CORINTHIANS

Caso Cuca: O que a imprensa brasileira falou, à época, sobre o estupro

Recentemente contratado pelo Corinthians, profissional vive rechaço de parte da torcida por conta do episódio; Clube estuda possível demissão

Alexi Stival, o Cuca, técnico do Corinthians.Caso Cuca: O que a imprensa brasileira falou, à época, sobre o estuproCréditos: Agência Corinthians
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Desde que foi anunciado como o novo técnico do Corinthians na última quinta-feira (20), o treinador Alexi Stival, mais conhecido como Cuca, enfrenta a ira de setores da comunidade corintiana – que inclui torcida e instituição. Cuca foi acusado em 1987 e condenado em 1989 pela Justiça da Suíça por conta do chamado “Escândalo de Berna”, o episódio em que, ainda nos tempos de jogador e junto com outros 3 colegas do Grêmio, estuprou uma jovem de 13 anos. De acordo com informações do colunista Samir Carvalho, do Uol, o clima no clube é tenso e a diretoria estuda sua demissão independente do resultado da partida desta noite.

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Sem conquistas e vitórias esportivas desde 2019, quando venceu seu último campeonato, a torcida do Corinthians sofre com times que apresentam um fraco padrão tático, técnico e até mesmo psicológico. Nesse meio tempo, tem acompanhado vitórias de rivais interestaduais como Flamengo e Atlético-MG, além de uma fase espetacular do arquirrival Palmeiras. Tudo isso, dentro do mundo do futebol, deixa a situação ainda mais complicada, uma vez que Cuca é um treinador experiente e com uma carreira vitoriosa. Uma demissão “independente de resultado”, caso se concretize, seria uma mensagem e tanto.

De acordo com o colunista, por conta do aumento da pressão nos bastidores do clube, em especial pela carta de repúdio do vitorioso quadro feminino corintiano, o presidente do clube Duílio Monteiro Alves cogita a demissão do treinador, mas ainda não está decidido. É nesse clima de tensão que o Corinthians encara o Remo na Neo Química Arena esta noite, em partida que precisa marcar pelo menos 3 gols para se classificar às oitavas de final da Copa do Brasil.

Entre os setores dentro do Corinthians que defendem a permanência do treinador, há o discurso de que o clube é perseguido. O argumento diz mais ou menos assim: ‘Cuca se envolveu com isso em 1987 e, ao longo desses mais de 30 anos, ninguém ligou para o assunto e agora que assume o Corinthians, o caso vem a público’. Há também quem diga que o caso veio à tona só após a condenação do atacante Robinho, pelo mesmo crime, na Itália. No entanto, nada disso é verdade.

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Cuca enfrentou resistências recentemente, ainda que mais tímidas, quando contratado recentemente por Santos e Atlético-MG. Em outros clubes, como o Palmeiras e o São Paulo, houve desconforto, mas a pauta não ganhou projeção. O Corinthians, sem dúvida, foi o clube onde o rechaço a Cuca ganhou a maior projeção já registrada. Além disso, também a imprensa brasileira tratou do caso, tanto em 1987 logo de sua ocorrência e em 1989 quando os atletas foram condenados, como em ocasiões posteriores como uma espécie de lembrança do caso.

A matéria de 1987 do Fantástico

“O advogado e vice-presidente do Grêmio viajou hoje para a Suíça para defender os quatro jogadores acusados de estuprar uma menina de 14 anos. A garota subiu no quarto de um dos jogadores no hotel em Berna para pegar uma camisa do Grêmio, no dia seguinte foi vista com a camisa e disse que foi estuprada pelos jogadores”, este é o lide que introduz a matéria do Fantástico, da TV Globo. Como o leitor pode notar, claramente direcionado para desmerecer a adolescente que teria conseguido a sua camiseta e, em seguida, denunciado a agressão sexual.

Na sequência, o dirigente gremista diz que Cuca e outro colega poderiam ser liberados logo, enquanto os outros dois jogadores estariam com a situação mais complicada. “Estamos indo à Suíça para buscar a verdade e dar uma assistência a esses atletas”, concluiu o dirigente. Na sequência a reportagem fala dos atletas e ouve pessoas do clube a respeito deles.

