Não é apenas o conflito entre Israel e o Hamas que ocorre nesse exato momento no oriente médio. Tampouco a Faixa de Gaza é o único lugar que tem sido alvo de bombardeios aéreos. Desde o último 5 de outubro a Força Aérea Turca lançou diversos ataques contra a região de Rojava, no chamado Curdistão sírio. Cerca de 30 pessoas, todos agentes antidrogas das forças de segurança locais, morreram nos primeiros ataques.
As bombas voltaram a cair na última segunda-feira (9), quando foi atingida uma central elétrica na municipalidade de Qamishli. Neste mesmo dia, as páginas oficiais da Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria (AANES) anunciaram explosões no campo de refugiados de Washokani, na municipalidade de Heseke; ataques com drones contra depósitos de petróleo; e até um carro atingido por míssil. Uma barragem na localidade de Cil Axa também teria sido destruída.
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“Todas as noites, ouve-se o som dos motores dos jatos, logo em seguida o impacto das suas bombas. A infraestrutura de toda a região já sofreu grandes danos e algumas foram completamente destruídas. Agora chegou-nos a notícia de que o impacto que ouvimos nas proximidades algumas noites atrás foi um ataque aéreo contra uma academia da unidade antidrogas das forças de segurança interna, a Asayîs. Vinte e nove pessoas foram mortas no ataque e quase o mesmo número ficou ferido, alguns deles gravemente”, contou Rojda Dandara, uma brasileira que vive na região, à Revista Fórum.
Localizada oficialmente no norte da Síria, Rojava hoje é uma comunidade autônoma curda, que vive desde 2011 uma verdadeira revolução em que as mulheres ganharam protagonismo na vida social e as decisões de cada cidade e distrito são tomadas em uma espécie de assembleia direta e popular.
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O sistema político que vigora neste território foi denominado “Confederalismo Democrático”, por Abdullah Ocalan, o presidente do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), preso desde fevereiro de 1999 na Turquia. Nessas áreas, por exemplo, existe a liberdade de culto religioso e uma diversidade considerável de etnias e credos. Mas nem tudo são flores: a região tem sobrevivido durante os 11 anos da Revolução Curda sob um embargo econômico que afeta a população na sua vida diária.
A Revolução Curda ganhou destaque internacional entre 2014 e 2015, quando suas milícias, algumas delas compostas exclusivamente por mulheres, derrotavam o temido Estado Islâmico nas cidade de Kobane e Afrin, freando o avanço do movimento jihadista.
“Com a escolha do dia 9 de outubro como data, o objetivo simbólico deste ataque, bem como de toda a campanha de ataques aéreos dos últimos dias, ficou ainda mais claro. Em 9 de outubro de 1998 teve início a conspiração internacional contra Abdullah Ocalan, que culminaria na sua prisão em fevereiro de 1999. Os esforços ao longo da vida e resistência ininterrupta de Ocalan se refletem, entre outros, na construção do Asayîs”, explica Rojda.
Para a RIC (Central de Informação de Rojava), o massacre dos membros da unidade antidrogas é o ponto central dos ataques dos últimos dias.
"Durante meses estas unidades têm lutado contra o tráfico de drogas e o crime organizado - que é um importante pilar financeiro para o regime de Assad e especialmente para os mercenários islâmicos da Turquia nas áreas ocupadas de Efrîn, Girê Spî e Serêkaniyê. Para além do seu significado econômico, a disseminação das drogas é um método particularmente vergonhoso de enfraquecer uma sociedade afetada pela guerra e traumatizada, além de ser uma falha tentativa de atacar a sua resistência", diz um comunicado do órgão de imprensa local traduzido ao português.
A experiência de Rojava não agrada nem um pouco a Turquia de Recep Erdogan, que encara os curdos que habitam o sul e leste do território turco – vizinhos a Rojava – como rebeldes separatistas. E empreende suas forças militares para enquadrá-los dentro do Estado turco.
“A própria polícia turca picha nas paredes das casas em nossa terra dizendo que ‘somos felizes por ser turcos’. Em todas as montanhas dos curdos eles gritam isso. É uma enorme falta de respeito. Sem contar abusos e violência física que praticam”, contou a este jornalista em 2015, o parlamentar curdo Yilmaz Orkan, do partido HDP e à época representante do Comitê de Relações Internacionais do Congresso Nacional do Curdistão.