VIOLÊNCIA

Comunidades terapêuticas: relatório expõe trabalho forçado e privação de liberdade

Fiscalizações encontraram violações de direitos em 100% das 205 comunidades terapêuticas analisadas

Imagem divulgada pelo MNPCT de uma das unidades de comunidades terapêuticas fiscalizadas
Imagem divulgada pelo MNPCT de uma das unidades de comunidades terapêuticas fiscalizadasCréditos: MNPCT/Divulgação
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O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e o grupo Psicologia e Ladinidades da Universidade de Brasília (UnB) divulgaram nesta quinta-feira (27) um relatório reunindo resultados de fiscalizações em comunidades terapêuticas (CTs) no Brasil. E todas as unidades pesquisadas apresentaram evidências de violações de direitos.

Foi realizada a sistematização e análise de fiscalizações já realizadas em comunidades terapêuticas por órgãos públicos, da administração direta ou indireta, incluindo conselhos federais de categorias como Psicologia e Serviço Social. A partir disso, foram enumeradas situações de agressões físicas, ameaça com armas de fogo, privação de liberdade, castigos e trabalho forçado dentro das instituições.

“É importante dizer que, nas 205 comunidades terapêuticas, que são objeto desses trabalhos analisados, em 100% [das unidades], os órgãos que fizeram as fiscalizações encontraram violações de direitos. Não tem exceção, não é caso isolado, é algo que se expande para todos”, aponta a advogada Carolina Barreto Lemos, perita integrante do MNPCT, em entrevista à Agência Brasil.

'Instituições de violência'

O psicólogo Pedro Costa, coordenador do grupo Psicologia e Ladinidades da UnB, destaca que as violações de direitos e irregularidades não são exceções, mas sim elementos constitutivos das comunidades terapêuticas.

“A partir desse relatório, a gente constata que há algo de violento no caráter asilar e manicomial das comunidades terapêuticas a despeito do que elas dizem de si próprias, e a despeito do que, inclusive, se encontra nas normativas como a Lei 13.840 [que trata do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas] que colocam que as CTs são [locais] de acolhimento apenas”, explica.

Segundo ele, mesmo com a constatação de que tais instituições são locais de violações, recursos públicos continuam sendo direcionados a elas. “Os órgãos estatais estão apontando que as comunidades terapêuticas são instituições de violência, só que, por outro lado, o Estado brasileiro tem financiado cada vez mais essas instituições de violência.”

“Quando há uma destinação de verbas públicas para as comunidades terapêuticas, que, além de tudo são instituições privadas, a gente tem necessariamente uma transferência do fundo público que deveria ser destinado aos serviços que [funcionam] de maneira não asilar, não manicomial, por meio da não violência”, afirma.

Costa ressalta ainda a incidência nas CTs, de forma generalizada, da influência religiosa e da chamada laborterapia, que, segundo ele, tem sido utilizada para ocultar formas de trabalho forçado, não pago e até mesmo análogo à escravidão. “Foi encontrada também a questão da religião como um dos pilares constitutivos [das CTs]. Não só a presença da religião, mas da violência religiosa nessas instituições”, pontua.

Trabalho forçado

Um dos exemplos mencionados pela advogada Carolina Barreto Lemos é de uma unidade localizada em uma fazenda, alvo de fiscalização em 2023.

“Os internos mantinham essa fazenda, faziam ordenha de vaca, cuidavam do porco, acordavam de madrugada, eram trabalhos extremamente extenuantes, saíam para pegar a lenha. Quem trabalhava na cozinha geralmente tinha uma carga extremamente pesada de trabalho, que chegava a 12 horas por dia. Isso é uma constante das CTs”, descreve.

Outra das violações apontadas é a privação da liberdade. “Uma característica comum percebida foi o distanciamento das comunidades terapêuticas dos centros urbanos. Isso por si só pode gerar uma situação de privação de liberdade. O público geralmente é vulnerável, então não consegue sair com meios próprios”, disse Carolina.

“Às vezes, os próprios internos são usados como vigias e fazem [o que chamam de] recaptura. Então, se a pessoa tentar sair, eles vão atrás e trazem de volta. O resgate [busca da pessoa em casa, à força] é uma prática que a gente viu em várias, que é efetivamente uma forma de sequestro, às vezes até com aval da família”, contou.

Falta de transparência

Segundo Carolina Lemos, outro problema enfrentado é a falta de transparência para acompanhar o trabalho das comunidades terapêuticas em funcionamento atualmente no Brasil.

Um levantamento conduzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em 2017, encontrou um total de 1.963 comunidades terapêuticas no país.

“Como é algo da iniciativa privada, é muito difícil ter um mapeamento de CTs no Brasil, porque não tem essas informações disponíveis. Pelo menos as financiadas pelo próprio Estado deveriam ser de fácil acesso, em termos de uma transparência: ‘olha, a gente financia ou faz repasse de recursos para tais instituições’”, pontua Lemos.

Com informações da Agência Brasil

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