Na última quinta-feira (1) a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, sofreu um atentado na porta de sua casa em Buenos Aires. Um homem se infiltrou entre apoiadores da líder peronista, que têm feito vigílias em apoio a Cristina em relação a processo a que responde sobre supostos de desvios de dinheiro publico. Ao se aproximar de Cristina, apontou uma pistola em seu rosto e atirou. Por sorte, a arma falhou. O homem foi capturado pelos apoiadores da vice-presidente e logo preso, mas a polícia até agora não conseguiu descobrir nem a motivação para o atentado, e nem se o autor agiu sozinho ou era parte de uma conspiração. Mas suas redes sociais podem dar pistas, ao menos sobre como pensa e interpreta o mundo.
Logo após a divulgação do nome de Fernando Andrés Sabag Montiel ser revelado pelas autoridades argentinas, junto com o fato de que ele é brasileiro, as redes não demoraram em procurar evidências de que o atirador fosse bolsonarista. Foi divulgado um print da conta @fern_andres1 elogiando Bolsonaro no Twitter como sendo do extremista. No entanto, a informação é falsa e se trata de um homônimo. A jornalista Letícia Oliveira, que pesquisa justamente o crescimento de grupos de extrema direita no Brasil, encontrou as contas de Sabag Montiel nas redes sociais. No Twitter está registrado como @Fernandosalim3 e no Instagram e Facebook como Fernando Salim Montiel. O extremista adotou um singelo disfarce, Salim, para utilizar nas redes sociais.
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Mas ao contrário do que simples contas em redes sociais com nomes fictícios, que qualquer pessoa que não goste de se expor para o mundo pode vir a usar sem com isso espalhar conteúdo nazista, a jornalista encontrou uma verdadeira galeria de tatuagens, símbolos e referências que ligam o autor do atentado frustrado a grupos neonazistas ativos no país vizinho e o aproximam a um tipo de pensamento nazista que mistura esoterismo, misticismo e ufologia. Durante seu levantamento, ela não encontrou nenhuma referência ou interesse na política brasileira, o que o afasta do bolsonarismo. No entanto, explica que mesmo no caso de grupos integralistas e neonazistas brasileiros não há consenso sobre o apoio ao atual presidente.
“As contas verdadeiras de Fernando no Facebook e Instagram — o perfil no Twitter tem poucas interações e seguidores — não mostram qualquer interesse na política brasileira. Suas fotos e curtidas revelam que ele se alinha ideologicamente com o que pesquisadores da extrema-direita conhecem como ‘hitlerismo esotérico’”, diz trecho de matéria da jornalista Letícia Oliveira ao site Ponte Jornalismo.
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Ela ainda explica que esse tipo específico de hitlerismo ocultista não está atrelado ao nazismo histórico (que envolve a ascensão e a duração regime nazista e fascista), mas que foi resgatado por neonazistas do pós-guerra uma vez que, ao mesmo tempo que funciona como resgate de um suposto “passado idílico”, também se apropria e dialoga com interesses típicos da cultura pop com o intuito de se propagar entre fãs. Basta olhar para o quanto tais temáticas vêm sendo exploradas nos últimos anos, sobretudo em séries de grandes plataformas ou em pequenos canais do Youtube; fantasmas, alienígenas, portais interdimensionais etc..
Logo na primeira foto do extremista divulgada pela imprensa é possível notar uma tatuagem em seu cotovelo com o Sol Negro. O símbolo teria ficado mundialmente conhecido recentemente devido ao uso pelo Batalhão Azov, na Ucrânia, famoso por adotar semelhante ideologia. No entanto, grupos neonazistas de caráter mais contracultural como o Misatropic Division já o utilizavam há anos em diversos países europeus.
É comum o uso da simbologia por grupos neonazistas que se aproximam de visões místicas e esotéricas inspiradas na mitologia hindu – sobretudo nas específicas histórias que tratam das origens da suposta “raça ariana”. Há uma aproximação com o famoso Tradicionalismo de Julius Evola que serviu de base filosófica para o nazifascismo no século XX e hoje alenta pensadores como o russo Aleksander Dugin e o ex-trumpista Steve Bannon, além, é claro, de apresentar semelhanças e aproximações com o falecido brasileiro Olavo de Carvalho.
“A escritora de nacionalidade francesa de origem greco-britânica Savitri Devi é considerada a precursora dessa linha de pensamento místico (STRUBE). Defensora do sistema de castas hindu por considerá-lo o modelo perfeito de segregação que garantiria a pureza do sangue ariano, Devi considerava Hitler um avatar do deus hindu Vishnu,” ilustra outro trecho do artigo da jornalista e pesquisadora.
O símbolo, por sua vez, faz referência a uma roda solar e consiste em runas radiais, semelhantes às usadas no logotipo da SS. Apareceu pela primeira vez ao público durante o regime nazista quando o chefe da SS, Heinrich Himmler, a colocou no salão principal de um castelo medieval que seria usado como quartel-general da instituição.
Em sua conta de Facebook, Montiel ainda usou o símbolo da Orden de Caballeros Tirodal de la República Argentina, um agrupamento fundado em 1985 por Luis Felipe Cires Moyano, mais conhecido como Nimrod de Rosário.
“O nome Tirodal vem da junção dos nomes das runas Tyr e Odal, e o símbolo da ordem é um bindrune — união de duas ou mais runas em um só desenho para fins místicos. É importante salientar que as runas não são usadas somente por neonazistas, mas o uso desse tipo específico, conhecidas como runas Armanen, denota afiliação a esses ideais. Armanen Futhark é o alfabeto rúnico de 18 signos criado pelo místico alemão Guido Von List", explicou Letícia. É o mesmo tipo de runa usada pelo Sol Negro tatuado em seu braço.
*Com informações da Ponte.org.