DESIGUALDADES

Mães negras enfrentam quase o dobro de dificuldade para vacinar seus filhos

Pesquisa revela desigualdade racial na cobertura vacinal dentro do tempo apropriado para imunização infantil

Mães negras e as dificuldade para vacinar seus filhos.Créditos: Tomaz Silva/Agência Brasil
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No Brasil, o racismo impacta em diferentes áreas da vida de pessoas negras. Dentre elas, uma das principais é o acesso à saúde. Uma pesquisa divulgada nesta sexta-feira (23) mostra que mães negras enfrentam quase o dobro de dificuldades para vacinar seus filhos em comparação com mães brancas. Isso causa grandes prejuízos às crianças, que sofrem com atraso no calendário vacinal nos primeiros anos de vida.

De acordo com o estudo, feito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, 23% dos responsáveis relataram que já deixaram de vacinar a criança apesar de tê-la levado ao posto de vacinação, taxa que chega a 17% entre mães brancas e ultrapassa 29% e 28% entre mães pretas e pardas, respectivamente.

Os dados alertam para a alta frequência de atrasos e falhas na vacinação no Brasil: segundo os dados, 86% das crianças nascidas em 2017 e 2018 não foram vacinadas no tempo correto, por problemas como dificuldade de acesso, falta de imunizantes e salas sem profissionais ou materiais necessários. Dentro desse cenário, a pesquisa também revela a desigualdade racial na cobertura vacinal oportuna de crianças no 5°, no 12° e no 24° mês de vida, quando são aplicadas doses como tríplice viral contra sarampo, rubéola e parotidite, hepatite A e rotavírus, entre outras.

Os obstáculos mais comuns foram falta de vacina, sala de vacina fechada e falta de profissional de saúde. Além disso, 7% dos responsáveis enfrentaram dificuldades para levar seus filhos para a vacinação, por motivos que vão da falta de tempo à dificuldade de transporte. Essa probabilidade foi 75% maior entre a população preta comparada à branca.

Para Antonio Fernando Boing, professor da UFSC e autor do estudo, a disparidade racial da vacinação de crianças e os obstáculos enfrentados para vacinar reproduzem as desvantagens materiais vivenciadas pela população preta no Brasil e mostra falhas no cumprimento do princípio de equidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

"As dificuldades para se chegar aos postos de vacinação e, depois, para garantir a vacina no braço não se distribuem de forma aleatória no país, elas são mais comuns quando mães, pais ou responsáveis são pretos e isso é inaceitável".

Segundo ele, o trabalho mostra que, além da discussão sobre disseminação de notícias falsas sobre vacinação, é necessário debater e agir sobre como condições materiais de vida e falhas estruturais dos serviços de saúde ampliam desigualdades sociais e interferem na queda de taxas de vacinação.

"Pessoas que reconhecem os benefícios das vacinas e desejam aplicá-las em seus filhos estão tendo dificuldades de acesso a elas, sobretudo se forem pretas".

Para Boing, modificar esse contexto exige melhorar as condições de vida da população, qualificar o SUS e investir em ações de monitoramento e enfrentamento de desigualdades em saúde.