Nove pastores considerados líderes da Comunidade Lucas, localizada em Baião, no noroeste do Pará, agora são réus em ação do Ministério Público do Trabalho por promoverem trabalho análogo à escravidão disfarçado de trabalho voluntário sobre os seus seguidores e fieis. Eles também são acusados de promover uma série de outras violações de direitos humanos em um segundo processo que corre na esfera criminal.
O local funciona desde 1997. Fundado com a promessa de uma vida comunitária mediada pelos ensinamentos da Bíblia, inicialmente era comandado pelo seu fundador, morto em 2021. Desde então esse grupo de religiosos dá as cartas na comunidade, que hoje é considerada uma seita.
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De acordo com o MPT, crianças e jovens eram impedidos de frequentar escolas e obrigados a permanecer exclusivamente no convívio religioso e familiar. As famílias, por sua vez, além de não terem acesso aos cartões do Bolsa Família, que ficariam retidos pelos líderes, também eram compostas de uma forma bastante inusitada.
Os homens podiam ter uma ou mais mulheres dentro da comunidade. No entanto, caso descumprissem as regras e expectativas das lideranças da seita, poderiam ser punidos com a retirada das esposas e dos filhos biológicos, que eram movidos a outra casa junto com as mulheres.
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A denúncia do MPT ainda aponta que os pastores se aproveitavam da posição de líderes religiosos para explorar o trabalho dos seguidores de forma análoga à escravidão, mas mascarada como trabalho voluntário. Uma empresa e duas associações registradas nos nomes dos réus também são suspeitas de participar do esquema e estão envolvidas no processo trabalhista.
Os seguidores e fieis trabalham como agricultores, cozinheiros, costureiros, fabricantes de móveis, entre outros ofícios, sem receber qualquer salário. A desculpa é o trabalho voluntário em benefício da comunidade e da comunhão de fé que proporcionaria. Nesse meio tempo até empréstimos nos nomes dos fieis teriam sido tomados pelas lideranças.
Ali, tudo girava em torno da disciplina em torno do trabalho e do respeito aos dogmas religiosos. Seriam comuns os castigos físicos sobre os homens, sobretudo utilizando um porrete com a palavra ‘disciplina’ nele inscrita.
Em relação a meninas adolescentes que ensaiassem demonstrar qualquer tipo de rebeldia, os relatos dão conta da prática de crimes sexuais com o intuito de transformá-las em boas esposas. As que resistissem, tinham os cabelos raspados.
Ao site Repórter Brasil, Levy Sousa do Rosário, um ex-membro que foi levado ao local ainda criança, detalhou as práticas violentas dos líderes religiosos. Ele conta que foi para lá com a mãe e, desde pequeno, realizou trabalhos forçados e não remunerados. Ele revelou ter caçado com arma de fogo ainda menino e que os líderes estimulam agressões entre as crianças como forma de punir o descumprimento de ordens. Também afirma ter sido vítima de espancamentos e ameaçado com uma arma depois que deixou o local.
Na ação trabalhista que tornou os líderes réus, o MPT pede indenização de R$ 5 milhões por danos morais coletivos e a regularização trabalhista de todos os membros da comunidade com registro em Carteira de Trabalho, limitação de jornada e o fornecimento de alojamentos condizentes com padrões sanitários mínimos.
A ação criminal corre em paralelo. Em março do ano passado 5 desses 9 líderes religiosos foram condenados por trabalho escravo, tortura e associação criminosa. Um ano antes, a Comunidade Lucas ficou famosa com o resgate de 55 seguidores da seita e a prisão dos líderes.
Três dos réus – líder, vice-líder e gerente – foram condenados a 29 anos e 9 meses de prisão e multa diária de R$ 316. O grupo segue preso enquanto recorre a instâncias superiores e o processo tramita. A Comunidade Lucas segue em atividade apesar das denúncias e processos.