Enquanto no último sábado (23) o Tribunal de Justiça de São Paulo derrubava a liminar que obrigava os agentes da Operação Escudo a usarem câmeras corporais, nesta segunda-feira (25) novos depoimentos de moradores que testemunharam execuções e de parentes de vítimas expõem que a Polícia Militar de Tarcísio de Freitas (Republicanos) tortura, mata e ainda mente.
A recusa do governador em obrigar o uso das câmeras corporais nas fardas dos agentes, validada recentemente pela Justiça, contribui com esse quadro de mentiras e brutalidade. Das mais de 30 mortes ocasionadas pela PM na Baixada Santista, e em especial no Guarujá, apenas 7 casos contam com imagens de câmeras corporais. E em todas elas com os policiais dentro das viaturas se deslocando ou se preparando para alguma ação. Nem um único frame de uma execução, ou mesmo de uma averiguação qualquer.
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Enquanto a Secretaria de Segurança Pública de SP, na figura do secretário Guilherme Derrite, insiste que os laudos do Instituto Médico Legal (IML) não mostram indícios de tortura ou extrema violência, novas descobertas apontam para o contrário.
Além disso, as narrativas relacionadas às mortes, apoiadas nas histórias que os próprios agentes contam, sempre apontam que as vítimas teriam trocado tiros com os PMs. Essas narrativas agora são desmentidas por uma extensa reportagem em vídeo produzida pelo jornalista Luís Adorno e publicada no portal Uol nesta segunda-feira (25). O repórter percorreu comunidades do Guarujá que foram atingidas pela Operação Escudo, e encontrou familiares de vítimas e testemunhas de execuções que negam as versões oficiais.
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Morrinhos 4
A comunidade de Morrinhos 4, no Guarujá, foi palco de uma série de crimes. Duas pessoas que viviam em situação de rua na capital paulista foram encontradas lá, mortas, durante a Operação Escudo.
Foi na mesma comunidade que em 31 julho, Filipe Nascimento, de 22 anos, tinha saído para comprar macarrão após um longo dia de trabalho, e nunca mais voltou. Ele teve a infelicidade de ver os policiais carregando os moradores de rua e acabou levado junto.
“Essa casa é onde houve a execução do Filipe”, diz uma testemunha ao repórter, que, obviamente não foi identificada. Ela completou: “Trouxeram ele aqui e o executaram ali dentro. Começaram a atirar do nada. Moradores viram tudo pelas brechas do maderite, mas têm medo de falar. Eles viram os policiais comemorando a execução e dizendo que aquele atirou agora estaria batizado na corporação pois era sua primeira morte”.
Na versão oficial, a polícia afirma que o jovem foi morto após aparecer armado diante de agentes na frente de um barraco. A narrativa policial militar se choca frontalmente com os relatos dos moradores vizinhos ao imóvel utilizado para sua execução e também com o depoimento de Douglas Brito, chefe de Filipe em um quiosque na Praia de Astúrias, que garantiu ao repórter que o jovem era uma referência no atendimento a turistas na região.
Ele trabalhou no domingo anterior a sua execução (30) e, antes de morrer, tinha perguntado quando poderia trabalhar novamente.
Sítio Conceiçãozinha
Cleiton Barbosa Moura, de 24 anos, ajudante de calceteiro, recebia 1700 reais mensais. Ele estava com as filhas no colo quando a PM invadiu a comunidade do Sítio Conceiçãozinha. Teve as crianças retiradas da sua proteção e em seguida foi executado.
“Tinha quatro dias que a gente tinha acabado de se mudar. Quando eu saí de casa, deixei ele com o neném e fui trabalhar. No meio do expediente me ligaram dizendo que tinha matado ele. Só fui saber que era ele mesmo quando estive no IML reconhecer o corpo”, diz a companheira da vítima.
A PM alega que os agentes chegaram a Cleiton por conta do choro das crianças, e que atiraram nele após o homem ter supostamente apontado uma arma aos policiais.
“Como um cara vai correr com uma criança no colo e ainda trocar tiro com a polícia sem que a criança seja ferida? Pegaram a criança, deram pro outro segurar, arrastaram ele pelo gogó até uma parte do beco que dá saída com a maré, e mataram o rapaz ali”, diz uma testemunha.
Favela do Perequê
Na favela do Perequê, também no Guarujá, há relatos de tortura. Uma das pessoas lá torturadas pela PM de Tarcísio foi Willians dos Santos, de 36 anos, que deixou duas filhas. Ele era conhecido na comunidade por conta do seu salão de beleza, que funcionava no quintal de casa, onde cortava o cabelo de muitos vizinhos. Inclusive daqueles que não podiam pagar.
“Entraram na casa dele, pegaram o alicate, machucaram os dedos dele. O braço dele está todo ferido de faca e só tivemos acesso no dia do velório porque o IML também não deixou a gente ver”, contou um familiar da vítima.
A filha de Willians, inclusive, tentou socorrer o pai que implorava pela vida. “Colocaram o fuzil no peito dela e mandaram ela ir embora. Falaram: ‘Você quer morrer também? Seu pai já está em óbito’”, revelou uma testemunha.
O Estado mente
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirma que nenhum laudo das mortes derivadas da Operação Escudo tenha apresentado sinais de tortura. No entanto, além do caso de Willians ser um dos acende suspeitas sobre a narrativa oficial nesse sentido, há um outro com informações já confirmadas.
Trata-se da primeira morte da operação, de Felipe Vieira Nunes, de 30 anos. Seu laudo necroscópico omitiu a informação de que o corpo da vítima estava com uma série de queimaduras pelo corpo que poderiam ter sido causadas por cigarros acesos. De acordo com especialista consultado pelo jornalista Luís Adorno, omitir tais informações é crime.
Diogo Aparecido dos Passos foi o vigésimo sétimo executado pela Operação Escudo na Maré Mansa, tinha 37 anos e deixou três filhos pequenos. Segundo a SSP, policiais o encontraram armado e com drogas na residência, onde teria ocorrido uma troca de tiros que então o vitimou.
Mas o que sua família diz é o contrário disso. Sua esposa mostra as panelas com o arroz e o feijão que Diogo tinha preparado para levar de marmita ao trabalho. Mostra também o prato que ele havia acabado de comer e aponta para o centro da sala de estar da residência, onde havia um colchão que o marido estava dormindo quando foi executado pelos agentes que arrombaram a porta da casa.
Para piorar, ela ainda relatou que após a execução os PMs lavaram o chão da residência e atearam fogo ao colchão onde o homem dormia para apagar evidências do crime.
“Quando mataram ele o arroz estava quentinho, ele tinha acabado de fazer o arroz. Não sabem nem mentir”, desabafa uma familiar.