O Japão é um dos países mais seguros e com menor criminalidade do mundo. Um exemplo disso é que, em 2021, o arquipélago com quase 126 milhões de habitantes (60% da população do Brasil) registrou apenas um homicídio por arma de fogo, enquanto nós tivemos 47.503 no mesmo período. Isso não impediu que o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, que governou a nação por 12 anos, cercado por pelo menos oito guarda-costas profissionais do Estado, armados e fazendo uso de maletas balísticas, além de toda a estrutura policial e de transporte de que dispunha, fosse morto à bala em plena luz do dia por um extremista que, usando sua experiência de ex-militar das Forças de Defesa, construiu uma espécie de escopeta exclusivamente para assassinar o mais longevo premiê nipônico da história.
A notícia do atentado que matou Abe chocou o mundo nas primeiras horas desta sexta-feira. Todos se perguntam: como foi possível? Pois bem. Numa análise mais aprofundada das imagens do crime é possível notar que viaturas policiais guarneciam a área onde o político discursava, além de pelo menos oito guarda-costas visíveis, bem posicionados e armados, o que é comprovado em fotos dos agentes contendo o assassino, com seus coldres à mostra por baixo do paletó. Esses homens também portam maletas balísticas, um treco parecido com uma mala fake que se abre e forma uma barreira à prova de balas. Um deles chega a tentar colocá-la na direção de onde vinham os disparos, quando Abe já estava ferido, só que o artefato não é acionado corretamente.
Ninguém duvida da capacidade desses seguranças a serviço de um Estado rico, poderoso e sério como o Japão, tampouco do treinamento que receberam. As imagens inclusive mostram um posicionamento aparentemente coerente dos agentes, atentos ao que se passa ao redor. Só que em tempos de extremismo desmedido, de lunáticos alimentados por canalhas e psicopatas, e em face do recrudescimento da violência política por todo o mundo, a morte pode estar à espreita em cada esquina, literalmente.
Foi um descuido. Tetsuya Yamagami, o ex-militar de 41 anos, ficou vagando por vários minutos com uma bolsa a tiracolo, onde guardava a escopeta caseira. Se aproximou por trás, na posição mais vulnerável para seu alvo, sacou a arma, mirou e atirou, em poucos segundos, sem que uma reação muito rápida da segurança pudesse evitar os tiros. Um vacilo diante de um esquema de segurança oficial, cedido pelo Estado e, até onde se sabe, feito por gente experiente.
Digo tudo isso para lembrar que, poucas horas antes do horroroso atentado, no Rio de Janeiro, o ex-presidente Lula discursava para uma multidão de dezenas de milhares de pessoas na Cinelândia. Momentos antes, um extremista lançou uma bomba caseira feita com garrafa pet e fezes no setor em tese mais protegido do evento, isolado por chapas de metal. Todos sabem que essa não foi a primeira tentativa de vitimar o petista.
Lula está com a cabeça a prêmio no momento mais sensível em termos de violência política da história. Seu adversário é um sádico psicopata notório, que regurgita 24 horas por dia um discurso belicista, militarista e armamentista. Com 33 milhões de famintos e o pior cenário socioeconômico de todos os tempos, o monstrengo apenas fala sobre armar a todos, vender fuzil e não sair de jeito nenhum da cadeira presidencial de onde segue demolindo a sociedade brasileira, dilapidando o Estado e aparelhando o país com seus milicianos e seguidores irracionais e irascíveis.
A comitiva de Lula foi interceptada em Campinas (SP) em maio, sua agenda sofreu alterações por ameaças em Santa Catarina, seu casamento foi invadido por um penetra maluco na capital paulista, um ato de campanha em Uberlândia (MG) foi atacado com um drone, que lançou veneno em cima do público e as ameaças de gente desequilibrada e violenta nas redes, com vídeos portando armas, se multiplicam às centenas desde o ano passado.
Armas, aliás, que vendem como banana no país. O “exército” de destrambelhados à disposição do ultrarreacionário-mor está armado até os dentes, inclusive com fuzis. Pistolas e revólveres, então, nem se fala. Saem como pão quente e com a facilidade de se adquirir um sapato. São 470 mil novinhas nas mãos dessa gente, com registros que começaram a partir de sua posse, em 1° de janeiro de 2019.
Esse tema, da segurança de Lula, já foi tratado muitas vezes e segue em alta porque a ameaça à sua vida é algo óbvio, plenamente possível e até mesmo iminente, a depender do local e das circunstâncias. Expor Lula a multidões, ou saindo de prédios e edifícios para entrar em carros, ou até mesmo ao sair e chegar em casa ou em eventos fechados, pode ser a brecha simples e imperceptível para que um desses descompensados o mate.
A tragédia que vitimou Shinzo Abe deve servir como uma lição muito clara e aproveitável aos responsáveis pela segurança pessoal do ex-presidente, e inclusive a ele próprio. Facilitar as coisas para quem está eufórico por cometer uma barbaridade é imprudência. A hora é de tirar aprendizado do que vem ocorrendo e manter a vigilância o tempo todo.