FUTEBOL FEMININO

Quem é Iracema Ferreira, a Rata, ex-jogadora da seleção que foi expulsa de casa por jogar futebol

Pioneira do futebol feminino brasileiro, começou a jogar ainda criança quando as mulheres eram proibidas de bater uma bola e defendeu a seleção nas décadas de 80 e 90

Iracema Ferreira, a Rata.Créditos: Arquivo pessoal
Escrito en ESPORTE el

Graças a uma lei de 14 de abril 1941, promulgada pelo então ditador brasileiro Getúlio Vargas, a prática do futebol por mulheres ficou proibida até 1979, quando a lei caiu em um período marcado pelo início da abertura de outra ditadura, a civil-militar iniciada em 1964. Levando em consideração essas informações, fica claro o tamanho da dificuldade que o futebol feminino teve para superar as mais diversas barrerias, surgir e se desenvolver no país. E em meio a tantas histórias que permeiam o esporte, talvez não haja uma história pessoal como a da ex-jogadora da seleção brasileira Iracema Ferreira, a Rata, que ilustre tão bem essa construção coletiva repleta de superações. É como se a vida de Rata, fosse um espelho do próprio futebol feminino nacional.

Pioneira no esporte, Rata começou a jogar bola ainda na infância e adolescência, em época anterior à queda da proibição. Em entrevista ao Uol, ela revelou que apanhava do pai sempre que saía para jogar bola e que em seguida foi expulsa de casa.

“Meu pai me chamou, apanhei muito e ele falou: ‘Não quero mulher-homem na minha família, pode sair de casa porque eu não quero mais você aqui’. Eu peguei uma bola que tinha e saí”, contou.

Ela explica que em seguida viajou de carona em um caminhão para São Paulo onde iria morar com uma tia no bairro da Mooca. Mas o caminhoneiro foi para Santos, e ela ficou por lá mesmo. “Fiquei na areia um bom tempo. O pouco dinheiro que tinha levado acabou e ficava brincando de bola e comendo pão que o rapaz de uma padaria me dava”.

Um dia ela conheceu uma mulher que a levou para a casa da tia, na Mooca. Um tempo depois, foi convocada pelo técnico Eurico Lira, do Esporte Clube Radar, que fazia uma peneira para meninas que defenderiam a seleção brasileira de futebol feminino. Já eram os anos 80 e a proibição do jogo havia caído.

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Rata é claro que passou na peneira, mas ainda não tinha cumprido 18 anos e precisava da autorização dos pais para viajar com a recém formada seleção brasileira. Ela então voltou para casa ao lado do professor Eurico.

“Quando cheguei na porta, fiquei escondida atrás do Eurico. Meu pai abriu a porta, só que, para a minha surpresa, em vez de ele me bater, me abraçou. Ele me abraçou muito naquele momento e, desse dia em diante, ele virou meu melhor amigo, me apoiando em tudo o que fazia”, contou.

Após o episódio, seu pai se transformou em um defensor do futebol feminino, tendo inclusive sido uma peça fundamental para convencer outros pais de que estava tudo bem se garotas jogassem futebol.

“Isso marcou muito a minha vida, porque eu comecei com isso (machismo) dentro da minha casa. Meu pai era militar, muito radical. Mas o mais importante é que aconteceu e foi uma lição para mim”, explicou Rata, que pôde se reconciliar com o pai e a irmã após o período turbulento.

Ao longo dos anos 80 e no início dos anos 90, Rata desenvolveu sua carreira de jogadora atuando pelo Radar e pela seleção brasileira, mas nunca tinha tido a oportunidade de ir para uma Copa do Mundo. Dessa vez, no mundial da Austrália e da Nova Zelândia, foi convidada pela Visa, um dos patrocinadores, para acompanhar a seleção.

“Foi a realização de um sonho. Mesmo que eu não esteja em campo, é como se estivesse indo para a minha primeira Copa”, comentou.

Ela comemora também o momento do futebol feminino brasileiro, que já rompeu grandes barreiras, mas que ainda tem longas lutas para travar em nome do aprimoramento da modalidade. Sobre as chances de título, Rata acredita que a seleção pode vir a disputar, mas que será uma tarefa difícil.

“Hoje, o Brasil tem uma estrutura muito melhor, tem uma base melhor, uma força muito maior. As meninas treinam na Granja Comary com toda a estrutura, com todo o atendimento da mesma forma que eles tratam os meninos. Eu acho que o Brasil está forte, embora as outras seleções sejam boas, vai ser difícil”, avaliou.