Um indígena Avá-Guarani da Terra Indígena Guasu Guavirá, localizada entre Guaíra e Terra Roxa, no oeste do Paraná, foi baleado durante ataques criminosos à aldeia às vésperas da virada do ano, na noite desta terça-feira (31). O homem foi atingido após uma série de ataques organizados durante três dias consecutivos, que também resultaram em casas incendiadas.
Os Avá-Guarani são alvos de agressões constantes, que se intensificaram no segundo semestre de 2024 organizados por grupos intensamente armados a mando de fazendeiros e outras autoridades.
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De acordo com os indígenas, em entrevista ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), apesar do ataque ter sido uma surpresa para a comunidade, vestígios encontrados no local indicam que ele foi bem planejado. Foram encontrados, por exemplo, rastros de pneu de moto em vários locais da aldeia. “Em pelo menos três pontos perto da casa tinham duas pessoas, em cada um dos pontos, com um campo de visão muito estratégico”, afirmaram os indígenas após seguirem os rastros deixados pelos veículos.
Uma das lideranças, não identificada por motivo de segurança, afirmou que os vestígios indicam que o ataque era uma emboscada, onde os criminosos usariam o clarão do fogo e dos rojões "para alvejar quem chegasse no local, mas antes de eles botarem fogo o indígena chegou, aí eles dispararam vários tiros e um atingiu o braço”.
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Os indígenas sofreram três dias de ataques consecutivos. O primeiro ocorreu no último domingo (29), quando os indígenas foram surpreendidos por pessoas ateando fogo em suas casas e plantações, e disparando tiros de arma de fogo e bombas contra a comunidade. Os ataques continuaram nos dois dias seguintes e deixaram pelo menos duas pessoas feridas: o indígena baleado no dia 31, e uma mulher que teve queimaduras no pescoço no dia 30. O homem foi levado ao hospital para retirar a bala do corpo.
Além de deixarem vítimas, os ataques também resultaram na perda dos alimentos plantados pela comunidade e em famílias desabrigadas devido aos incêndios nas casas. Uma indígena desabafou ao Cimi que, na aldeia, não há nenhuma viatura da Força Nacional para garantir a segurança da comunidade. “Estamos cansados de pedir socorro e ninguém está nos ouvindo. Estamos cansados de levar chumbo”, diz.
“Mais uma vez eu repasso o meu pedido de socorro e principalmente a minha indignação diante desse absurdo, diante dessa violência. Quanto mais gente precisa levar chumbo?” questiona.
As cápsulas de balas foram registradas pelos indígenas em vídeo publicado no Instagram do Cimi. Na gravação, também é possível ver as casas pegando fogo. O homem que grava o vídeo afirma que a Força Nacional apenas esteve no local para tirar fotos e foi embora, mas que ainda há movimentos suspeitos em uma plantação próxima da aldeia.
“Ninguém acredita quando a gente fala que nosso povo, principalmente a aldeia Yvy Okaju, está correndo o risco de extermínio”, desabafa outra liderança ao Cimi.
Os indígenas também acionaram a Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai), o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) devido ao medo de novos ataques.
A Fórum entrou em contato com o Ministério dos Povos Indígenas, que afirmou que condena os atos de violência contra o povo Avá Guarani, e acompanha a situação junto aos indígenas por meio do seu Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas. Além disso, o órgão informou estar em diálogo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública para a "investigação imediata dos grupos armados que atuam na região".
O que diz o Ministério dos Povos Indígenas
Abaixo, confira o comunicado completo do MPI.
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) condena os atos de violência contra o povo Avá Guarani, ocorridos desde o fim de dezembro de 2024, na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira, no estado do Paraná. O MPI acompanha a situação junto aos indígenas por meio do seu Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas e está em diálogo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública para a investigação imediata dos grupos armados que atuam na região.
Ainda no domingo (29), imediatamente após saber dos ataques, o MPI reforçou a solicitação de presença e aumento de efetivo da Força Nacional na região dos conflitos, com base na Portaria do MJSP nº 812, de 21 de novembro de 2024, com vigência até 20 de fevereiro de 2025. A portaria autoriza o emprego da Força Nacional em apoio à Funai nos municípios de Guaíra e Terra Roxa, no Paraná, desde janeiro de 2024. A presença da Força Nacional no território acontece em articulação com os órgãos de segurança pública do Paraná e atende ao pedido do MPI ao MJSP para evitar atos de violência contra os indígenas, mobilizados pela garantia de seus direitos territoriais.
Também em dezembro de 2024, foi realizada agenda interministerial junto aos Avá-Guarani, no âmbito da Sala de Situação para Acompanhamento de Conflitos Fundiários Indígenas. Participaram representantes do MPI, da FUNAI, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH). A ação objetivou a coleta de informações sobre as condições de vida das comunidades indígenas da TI, para identificar suas necessidades em contexto de contínua luta pelo território e pela manutenção de sua cultura.
Histórico de retomadas
Impactados pela invasão de não indígenas em seu território desde a década de 1930 e gravemente afetados pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, nos anos 1980, os Avá Guarani têm realizado retomadas de terras desde o fim dos anos 1990. Atualmente, duas áreas ocupadas pelos Avá Guarani estão em processo de regularização: a Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira e a Terra Indígena Ocoy-Jacutinga, esta última em fase de estudos.
A Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira teve seu Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) publicado em 2018. Contudo, sob gestão do governo anterior, uma portaria da presidência da Funai de 2020 o suspendeu, mas esse ato administrativo foi revogado em 2023 pela atual presidenta do órgão, Joenia Wapichana, de modo que o RCID segue válido.
O MPI enfatiza que a instabilidade gerada pela lei do marco temporal (lei 14.701/23), além de outras tentativas de se avançar com a pauta, como a PEC 48, tem como consequência não só a incerteza jurídica sobre as definições territoriais que afetam os povos indígenas, mas abre ocasião para atos de violência que têm os indígenas como as principais vítimas.
*Matéria atualizada no dia 6 de janeiro de 2025 para inclusão do posicionamento do Ministério dos Povos Indígenas