“São rapazes educados, acho que foi uma infelicidade ter acontecido isso com eles”, diz o primeiro entrevistado, que não foi identificado pela reportagem. O segundo, também não identificado, emenda: “Quando elas sabem que é do Brasil, sabem que é terra de futebol e samba, o jogador é sempre mais procurado e isso pode acontecer”. Ou seja, seriam os jogadores a serem atacados pela adolescente, segundo a declaração.

Em seguida, conversam com os pais, já idosos, do zagueiro Henrique – que também estava envolvido no caso. A mãe do jogador, no esforço de defender a honra do filho, afirma: “Uma menina de 14 anos, se fosse filha minha, não sairia assim pelos hotéis, ficaria em casa. A culpa seria mais dela do que deles”. Na sequência, pai e irmã dão declarações.

Para finalizar a reportagem, o Fantástico foi às ruas de Porto Alegre perguntar o que o povo achava do caso. O repórter anunciou que após fazer uma enquete com 20 transeuntes, apenas um disse que os atletas deveriam ser condenados.

“Com tanta mulher, que só por eles serem jogadores, vão correr atrás deles, acho que eles não fariam isso”, disse uma garota entrevistada. Uma outra mulher afirmou categoricamente: “Não condenaria eles”.

Outras coberturas

Em texto intitulado “O caso Cuca ou quando estupradores eram heróis”, publicado em sua coluna no Uol nesta quarta-feira (26), Amara Moira cita uma série de reportagens publicadas ao longo dos últimos 36 anos que tratam do tema.

A primeira citada é da Folha e foi publicada em 18 de maio de 1996. Na reportagem, intitulada “Esporte convive com acusações de assédio", o caso foi relembrado e é dito que Cuca e os demais jogadores foram condenados por estupro. Naquela edição do jornal, a matéria de capa levava uma reportagem sobre uma tentativa de assédio sexual feita por Vanderlei Luxemburgo, então técnico do Palmeiras, a uma manicure que o atendeu no quarto de um hotel em que a equipe se hospedava. O caso de Cuca era para completar as informações.

Luxemburgo teria tentado forçar uma relação sexual com a manicure após ser atendido. “Quando estiquei a mão para dar boa noite, ele me puxou e começou a beijar o meu pescoço e enfiar a língua na minha orelha (…) Até agora sinto o cheiro daquele homem e tenho nojo”, declarou. A colunista aponta o desespero que passa na cabeça de uma mulher no momento em que percebe que pode ser vítima de uma agressão sexual e, em seguida, mostra o título de um filme pornô que explorou o lamentável caso, como um exemplo da barbárie que pode se traduzir nas diversas indústrias: “Vanderburgo e a manicure”.

Se por um lado a matéria da Folha tinha um ar de denúncia em relação ao caso de Luxemburgo, e citou o de Cuca como um reforço à tese, por outro lado, a mídia alternativa fez um verdadeiro papelão. Em texto publicado pelo histórico jornal de humor e política independente, Pasquim, em edição de setembro de 1987, que respondia a uma leitora chocada com a recepção 'heroica' que os jogadores receberam na volta a Porto Alegre, é possível ler o seguinte:

“Vergonheira coisa nenhuma. Nossos briosos atletas do sexo honraram as tradições gaúchas no exterior, matando a cobra e mostrando o pau. E com a gloriosa camisinha tricolor. Quando às críticas do Jaquar [cartunista do jornal] aos meninos de Berna – posso assegurar-te Bia – só aconteceram porque ele não viu a tal menininha. Nem ele resistiria aos atributos dessa potranca criada a chocolate e queijo suíço. Dá só uma espiada aí, na foto do Paulo Dias, publicada no Zero Hora”.

“Estupro? Ora! Chocolate e queijo! Um homem precisa comer mais do qua isso” e “Garota suíça seduz quatro… varões gaúchos” são dois dizeres contidos em charges que ilustram a matéria “Os estupradores que viraram heróis”, do jornal Mulherio de outubro de 1987. Na reportagem, as autoras Mirim Grossi e Carmen Rial fizeram um levantamento da cobertura extremamente machista que o caso recebeu. Amara Moira defende que o problema, neste caso não seriam apenas os 4 jogadores, mas toda uma sociedade que aprova tais condutas.

O Escândalo de Berna

Em março de 2021, depois de mais de três décadas de silêncio, Cuca resolveu falar sobre a questão polêmica, conhecida como o “escândalo de Berna”, em entrevista exclusiva para Marília Ruiz, colunista do UOL.

