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Mariana, Brumadinho, Maceió, Boate Kiss e Ninho: Vítimas levam Estado brasileiro à OEA

Paulo Carvalho, pai de vítima do incêndio da Boate Kiss, avalia a audiência pública na Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Leia depoimento

O crime ambiental de Mariana (MG), ocorrido em 2015.Créditos: Antônio Cruz/Agência Brasil
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Familiares das vítimas de Brumadinho (MG), Mariana (MG), Maceió (AL), Boate Kiss (Santa Maria-RS) e Ninho do Urubu (Rio de Janeiro-RJ) estarão lado a lado na próxima sexta-feira (12), a partir das 15h, em audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Será discutida a responsabilidade do Estado brasileiro nas violações de direitos humanos decorrentes desses crimes e tragédias pelos quais, até agora, ninguém foi responsabilizado.

A OEA reúne 34 nações e é o principal fórum político, jurídico e social do hemisfério sul. Nela, será avaliado o papel desempenhado pelo Estado brasileiro em relação a esses cinco episódios, que desde 2013 chocam o país. Ao todo, morreram 544 pessoas nas tragédias, além de centenas de milhares de sobreviventes que enfrentam sequelas físicas e emocionais.

Paulo Carvalho, pai de vítima do incêndio na Boate Kiss e diretor da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (RS), falou à Fórum sobre a possibilidade aberta no órgão internacional. Ele se mostra otimista com a audiência e espera que auxilie as famílias na busca por justiça.

Paulo Carvalho. Créditos: Tomaz Silva/Agência Brasil

"As expectativas pelo histórico que temos são muito boas. Essa União das Associações acabou tendo uma força muito maior. Nas nossas reuniões vimos o quanto são os mesmos vícios, as mesmas omissões criminosas de órgãos públicos e a mesma forma de agir de empresas e proprietários. Ou seja, nenhum respeito à vida. Nenhum respeito ao meio ambiente. Nada absolutamente nada. Só a ganância desenfreada. Sabem que contam com a leniência de um sistema de justiça que aceita manobras e apelos indecentes e imorais tudo para postergar e tentar descaracterizar os crimes", avaliou.

Carvalho faz duras críticas ao sistema de Justiça brasileiro que, na sua opinião, aceita ações judiciais contra familiares de vítimas e atingidos por tragédias enquanto as corporações e o poder público, verdadeiros responsáveis pelas tragédias, passam incólumes.

"Parece inacreditável. Além de promotores do MPRS processarem pais da tragédia da boate Kiss, também em Maceió a Braskem processou atingidos pela escavação das minas. Também o assédio de empresas nos casos de Brumadinho e Mariana são escandalosos. A tragédia do Ninho do Urubu, por sua vez, é um descaso enorme da diretoria do Flamengo com os pais dos meninos. E em todas, sem exceção, alertas, laudos, investigações e perícias denunciavam o local inseguro. Todas tinham o conhecimento anterior das graves irregularidades e nada fizeram. Em todas houve o dolo criminoso", comentou.

"Essas tragédias tem muitos pontos em comum de que as tragédias não são casos isolados e sim causadas por falhas de omissão, muitas delas criminosas, de agentes públicos e da ganância contínua de empresas e proprietários violando com toda a evidência os direitos humanos de um país", completou.

Em nota da defesa das vítimas divulgada para a imprensa, é destacado que "apesar de se tratar de tragédias diferentes" e ocorridas em locais distantes uns dos outros, o que elas têm em comum é a impunidade que causa “dor, indignação e revolta famílias e comunidades inteiras”.

Paulo Carvalho concorda e vê ainda mais razões para se unir aos demais: "É o sentimento de que não estamos sozinhos. Recebemos muito mais apoio nessa busca por justiça quando as pessoas que não foram atingidas percebem que essas tragédias não são isoladas".

Audiência

A audiência terá duração de uma hora e meia e será transmitida pelo canal da CIDH – clique aqui para ter acesso. Estarão presentes diversas organizações que representam os familiares das vítimas, além de representantes do Estado brasileiro.

“É uma oportunidade única de levar ao conhecimento desse órgão internacional as graves violações de direitos humanos que ocorreram nesses 5 casos que marcaram a história recente do Brasil. Também levaremos ao conhecimento da Comissão que vítimas e familiares têm sido intimidados e amedrontados, inclusive por meio de ações judiciais, e retaliados quando do recebimento de indenizações, em razão de sua luta por justiça”, disse Tâmara Biolo Soares, advogada e representante das vítimas na CIDH.

"O processo contra os pais na tragédia de Santa Maria foi o mais absurdo dos absurdos do poder público. Essa mancha nunca será removida enquanto não se rever o arquivamento dos processos dos agentes públicos. Foram levantados os muitos indícios de envolvidos, de conhecimento anterior de agentes públicos das graves irregularidades. Foi por causa desses arquivamentos que pais protestaram e foram processados pelo MPRS. Esse efeito de dar um cala-boca se reverteu contra aqueles que fizeram essa aberração. Somente se pode acabar com a suspeição quando o Estado Brasileiro e o próprio MPRS promoverem a revisão dos processos dos agentes púbicos. Sabemos que tem muitos no MP que não concordaram com o arquivamento. Que se siga então todo o processo legal com as investigações e o julgamento que nunca houve, incluindo dos próprios promotores responsáveis à época. Que saibamos quem são os inocentes e os culpados", completou o pai, ao lembrar-se dos abusos relacionados ao seu caso que serão levados ao CIDH.

Organizações presentes

  • Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão-Brumadinho (AVABRUM)
  • Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM)
  • Associação Quilombola Vila Santa Efigênia e Adjacências – Mariana/MG
  • Associação de Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB)
  • Associação dos Familiares de Vítimas do Incêndio do Ninho do Urubu (AFAVINU)
  • Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e a Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF)