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Balneário Camboriú: Especialista aponta perigos da bonificação para guardas municipais fiscalizarem maconha

O cientista político Acácio Augusto, da Unifesp, vê na “nova lei de drogas” da cidade catarinense um exemplo do “empoderamento das guardas civis como força policial” e aponta para possíveis lobbies e interesses eleitoreiros

Guardas municipais de Balneário Camboriú (SC).Créditos: Reprodução
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Meses após o Supremo Tribunal Federal (STF) formar maioria, graças a um voto conservador do ministro Cristiano Zanin, para dar poder polícia às guardas municipais, a Câmara Municipal de Balneário Camboriú, famosa cidade litorânea e extremamente conservadora de Santa Catarina, aprovou uma lei antidrogas que favorece amplamente os seus guardas municipais nesta semana.

De acordo com a nova legislação, pessoas flagradas utilizando substâncias ilícitas em locais públicos, como ruas e praias, serão multadas em R$ 412. Esse valor pode dobrar e chegar a R$ 823 se o flagrante ocorrer próximo a estabelecimentos de ensino ou hospitalares e a entidades estudantis, sociais, culturais e de esportes. A multa também dobra se houver reincidência. Além disso, caso a abordagem e o flagrante, junto com a análise do material apreendido, sejam feitos por guardas municipais, estes receberão um bônus de R$ 823,86 mensais, por uma atuação como “fiscal de posturas”. Para isso eles terão que comprovar em relatório as fiscalizações feitas.

Segundo a legislação, os profissionais já tem essa gratificação prevista. O que muda é que o número de guardas que podem receber o bônus aumentará de 20 para 70. O flagrado terá 30 dias para pagar a multa determinada após sua emissão e o dinheiro será revertido para programas de prevenção às drogas do município ou entidades apoiadas pela prefeitura. Ainda pela legislação, o usuário que “se submeter voluntariamente a tratamento para dependência em drogas” terá o processo administrativo suspenso. O texto diz ainda que a ação não irá interferir nos trâmites criminais de cada caso.

A lei tem causado polêmica, e motivado uma série de críticas. Uma delas, que traz um importante aspecto dos debates acerca da segurança pública e dos direitos humanos, tem a ver justamente com o empoderamento das guardas municipais em relação às polícias, como disse, em entrevista à Revista Fórum, o cientista político Acácio Augusto, coordenador do Lasintec - Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento, da Unifesp.

Ao longo da conversa, o pesquisador que dedica seu trabalho a estudar o tema também situa a lei de "fiscalização de costumes" em um contexto mais amplo de Guerra às Drogas, fala em um provável lobby das guardas civis e aponta, baseado no exemplo do Rio de Janeiro, os perigos da política de bonificação por flagrante. Leia os principais trechos a seguir.

Guerra às drogas e proibicionismo

Essa fiscalização de costumes tem uma característica curiosa no que diz respeito à história do proibicionismo. A proibição de drogas, a colocação de algumas substâncias em listas de infração e a classificação de algumas substâncias como ilícitas pelo Estado é bem recente e tem duas vertentes.

Uma deriva do direito internacional, do Tratado de Xangai que proibia no começo do século XX o comércio internacional de ópio, e isso tinha a ver com a ocupação imperial do Reino Unido na Ásia. Quer dizer, do ponto de vista da política internacional, ela tem uma origem colonialista.

E a outra procedência desse proibicionismo, mais forte, que na verdade é a que pega especialmente a partir dos anos 60, 70 nos Estados Unidos, que é justamente a ascensão das chamadas ligas de costumes.

Acácio Augusto, cientista político e coordenador do Lasintech - Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento - EPPEN UNIFESP

A própria proibição do álcool que foi o que permitiu o crescimento das máfias nos Estados Unidos, bem documentado por pesquisas, por filmes, como o Poderoso Chefão, começa justamente com associações cristãs e ligas civis, de moral e bons costumes, e depois ascende para uma proibição estatal, se torna legislação.

Ao contrário do que às vezes se pensa, ela veio de baixo para cima e não de cima para baixo, a partir de um conservadorismo cristão da própria sociedade estadunidense. Depois, pela própria influência dos Estados Unidos, especialmente a partir de 1971 quando o então presidente Richard Nixon declara a Guerra das Drogas, e depois com o Reagan, esse tema se torna talvez o principal ponto de segurança internacional depois da guerria fria. Com a queda do muro de Berlin, torna-se a principal questão de defesa dos EUA, que ainda é o maior consumidor de cocaína do mundo. ,Cerca de 90 % da cocaína produzida, especialmente na Colômbia e no Peru, é consumida pelos Estados Unidos. Os estadunidenses cheiram bastante e ao mesmo tempo são protagonistas desse tipo de liga.

O que temos é uma cidadezinha de praia, uma cidade não central do Brasil, próxima a Florianópolis em Santa Catarina, que é um Estado sabidamente bastante conservador para além da manifestação política do bolsonarismo. Nesse contexto, quando um lugar como esse cria uma medida como essa, remete a esse começo do proibicionismo, que é demandado por uma parte organizada da sociedade, ou do que se chama de sociedade civil.

Empoderamento das guardas civis

A designação da Guarda Civil Metropolitana como a ‘fiscal do uso de maconha’ nas praias e próximo de estabelecimentos de ensino, entre outros, tem a ver com o crescimento, que é recente, dos anos 90 pra cá, do empoderamento policial das guardas metropolitanas, que até outro dia eram só guarda patrimonial, ou seja, guardinhas que cuidavam de cemitério, estátua e praça.

Mas eles foram sendo empoderados, sendo pareados com as polícias militares, principalmente, fazendo policiamento ostensivo. E foram sendo armados e recentemente foi decidido que eles teriam poder de polícia no Supremo Tribunal Federal, com um voto conservador de Cristiano Zanin nesse sentido. Se você olhar o artigo 144 da Constituição, a Guarda Civil Metropolitana não está na lista do que é reconhecido como polícias ou instituições de segurança pública. Mas decisão judicial recente da STF deu esse poder de polícia para as guardas civis metropolitanas. Com certeza as guardas farão lobbies nesse sentido, uma vez podem obter mais poder e bonificações.

Os perigos das bonificações

O Rio de Janeiro hoje tem uma polícia que treina os principais pistoleiros e matadores do crime organizado, como recentemente saiu um monte de matérias na imprensa, incluindo documentários e podcasts, como o Pistoleiros da Globo Play.

Pois bem, a PM do Rio se torna essa formadora de matadores profissionais justamente quando se estabelece, depois do governo do Brizola, as gratificações por ato de bravura. Quer dizer, os policiais ganhavam por matar gente, e isso aumentou a letalidade da polícia.

Claro que o que vemos em Balneário Camboriú não se compara a uma gratificação por matar, mas essa gratificação também vai render uma grana para os guardas e pode aumentar sua ostensidade.

Ano eleitoral

Seguramente vai se fazer muita pressão, seguramente os vereadores vão inflamar isso, porque a pauta de segurança sempre foi uma pauta que dá bastante voto, e claro, não podemos esquecer que a gente está em ano de eleição municipal. Então, pode ter sido a cartada do atual prefeito, ou para se reeleger, ou para eleger o seu candidato.