Já é certo que Israel procederá com a invasão e ocupação por terra da Faixa de Gaza, possivelmente nos próximos dias, como resposta aos ataques perpetrados pelo grupo Hamas, detentor do poder político naquele território palestino, que já deixaram mais de 800 israelenses mortos após uma “chuva” de milhares de foguetes e ações a tiros realizadas por um grande contingente que atravessou os muros e cercas que limitam fisicamente a zona de 365km².
O ato ousado, o mais mortal e caótico dos últimos 50 anos, despertou a fúria das autoridades de Tel Aviv, sobretudo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que se equilibra no cargo no momento de crise extrema e ainda precisa se preocupar com os mais de 100 reféns levados para Gaza, já que qualquer atitude que leve a ainda mais mortes de seus compatriotas será decisiva para seu fim político e talvez até sua responsabilização.
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Ainda anestesiados pelo caos e procurando se proteger diante dos inúmeros ataques promovidos pelas forças do Hamas, os cidadãos israelenses e a imprensa do país começam a questionar como teria sido possível um fracasso tão grande dos serviços de Inteligência considerados os mais eficientes do mundo, já que centenas, ou talvez milhares, de radicais armados entraram no território judeu, em plena luz do dia, usando tratores, carros, motos, carrinhos de golfe, parapentes e todo tipo de engenhoca, isso para não falar na logística necessária para movimentar e posicionar mais de sete mil foguetes Qassam. Ninguém viu nada? Os sofisticados drones, satélites, sensores, câmeras noturnas e alarmes, além da mais complexa e abrangente rede de informantes e sistemas ultratecnológicos de grampo, não puderam prever tamanha ação?
O Shin Bet, o serviço de Inteligência interno de Israel, assim como o famoso Mossad, que realiza uma atividade semelhante, embora mais abrangente e sem parâmetros e limites estabelecidos em lei, o que faz desse serviço secreto um dos mais temidos do mundo, passaram desde a manhã do último sábado (7), quando começaram os ataques, a viver sob a desconfiança dos israelenses. Ainda que a preocupação momentaneamente seja estancar o morticínio e achar uma reação eficiente para controlar o caldeirão fumegante que se tornou a região, já há críticas abertas a esses dois órgãos até então respeitadíssimos na opinião pública local. A principal acusação é a de perda de “eficiência” pela nomeação de um ministro totalmente ideológico, o ultrarreacionário Itamar Bem-Gvir, para a pasta do “Interior”, algo como uma secretaria de Segurança Pública no Brasil, ainda que o Shin Bet e o Mossad não estejam sob seu comando, reportando-se diretamente ao gabinete do primeiro-ministro, como manda a lei.
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Parece inquestionável que a máquina militar de Israel é imbatível para o contexto de conflitos que o Estado judeu enfrenta desde que foi fundado, afinal, é muita coisa para uma pequena porção de terra com pouco mais de 5,5 milhões de cidadãos poder contar com 630 mil soldados (entre a ativa e a reserva), quase 2 mil tanques e veículos blindados, 560 baterias lançadoras de mísseis, 65 complexos modernos de proteção antiaérea (incluindo aí o ‘Iron Dome’), 315 caças bombardeiros supersônicos, quase 50 helicópteros de ataque rápido e 49 navios de combate para um minúsculo litoral de 273 quilômetros de extensão.
Só que não é disso que se trata a invasão terrestre e eventual ocupação física de Gaza. Desde sempre Israel evita ações em solo naquela “tripa” de terreno, mesmo antes do isolamento total do território, ocorrido em 2007, quando o Hamas finalmente derrota o Fatah e passa a governar Gaza. Agora, mais de 15 anos após o início do bloqueio e embargo que deixaram a região na mais absoluta miséria, com seus moradores vivendo um verdadeiro inferno na Terra, fazer os coturnos israelenses pisarem lá pode ser uma decisão suicida.
Gaza tem uma das maiores densidades populacionais do planeta. São mais de dois milhões de pessoas vivendo num retângulo com 41 quilômetros de comprimento por no máximo 12 de largura. Milhares de edifícios e centenas de prédios muito altos se empoleiram uns sobre os outros, separados apenas por quadras cortadas por ruas estreitas. Há esgoto para todo lado e um emaranhado de fios em cada metro de extensão das vias públicas. Células do Hamas estão em centenas dessas construções, discretamente instaladas em apartamentos ou pequenas casas improvisadas de alvenaria. Milhares de carros estacionados, um atrás do outro, enchem as calçadas e podem explodir a qualquer momento.
Nas poucas ações realizadas em Gaza nas últimas décadas, que se restringiram a perímetros pequenos e muito específicos, grandes perdas se abateram sobre as tropas israelenses. Mas o mais importante em todas essas incursões foi o fator Inteligência. É praticamente impossível lograr algum sucesso sem que informações precisas e superdetalhadas cheguem via Shin Bet e/ou Mossad, que inclusive participa das operações com pessoal de campo.
A dúvida que paira é se seria possível, especialmente agora após o sentimento generalizado de desconfiança em relação aos serviços secretos do Estado judeu, ocupar toda a extensão de Gaza e ir atrás das lideranças e tropas do Hamas, naquele universo de cimento extremamente hostil e perigoso, usando informações “de qualidade” coletadas pelo Shin Bet e o Mossad, além da AMAM, a Inteligência das IDF (Forças de Defesa de Israel, na sigla em inglês). Ninguém sabe se as conexões estabelecidas com informantes ainda se mantêm e, se se mantêm, se podem ser confiáveis, visto o fiasco no caso das ações do dia 7.