“Eu preciso dar um basta nisso. Claro que essa história me incomoda demais. Não posso virar bandido depois de 34 anos. Resolvi juntar minha mulher e minhas duas filhas para falar desse caso de 12.400 dias atrás porque sou inocente”, declarou o técnico.

“Não fui julgado e culpado. Fui julgado à revelia, não estava mais no Grêmio quando houve esse julgamento com os outros rapazes. É uma coisa que eu tenho uma lembrança muito vaga, até porque não houve nada. Não houve estupro como falam, como dizem as coisas. Houve uma condenação por ter uma menor adentrado o quarto. Simplesmente isso. Não houve abuso sexual, [não houve] tentativa de abuso ou coisa assim”, garantiu

Em julho de 1987, o então atacante Cuca, o ex-goleiro Eduardo, o ex-zagueiro Henrique e o ex-atacante Fernando foram presos em um hotel suíço. A acusação? Violência sexual contra pessoa vulnerável, que era uma adolescente de 13 anos. A menina foi ao hotel pedir camisetas aos jogadores e acabou tragada ao quarto dos astros, onde o crime ocorreu.

Os quatro ficaram cerca de um mês presos no país europeu. Após intervenção diplomática, todos acabaram libertados e retornaram ao Brasil. Porém, dois anos depois, foram julgados e condenados - não à revelia como Cuca afirmou, mas defendidos por advogado contratado pelo Grêmio. Para Cuca, a pena foi de 15 meses de detenção, que prescreveu antes de ser cumprida.

Cuca se explica na coletiva

Logo que assumiu o comando técnico do Corinthians, Cuca contestou as acusações: “Sou uma pessoa do bem, vivo numa família de mulheres, 90% da minha família são mulheres. Esse episódio de 1987 precisa ser explicado. Eu estava no Grêmio havia duas ou três semanas apenas, não conhecia ninguém. Eu jamais toquei numa mulher indevidamente ou inadequadamente. Sou um cara de cabeça e consciência tranquilas. Tenho a consciência tranquila”, ressaltou o técnico.

Para relembrar a entrevista, já que o tema voltou à tona com o anúncio da contratação de Cuca pelo Corinthians, Marília fez uma postagem sobre o caso.

“No mundo que ignora o que diz a vítima, eu leio, apuro e relato: ela nunca reconheceu Cuca como agressor. Eu não estava lá, mas considero o testemunho dela, apesar de o julgamento à revelia ter condenado Cuca e outros jogadores há 36 anos”, tuitou.

Advogado da vítima se pronuncia

Willi Egloff é o nome do advogado que representou a vítima de estupro do Escândalo de Berna, na Suíça. Na ocasião, Cuca e outros três jogadores do Grêmio foram acusados de estuprar uma adolescente de 13 anos, em 1987, durante excursão do Tricolor Gaúcho pelo país. Ao Uol Egloff rebateu as declarações de Cuca, em sua recente apresentação como técnico do Corinthians, de que não foi reconhecido e jamais teria tocado a menina.

“A declaração do Alexi Stival [Cuca] é falsa. A garota o reconheceu como um dos estupradores. Ele foi condenado por relações sexuais com uma menor”, declarou o advogado que à época foi contratado pela família da vítima, tendo sido uma das poucas pessoas que teve acesso aos autos do processo. A Justiça da Suíça confirmou, também ao Uol, que os documentos referentes ao caso estão em sigilo por 110 anos.

Ao jornal Der Bund, da própria cidade de Berna, Egloff também afirmou que um exame realizado pelo Instituto de Medicina Legal da Universidade de Berna encontrou o sêmen do então jogador do Grêmio – e atual treinador do Corinthians – na vítima. Também confirmou que a adolescente tentou o suicídio após o estupro. O processo foi concluído em 1989 com a condenação dos quatro jogadores envolvidos.

Após a repercussão do episódio que colocou o treinador em uma crise no seu novo clube, mesmo antes da primeira jogada, Cuca contratou advogados na Suíça para tentar limpar seu nome. Ele quer provar que não esteve envolvido no – assim chamado nos meios de comunicação – ‘ato sexual’. Ou melhor, no abuso físico, sexual e direto contra a adolescente.