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Como é a lei de armas no Japão e por que armamentos artesanais viraram pesadelo por lá

País tem controle extremo e rigoroso sobre o tema, mas “onda” de crimes com artefatos caseiros, como o utilizado por um extremista para matar o ex-premiê Shinzo Abe, preocupa autoridades

Foto ilustrativa.Créditos: India Today/Reprodução
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O assassinato do ex-primeiro-ministro japonês Shinzo Abe a tiros, no meio da rua, durante um comício eleitoral na cidade de Nure, cometido por um ex-militar extremista que usou uma escopeta caseira, fez surgir dúvidas sobre como funciona a lei de armas no país, famoso por sua segurança e por índices de criminalidade baixíssimos.

Desde 1958 o Japão adota uma lei de armas que é baseada na proibição, que foi revisada em 2014. Em vias gerais, ninguém pode ter uma arma e a partir daí surgem as exceções. Se de alguma forma um cidadão japonês quiser adquirir um desses objetos perigosos, ele deve saber de antemão que os únicos possíveis são espingardas de calibre leve e as de pressão, que sequer são consideradas “armas de fogo”. Só que a coisa não para por aí.

O interessado deve passar por algumas aulas que duram o dia inteiro, depois precisa realizar uma prova na qual deverá ter uma nota elevada, para então realizar testes de tiro e ter que acertar no alvo mais de 95% dos disparos. Se alcançar essa façanha, terá que realizar testes de natureza psiquiátricos em hospitais públicos, para posteriormente sofrer um processo de investigação social no qual familiares, vizinhos e colegas de trabalho são entrevistados, além de apresentar um certificado de que não tem antecedentes criminais. Nem policiais podem portar arma fora do horário de serviço, deixando esses objetos na base quando vão embora para casa.

Por fim, as autoridades podem indeferir ou ficar protelando a autorização para a compra de uma espingarda de baixa potência que não pode ser automática, lembrando que a cada três anos é necessário realizar todos os testes e cursos novamente. Revólveres e pistolas, que podem ser carregados de forma velada, na cintura, por exemplo, são terminantemente proibidos. Em síntese: ninguém consegue uma arma legalmente no Japão e quem tiver uma ilegalmente pode receber uma pena de prisão em regime fechado de no mínimo três anos e meio.

Todo esse controle trouxe resultado depois de décadas e o país praticamente não registra assassinatos cometidos com revólveres, pistolas, rifles ou fuzis. Para se ter uma ideia, num país com 126 milhões de habitantes (60% da população do Brasil), apenas um homicídio com arma de fogo foi registrado em 2021, enquanto por aqui foram 47.503.

Armas caseiras

A arma usada pelo ex-militar do braço naval das Forças de Defesa do Japão Tetsuya Yamagami, de 41 anos, que matou Abe, foi fabricada por ele mesmo, utilizando canos, uma empunhadura, fita isolante, fios e outras bugigangas. O que parece exótico e totalmente incomum, na verdade, tornou-se um problema no país asiático, já que a cada ano vem aumentando o número de pessoas que se dedicam a produzir artesanalmente essas armas, sobretudo após o surgimento das impressoras 3D.

Há 10 anos o Japão condenava pela primeira vez alguém com base na Lei de Controle de Armas de Fogo por ter produzido um artefato caseiro usando uma dessas impressoras. Yoshitomo Imura, um jovem que trabalhava no Instituto de Tecnologia em Kanagawa vinha se exibindo na internet com seus “brinquedos”, que funcionavam de verdade poderiam matar alguém.

Em 2002 o país já vinha sendo afetado por armas de fabricação artesanal. Um caso notório, naquele ano, foi o de um idoso que disparou num vizinho com quem tinha desavenças enquanto o homem passeava com seu cão, na cidade de Osaka. De lá para cá, alguns episódios de morte, ameaças, lesões corporais e posse ilegal desses mecanismos de fundo de quintal vêm sendo registrados na Terra do Sol Nascente.