A escalada do conflito entre palestinos e israelenses se iniciou no último sábado (7) a partir de ataque deflagrado pelo Hamas, grupo político e paramilitar islâmico que controla a Faixa de Gaza. Ao anunciar a investida militar, o grupo informou que a operação teria como objetivo retomar o controle de territórios palestinos ocupados e colonizados por Israel.
Denominada "Tempestade Al-Aqsa", em referência a uma mesquita cujo acesso foi bloqueado por Israel, a investida é uma reação dos palestinos à opressão a que são submetidos pelos israelenses há décadas em meio à subtração de seu território. O Hamas exige libertação de seus presos políticos, bem como o fim das ocupações e do cerco a Gaza.
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"O povo palestino e sua resistência estão a levar a cabo uma operação para defender o povo, a terra e os locais sagrados", diz nota divulgada pelo grupo.
As forças militares israelenses reagiram imediatamente com ataques e bombardeios a Gaza, resultando em um saldo assustador de mortos e feridos entre ambos os lados.
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Por enquanto, o conflito se restringe ao braço armado do Hamas, que possui representação política e mantém um governo limitado na Faixa de Gaza, cercada por Israel, e as forças militares israelenses.
O grupo islâmico-palestino, entretanto, não é o único representante dos territórios e população da Palestina. A Cisjordânia, por exemplo, é controlada pela Autoridade Nacional Palestina, que possui um governo liderado pelo Fatah, partido político que faz oposição ao Hamas. Atualmente, o presidente da Autoridade Nacional Palestina reconhecido internacionalmente é Mahmoud Abbas.
Diante da escalada do conflito, lideranças e autoridades palestinas que não fazem parte do Hamas e não estão diretamente envolvidas na guerra vêm se manifestando.
Confira a seguir uma explicação sobre as diferenças entre o Hamas e o Fatah e, na sequência, um compilado com declarações de lideranças palestinas sobre o contencioso com Israel.
Hamas x Fatah
No complexo processo político da Palestina, o Hamas e o Fatah emergiram como atores-chave, cada um representando diferentes visões e estratégias na busca dos objetivos palestinos.
O Hamas, uma organização islâmica, foi fundado em 1987, durante a Primeira Intifada, uma revolta palestina contra a ocupação israelense nos Territórios Palestinos, que inclui a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, ganhando destaque por meio da resistência armada e comprometendo-se com a liberdade dos palestinos, ao mesmo tempo que rejeitava o Estado de Israel.
Por outro lado, o Fatah, grupo que controla a Autoridade Nacional Palestina, atualmente presidida por Mahmoud Abbas, foi estabelecido em 1959, com uma história de abordagens mais moderadas, favorecendo negociações com Israel para a criação de um Estado palestino.
A rivalidade entre esses dois grupos levou a uma divisão política e territorial, intensificada pelas ocupações e cerco impostos por Israel, com o Hamas controlando a Faixa de Gaza desde 2007 e o Fatah governando a Cisjordânia. Essa divisão tem sido um obstáculo significativo para a unidade palestina e para o processo de paz no Oriente Médio, complicando os esforços para alcançar uma solução de dois Estados.
O que dizem autoridades palestinas que não são do Hamas sobre a guerra
Apesar das discordâncias com o Hamas, a maior parte das lideranças e autoridades palestinas de outras correntes e organizações vêm poupando críticas ao grupo islâmico e condenando as ações de Israel contra a Faixa de Gaza.
Em entrevista à Fórum, a bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e mestranda em Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo (USP), Fernanda de Melo, pesquisadora sobre grupos de resistência palestinos, afirmou eu a resposta militar de Israel aos ataques do Hamas devem resultar em uma união maior entre as diferentes organizações palestinas.
"Eu tenho conversado com os colegas palestinos que, inclusive, têm duras críticas ao Hamas. E todos eles falaram que, apesar das críticas, eles entendem essa ação do Hamas como uma ação revolucionária, como um primeiro passo para um levante a favor da libertação palestina", pontua Fernanda.
"O Hamas e o Fatah sempre tiveram, historicamente, uma rivalidade. Mas, pelo que a gente tem acompanhado até agora, o Fatah já está iniciando alguns diálogos com o Hamas. Então, a gente pode esperar por alguma união desses movimentos a favor de uma só causa. Há também alguns outros movimentos no Oriente Médio que já estão iniciando algumas articulações, como é o caso do Hezbollah, do Líbano", emenda a pesquisadora.
Veja a seguir manifestações de Mahmoud Abbas, presidente de Autoridade Nacional Palestina; Abbas Zaki, membro do Comitê Central do Fatah; Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina; Husam Zomlot, embaixador da Palestina no Reino Unido; e Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil.
- Mahmoud Abbas, presidente de Autoridade Nacional Palestina
O presidente palestino, Mahmoud Abbas, disse ainda no sábado (8), data em que o Hamas lançou os primeiros mísseis e foguetes contra Israel, que o povo palestino tem o direito de se defender contra o “terror dos colonos e das tropas de ocupação”.
Segundo a agência de notícias palestina WAFA, Abbas fez uma videoconferência na noite desta segunda-feira (9) com o Secretário-Geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, pedindo para que a ONU intervenha imediatamente para "interromper a agressão israelense contra o povo palestino", particularmente na Faixa de Gaza.
