EXPLORAÇÃO NO CAMPO

Mulheres e negros são maioria entre trabalhadores informais no campo

Estudo da Oxfam Brasil relaciona situação precária dos trabalhadores rurais com o uso de mão de obra escravizada na história da agricultura do país

Mulheres e negros são maioria entre trabalhadores informais no campo.Créditos: Tatiana Cardeal/Oxfam Brasil
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Mulheres e negros são a maioria entre os trabalhadores informais do campo, de acordo o novo relatório da Oxfam Brasil, que relaciona a precariedade de vida do trabalhador rural com a raiz histórica do uso de mão de obra escravizada no país. 

Segundo o levantamento, 69,6% dos trabalhadores rurais são negros, e 58,3% estão na informalidade. Já em relação às mulheres, a situação é ainda mais preocupante, visto que elas representam apenas 12,1% dos assalariados rurais com carteira assinada. Para a organização, esse dado revela um “desaparecimento” dessas trabalhadoras como assalariadas rurais 

Segundo a Oxfam Brasil, a informalidade no trabalho rural resulta não apenas na privação de direitos garantidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), mas principalmente na exploração de uma população majoritariamente negra da pior maneira possível. Sem a carteira de trabalho, esses grupos raramente recebem um valor superior ao salário mínimo nacional, muitos deles se submetem a regimes temporários, os chamados de safristas, fora aqueles que são resgatados em situações análogas à escravidão.

Diante desse cenário, o coordenador de Justiça Rural da Oxfam Brasil, Gustavo Ferroni, reforça a urgência de políticas públicas eficazes para reverter o quadro. “O que vemos é a reprodução sistêmica de práticas racistas não apenas na esfera econômica, mas também na organização política e jurídica da sociedade”, afirma.

Ferroni ainda lembra que as estatísticas dos trabalhadores rurais refletem um cenário de desigualdade semelhante a outros setores da economia. Hoje, 46,1% da população negra ocupada está na informalidade. Entre os homens negros, os rendimentos são 59,8% menores em comparação com os homens não negros, e as mulheres negras ganham 61,6% a menos que as mulheres não negras.

  • 46,1% da população negra ocupada no Brasil está na informalidade.
  • Homens negros ganham 59,8% a menos que homens não negros.
  • Mulheres negras ganham 61,6% a menos que mulheres não negras.
  • 69,6% dos trabalhadores rurais são negros
  • 58,3% dos trabalhadores rurais estão na informalidade
  • 12,1% das vagas formalizadas no campo são ocupadas por mulheres

Agricultura e mão-de-obra escravizada

O relatório da Oxfam Brasil vem lembrar o quanto a história da agricultura no país é profundamente enraizada no uso de mão de obra escravizada, e como isso contribuiu para a formação de um sistema de produção baseado na exploração. “Mesmo após a abolição da escravidão, as condições dos trabalhadores rurais permaneceram entre as piores do Brasil, perpetuando um ciclo de pobreza e vulnerabilidade social”, diz o documento. 

Ferroni destaca que a inclusão da mão de obra rural nas leis trabalhistas ocorreu de forma lenta e fragmentada. Apenas com a Constituição de 1988, um século após a abolição da escravatura, esses trabalhadores foram plenamente equiparados aos urbanos. “Os trabalhadores rurais foram deixados para trás enquanto o Brasil se modernizava. A luta pela equiparação de direitos foi longa e árdua, refletindo a resistência estrutural às mudanças que beneficiariam esses trabalhadores", completa.

Em relação às mulheres, o coordenador explica que essa realidade é decorrente de fatores como a alocação delas em funções subalternas nas fazendas, com contratos mais curtos e de menor remuneração. Elas sofrem com a falta de condições sanitárias e de segurança dignas, além de não terem seus trabalhos nos alojamentos e moradias reconhecidos. São elas também desprezadas pelos empregadores na seleção de mão de obra por produtividade, quando essas vagas - de caráter exploratório – ficam para os homens.

O relatório ainda mostra que mesmo quando há a carteira de trabalho, ainda existe uma lacuna entre o salário dos trabalhadores rurais formais e um salário digno para viver no campo. Na fruticultura do nordeste e no café de Minas Gerais, essa diferença varia entre 44% e 50%, segundo uma análise da organização, em parceria com o DIEESE.

Para a Oxfam Brasil, iniciativas de diálogo social, como o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana de Açúcar, são exemplos de esforços para melhorar as condições de trabalho no campo. No entanto, essas ações ainda enfrentam desafios significativos na implementação e fiscalização. O isolamento do trabalhador dentro da fazenda, a informalidade e a terceirização da mão de obra são fatores de alto risco para o trabalho rural e duas das portas de entrada para o trabalho análogo ao escravo.

Estigmatização 

Para a organização, outro desafio neste contexto está na estigmatização dos beneficiários do Bolsa Família na zona rural, com a falácia de que o auxílio do governo estimula as pessoas a não procurar trabalho e nem a formalização. A Oxfam ressalta que, se isso fosse verdade, o número de pessoas formalizadas teria caído após a implantação do programa, mas isso não aconteceu. 

O estudo da Oxfam Brasil mostra que o número de trabalhadores CLT permaneceu praticamente estável de 2004 a 2023. Para a organização, a estigmatização também sinaliza o racismo e o preconceito de classe. Dentre os beneficiários do Bolsa Família, 69,7% são negros e todos são pobres, sendo que 72,4% vivem em pobreza extrema, 20,5% em pobreza e 7,1% em baixa renda.

O estudo da Oxfam Brasil identificou ainda três fatores para a situação de baixos salários e condições ruins no início das cadeias de fornecimento globais: 

  1. A divisão injusta do valor dentro das cadeias produtivas; 
  2. A ausência de negociação coletiva; 
  3. Salário-mínimo inadequado. 

Entre as recomendações para o enfrentamento das más condições de trabalho dos empregados rurais, estão a permissão de acesso dos sindicatos às fazendas, a garantia de meios de comunicação e transporte aos trabalhadores; realização periodica de negociações coletivas; estabelecimento de quotas mínimas para a contratação de mulheres, com direito à licença maternidade de seis meses, políticas de responsabilidade com direitos humanos.

Também estão na lista a obrigação das empresas de divulgarem o nome de seus fornecedores; realização de auditorias não anunciadas e inclusão da "lista suja" nas certificações

"Já as políticas públicas devem fortalecer a atuação dos Auditores Fiscais, criar incentivos para melhores condições de trabalho, revisar leis para facilitar o acesso ao seguro-desemprego e aposentadoria, e implementar programas de transferência de renda para trabalhadores safristas. São mudanças essenciais em prol de um ambiente de trabalho justo e digno no campo", reforça a Oxfam.