeiro, a percepção clara da incapacidade de vitória por parte dos ucranianos. E segundo, o surgimento do conflito de Israel contra os palestinos, que tem sido uma guerra brutal e uma guerra que pode desencadear um processo maior. E isso, obviamente, tem ocupado mais espaço não só da diplomacia da OTAN, como da imprensa ocidental", afirma.

Em nível militar, Pitillo ressalta a importância dos tanques de guerra no conflito. "Taticamente, a guerra reabilitou a importância dos tanques, dos blindados.Se viu que o emprego de blindado ainda se faz necessário, derrubando algumas previsões de que esse tipo de arma estaria superado", disse.

Ele adiciona também a importância dos drones e dos mísseis em um conflito que ocorre no ar, no solo e no mar. "A tecnologia do drone foi dissecada e de certo modo popularizada e hoje uma série de organizações, exércitos e forças fazem uso dos drones, seja para vigilância ou seja para ataque. Isso é uma coisa curiosa. Dos russos, a gente vê um avanço muito grande na área de missilística e a força aérea russa, que em pouco tempo dominou todo o céu, conseguiu se sobrepor à força aérea ucraniana, que era uma das maiores da Europa.", afirma. "No mar, a Federação Russa, apesar de ter perdido aquele grande barco, o Moscou, que foi um grande ponto da OTAN e da Ucrânia contra a Rússia, a Rússia conseguiu reestabelecer o seu domínio a partir da Crimea e Sebastopol e manteve não só os drones da OTAN", completa.

A grande batalha no ano foi a de Bakhmut, ou Artemívski, que contou com a presença do grupo Wagner, uma das incógnitas das forças russas em 2024. Falando nele...

Perspectivas para 2024

Pitillo não dá boas perspectivas para Zelensky. "A perspectiva para 2024 é sombria para o exército ucraniano. A não ser que haja uma grande virada da guerra. Os indicadores apontam para uma derrota fragorosa da Ucrânia ou até mesmo um colapso com a ruptura total da linha ucraniana", afirma.

"Essa derrota da Ucrânia pode ser uma derrota a granel, uma derrota de todos eles. E isso vai ter um efeito muito grande nos seus processos eleitorais internos, aqueles que terão, e principalmente nos Estados Unidos, já que o principal contendor do Joe Biden [Donald Trump] é uma pessoa que se mostra contrária à guerra", afirma Pitillo.

"Há um cenário adverso para esse ocidente capitalista. Não só isso, há uma força. O Sul Global tem ganhado uma força muito grande, mesmo que de maneira inorgânica", sentencia o historiador. "Há de se observar que o ano de 2024 não promete paz. Pelo contrário, ele promete ser um ano quente, de muitas tensões", diz.

E a paz? Pelo que parece, fica pra depois. "Só tem duas pessoas que podem acabar com a guerra. Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky. O presidente Putin já mostrou que havia uma proposta de paz que o Zelensky havia, inclusive, assinado. O Zelensky, inclusive, havia concordado com a paz. E depois ele volta atrás pressionado pela OTAN", diz.

"Se o Zelensky pegar um avião em Kiev e soltar em Moscou, ele resolve a paz. Que paz é essa? Obviamente, será uma paz de compromisso. Não vai ser uma paz justa. Vai ser uma paz de compromisso. Mas também não significa que vai ser uma paz de humilhação", completa Pitillo.