A mídia local informa, ainda, que o presidente palestino instou a ONU a cumprir seus deveres com relação à Palestina de garantir proteção internacional à população da região.
- Abbas Zaki, Membro do Comité do Fatah e Comissário-Geral para as Relações Árabes e China
Em nota divulgada no site oficial do Fatah na noite desta segunda-feira (10), Abbas Zaki, um dos líderes do movimento, afirmou que Israel está "cometendo os crimes mais hediondos contra civis, crianças, mulheres e idosos palestinos na Faixa de Gaza".
"Eles [as forças militares israelenses] estão cometendo massacres brutais, bombardeando casas, lares e torres residenciais acima de seus moradores... e massacrando crianças, mulheres , ambulâncias, médicos e jornalistas, numa tentativa de devolver a honra à sua terrível derrota perante os lutadores pela liberdade do nosso povo, que defendem a sua liberdade e a justiça da sua causa, há mais de cem anos", diz o comunicado.
"Estejam plenamente confiantes de que o nosso povo palestino nunca se renderá e não levantará a bandeira branca... E continuará a levantar a bandeira da liberdade até a vitória é alcançada para o nosso povo e para a nossa gloriosa nação árabe e islâmica...", prossegue a liderança do Fatah.
- Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina
Mustafa Barghouti, secretário geral da Iniciativa Nacional Palestina, partido político que se apresenta como alternativa ao Hamas e ao Fatah, disse em entrevista à CNN Internacional, no último domingo (9), ao comentar a escalada do conflito com Israel, que “essa situação, que chegou a esse ponto, é um resultado direto da continuidade da ocupação mais longa da história moderna”.
“A ocupação israelense do território palestino desde 1967. Isto é, 56 anos de ocupação, que se transformou em um sistema de apartheid. Um apartheid ainda pior do que o que vigorou na África do Sul”, declarou.
"Sim, talvez o Hamas não tenha reconhecido Israel, mas a Organização Para a Libertação da Palestina e a Autoridade Palestina, sim. O que eles conseguiram com isso? Nada. Desde 2014, o governo israelense nem sequer se reuniu com os palestinos. E o que nós vemos hoje é uma reação a várias coisas”, explicou ainda Barghouti.
"Ataques terroristas de colonos israelenses contra os palestinos na Cisjordânia, que resultaram na expulsão de 20 comunidades em um ato de limpeza étnica. 248 palestinos foram assassinados pelo exército israelense e por colonos na Cisjordânia, incluindo 40 crianças. Ataques contra locais sagrados, tanto mulçumanos quanto cristão, por extremistas israelenses. Bem como a declaração de Netanyahu prometendo liquidar os direitos dos palestinos e a causa palestina. Ele teve até mesmo a audácia de ir à ONU levando um mapa de Israel que incluía toda a Faixa de Gaza, toda a Cisjordânia e toda Jerusalém. Ele anunciou que vai anexar territórios ocupados. Então é óbvio que os palestinos vão aderir à resistência. Por que eles percebem que essa é a única maneira de lutar pelos seus direitos", prosseguiu.
Veja vídeo da entrevista com legendas em português:
- Husam Zomlot, embaixador da Palestina no Reino Unido
Em entrevista à CNN dos EUA no sábado (8), o embaixador da Autoridade Nacional Palestina no Reino Unido, Husam Zomlot, disse que o conflito entre Hamas e Israel era "inevitável".
"Estamos tendo essa conversa porque os israelenses viram o que viram hoje. Mas o meu povo vê isso todos os dias. Todos os dias, palestinos são visados, mortos, presos, cercados, suas terras são confiscadas, seus locais sagrados são profanados. [...] Nosso povo está sendo submetido a um apartheid nos últimos anos, suas terras estão sendo tomadas, e a esperança por uma solução política que garanta seus direitos está se dissipando. É isso que precisamos discutir", pontuou.
"Israel sabia que isso aconteceria. Nós, do movimento nacional da Palestina [Fatah], concordamos com o que o mundo nos pediu: reconhecemos Israel, nos comprometemos com negociações de não-violência, com a legitimidade e resolução internacionais (..) Israel tinha de fazer apenas uma coisa: parar a ocupação militar, a expansão de seus assentamentos coloniais. Eles não fizeram isso um único dia, matando a perspectiva da solução de dois estados", prosseguiu.
Veja vídeo da entrevista com legendas em português:
- Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil
Em entrevista à GloboNews nesta terça-feira (10), o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, afirmou que Israel tem praticado uma "limpeza étnica" de palestinos em seus territórios.
"Estamos enfrentando uma situação de completa devastação na Faixa de Gaza. Bombas e mísseis estão atingindo toda a pequena extensão deste território. As imagens falam por si só. Estamos testemunhando o que parece ser uma purificação étnica e uma devastação física nessa região", disse o representante diplomático.
"O que está ocorrendo representa uma continuação de um conflito armado que assola a Palestina há sete décadas, negando a existência do povo palestino (...) O termo 'terrorista' deve ser aplicado àqueles que utilizam aeronaves militares e uma ampla gama de tecnologias para deixar praticamente toda a região sem acesso à luz e água. São táticas que, inclusive durante conflitos, são consideradas proibidas. Esse bombardeio indiscriminado e o corte de suprimentos essenciais, como água e alimentos, estão exacerbando ainda mais o sofrimento humano", acrescentou o embaixador.