"Eu sei que um dia a verdadeira justiça será feita e será reconhecida minha inocência. E nesse dia eu estarei junto com o Haddad para fazer o governo do povo e da esperança. Nós todos estaremos lá, juntos, para fazer o Brasil feliz de novo".
O trecho da carta escrita por Lula (PT) em 11 de setembro de 2018, indicando Fernando Haddad para disputar a presidência em seu lugar contra Jair Bolsonaro (PL), parecia antever o futuro do hoje ministro da Fazenda.
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Assim como aconteceu à época, Haddad recebeu de Lula uma difícil missão. E da mesma forma, por lealdade ao presidente, aceitou comandar a economia do país diante uma cenário em que o neoliberalismo se aliou à ultradireita fascista para implementar à força o que restou das premissas do Consenso de Washington rechaçadas na democracia. E não só no Brasil.
Além disso, Haddad herdou de Michel Temer (MDB) as amarras do teto fiscal, que engessava os investimentos públicos por 20 anos. Do bolsonarismo, a herança foi um Congresso extremamente conservador e reacionário, cevado por emendas parlamentares que tiraram o poder do Executivo sobre o controle orçamentário, e um Banco Central "autônomo" presidido por Roberto Campos Neto, aliado contumaz de Bolsonaro, disposto a manter a corda no pescoço do governo Lula com a manutenção da escorchante taxa de juros de 13,75%.
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Pragmatismo
Adepto do keynesianismo e admirador do pragmatismo econômico de John Kenneth Galbraith – que tem como máxima "onde o mercado funciona, eu sou a favor. Onde o governo é necessário, eu sou a favor" –, Haddad, assim como Lula, precisou mediar conflitos em um governo progressista eleito em uma frente ampla multicolorida, com representantes de todo o espectro político democrático.
Diante de um Brasil abandonado por Bolsonaro após a derrota nas urnas, Haddad começou a trabalhar antes mesmo da posse quando, juntamente com Lula, conseguiu aprovar a PEC da Transição para reverter o déficit de R$ 220 bilhões previstos para o Orçamento de 2023.
Além disso, era preciso reverter um rombo de cerca de R$ 300 bilhões em dispêndios e renúncias fiscais eleitoreiras realizados às vésperas da eleição e criar uma nova âncora fiscal para que o país se livrasse do teto imposto pelo golpe.
"Mas, além de trabalhar com toda ênfase na recuperação das contas públicas, é preciso combater a inflação. É preciso fazer o Brasil voltar a crescer com sustentabilidade e responsabilidade. Mas, principalmente, com prioridade social. Com geração de empregos, oportunidade, renda, salários dignos, comida na mesa e preços mais justos. Essa é a síntese da missão que recebi do nosso presidente Lula", disse Haddad no dia 1º de janeiro de 2023.
Em meio ao ceticismo da Faria Lima, alvoroçada diante de um governo "comunista", e de uma parcela do campo progressista, que o enxergava como "neoliberal" pelas tratativas com o sistema financeiro, Haddad caminhou mês a mês com a estrita confiança de Lula e fez uso da experiência política para convencer críticos, por meio do diálogo, e vencer cada adversidade.
Fatos e dados
Classificado como melhor ministro do governo Lula pela última pesquisa Quaest, divulgada nesta semana, Fernando Haddad chega ao fim do primeiro ano do terceiro mandato de Lula com a certeza de que o Brasil, e a economia do país, está novamente aprendendo a voar, após ter as asas partidas pelo fascismo – em uma alusão aos versos de Blackbird, canção dos Beatles sempre entoada pelo ministro.
Contrariando as expectativas do mercado, que previa um crescimento pífio, próximo a zero, o Ministério da Fazenda estima que o produto interno bruto (PIB) brasileiro deve fechar 2023 com alta de 3%.
Depois de cair para a 13ª posição no governo Bolsonaro, o Brasil também deve terminar o ano retornando ao posto de 9ª economia do mundo, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), com PIB de US$ 2,13 trilhões, ultrapassando o Canadá.
No primeiro semestre, o PIB brasileiro já havia crescido 2,7%, levando o Brasil à 6ª posição em termos de desempenho econômico no ranking da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE.
Os números levaram até mesmo Roberto Campos Neto, do Banco Central, a baixar a guarda e fizeram com que a taxa básica de juros, a Selic, registrasse a quarta redução seguida no ano, terminando 2023 com 11,75% – ainda alta, mas dois pontos abaixo da herdada do bolsonarismo.
O pragmatismo de Haddad e Lula, que muitas vezes se submeteram a diálogos com críticos ferozes e até mesmo a apoiadores do golpe parlamentar contra Dilma Rousseff (PT) em 2016, também resultou na melhora do Brasil nas agências de classificação de risco.
No início da semana, pela primeira vez em 12 anos a S&P Global Ratings – antiga Standard & Poor's – elevou a nota de crédito do Brasil, que saiu de de BB- para BB. Apesar de ainda fazer parte dos países vistos com confianças pelo mercado, o Brasil está a dois passos de chegar ao grau BBB-, deixando o risco especulativo.
"Tais evoluções reforçariam nossa visão sobre a resiliência da estrutura institucional do Brasil, com uma formulação de políticas estável e equilibrada entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do governo", afirmou a agência em comunicado, apontando a volta da normalidade democrática no país.
A meta é retornar ao posto obtido por Lula em 2008, quando Lula levou o Brasil a se tornar um destino seguro para os investidores. A confiabilidade caiu em 2015, às vésperas do golpe, e com Bolsonaro chegou próxima ao patamar que o atual presidente encontrou em 2003, no primeiro ano de seu governo.
"Temos muito trabalho ano que vem, nada é simples, mas é uma sinalização importante que as agências promovem nesse sentido", disse Haddad, que comemorou a elevação da nota brasileira.
"Eu nunca me conformei de o Brasil não ter grau de investimento. Nunca me conformei com isso, porque um país que não deve um tostão em moeda forte, que tem mais que US$ 300 bilhões em caixa, não pode não ter grau de investimento. Tem que ter grau de investimento", emendou o ministro.
Desenrola e emprego
Com o compromisso assumido junto a Lula de priorizar o social, Haddad ainda reduziu seguidamente a taxa de desemprego, que chegou a 7,6% no trimestre terminado em outubro, o menor patamar desde 2015, antes do golpe, e com recorde histórico de 100,2 milhões de trabalhadores ocupados.
O Brasil ainda se mostrou resiliente diante da turbulência no cenário global, e segundo as projeções do governo, a inflação deve fechar o ano em 4,66%, dentro da meta (fixada entre 1,75% e 4,75% para 2023, com centro em 3,25%).
Além disso, cerca de 10,7 milhões de brasileiros vão terminar o ano com o nome limpo com a renegociação de um montante de R$ 29 bilhões em dívidas por meio do programa Desenrola, lançado em julho e estendido até março do ano que vem.
A média dos descontos foi de 90% para os pagamentos à vista e de 85% para as quitações parceladas. A renegociação é feita em torno de 4 minutos, segundo dados divulgados no início de dezembro pela Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda.
Em outubro passado, durante o governo Bolsonaro, o Brasil atingiu recorde de 80,3% das famílias endividadas, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A maioria das dívidas – 85,6% – era no cartão de crédito, com juros de 425%, em média.
Nesta sexta-feira (22), após negociação com banqueiros no Conselho Monetário Nacional (CMN), Haddad anunciou que a partir de 3 de janeiro os juros acumulados em casos de atraso no pagamento da fatura do cartão de crédito não poderão ultrapassar o valor da dívida original.
“O Desenrola demonstrou que esse [juros abusivos] é um dos grandes problemas do país. As pessoas estão com uma dívida às vezes dez vezes o valor do crédito original, a pessoa devia R$ 1.000 no cartão, dali a x meses estava em R$ 10 mil, e não conseguia mais pagar. Aí o Desenrola mostrou o quê? Que os descontos chegavam às vezes até 95%, 97%; por quê? Porque os juros acumulados eram de tal ordem que, mesmo dando esse desconto, compensava para o banco receber”, explicou o ministro, dizendo que o teto de juros do cartão será de 100%.
Pragmatismo e reforma tributária
No entanto, a maior vitória do governo foi comemorada na quarta-feira (20) com a promulgação no Congresso Nacional da reforma tributária, a primeira feita em um regime democrático, após 35 anos de debates públicos.
Em síntese a reforma substitui, de forma gradual até 2032, cinco tributos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de padrão internacional, formado pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de estados e municípios. Eles substituirão PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. A Fazenda estima que o PIB crescerá de 12% a 20% a mais, em 15 anos, do que cresceria sem a reforma.
Concretizada após intensa negociação, com exceções para acomodar muitos interesses de lobbies representados no Congresso, a reforma tributária ainda não reflete totalmente os anseios de justiça tributária em um país onde o fosso da desigualdade leva mais de 7,5 milhões de pessoas a viverem com menos de R$ 150 por mês, segundo o Observatório Brasileiro das Desigualdades.
O próprio Lula afirmou que a reforma "certamente não vai resolver todos os problemas", mas que os números da economia mostram, mais uma vez, que ele acertou ao dar a Haddad uma missão quase impossível, diante do cenário catastrófico imposto pelo bolsonarismo.
Ao celebrar a promulgação da reforma, o ministro, no entanto, contrariou o presidente, dizendo que a reforma "é perfeita porque ela foi feita sob a democracia, ela é perfeita porque todos foram ouvidos, todos participaram, e ela é perfeita também porque contém no seu próprio texto a cláusula de sua periódica revisão”. Lembrando que os tempos sombrios ficaram pra trás.
Haddad encerra 2023 com a consciência de que ainda há muito a fazer, mas confiante de que a missão dada por Lula está sendo cumprida e que, até 2026, o país deve retomar seu ciclo virtuoso que foi perdido após o golpe que concretizou a aliança entre neoliberalismo e fascismo no país.
“O trabalho é árduo ou não dependendo do resultado. Quando você termina bem o ano, com as coisas digeridas, compreendidas, eu penso que é um ano que a gente pode comemorar os bons resultados. Não é só nosso governo que está comemorando. As agências de risco estão reconhecendo, o mercado está reconhecendo, os indicadores, o risco país, o dólar, juro futuro Tudo isso está se comportando melhor, tudo isso que é importante”, afirmou Haddad que, com Lula, tem feito o Brasil feliz de novo.