O governo de São Paulo, encabeçado pelo governador bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), retomou as operações policiais na Baixada Santista após o assassinato de um sargento da Polícia Militar na última sexta-feira (8) e já deixou mais duas vítimas. Três dias antes havia anunciado o fim da Operação Escudo que entre 28 de julho e 5 de setembro produziu outros 28 mortos. O episódio ficou conhecido como Chacina do Guarujá.
Após a retomada da operação, duas novas vítimas foram executadas pela Polícia Militar, supostamente em trocas de tiros, o que eleva o número de mortos para 30. Uma das mortes ocorreu no domingo (10) e outra na terça-feira (12).
Te podría interesar
A Operação Escudo começou após o assassinato do soldado Patrick Reis (30), da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), grupo de elite da PM paulista. Ele foi baleado no tórax enquanto fazia patrulhamento na comunidade de Vila Zilda, no Guarujá. Desde 1999 um homem da Rota não era morto em serviço.
A partir daí começou uma verdadeira carnificina recheada de ilegalidades. A ação ostensiva da PM jamais escondeu que se tratava de uma vingança contra as “comunidades que abrigam o crime organizado”, como se a comunidade tivesse essa escolha. 28 pessoas foram executadas entre 28 de julho e 5 de setembro enquanto a operação durou, ao mesmo tempo em que os suspeitos pelo assassinato do soldado Reis eram capturados e levados ao tribunal.
Te podría interesar
O Instituto de Criminalística da Polícia Científica de São Paulo realizou em agosto um exame para detectar a presença de resíduos químicos provenientes do disparo recente de arma de fogo nas mãos de Ericksn David da Silva, o “Deivinho”, acusado pela Polícia Civil de ter atirado e matado o soldado da Reis. O resultado do chamado Exame Pericial por Residuografia em Tiras nas mãos do acusado, no entanto, deu negativo.
Retomada da operação
Três dias após o encerramento da Operação Escudo, em 8 de setembro, o sargento Gerson Antunes Lima, de 55 anos e aposentado da PM desde 2019, estava só de bermuda e chinelo, varrendo a calçada da sua residência, quando foi morto a tiros por dois homens em uma moto. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou a imprensa que já identificou os suspeitos.
No dia seguinte, foi a vez do PM Lucatio de Oliveira Santos sofrer um atentado a tiros na porta de casa. Ele sobreviveu mas segue em estado grave em hospital da região. Os casos, e sobretudo a morte de Lima, fizeram com que as operações de patrulhamento nas comunidades da região, à exemplo da recente Operação Escudo, voltassem a escalar a partir do último sábado (9).
A partir daí, uma morte foi confirmada em suposta troca de tiros com a PM no último domingo (10), atualizando o número de vítimas para 29. Na ocasião, uma equipe do 2º Batalhão de Ações Especiais (Baep) fazia um patrulhamento quando foi atacada. A troca de tiros feriu um agente e quatro pessoas que passavam pela região. Uma mulher de 22 anos não resistiu aos ferimentos e morreu.
Nesta terça-feira (12) um homem foi morto a tiros no Jardim Virgínia, no Guarujá em novo suposto confronto com policiais. Não há maiores informações sobre o caso.
Ação da PM é comparada a de um esquadrão da morte
No dia que a operação foi oficialmente encerrada, em 5 de setembro, a Defensoria Pública comparou a ação da PM a de um esquadrão da morte, ou uma milícia. A operação foi a mais letal da história da PM paulista depois do Massacre do Carandiru, que deixou pelo menos 111 mortos em 1992.
Por conta disso, a Defensoria Pública de São Paulo e a organização da sociedade civil Conectas Direitos Humanos ingressaram na mesma data com uma ação civil pública. O objetivo é que a Justiça obrigasse o governo de São Paulo a instalar câmeras corporais nos policiais que atuam na Operação Escudo.
Há relatos de execuções sumárias, tortura, invasão de domicílios, destruição de moradias e outros abusos e excessos das forças de segurança, de acordo com o Conselho Nacional de Direitos Humanos.
"Contudo, em apenas uma ocorrência há menção de um policial militar ferido e nenhuma outra traz qualquer referência a viaturas atingidas por disparo de fogo", registra a Defensoria.
Os defensores relatam na ação apresentada uma série de evidências de abuso de poder e uso desproporcional da força por PMs deslocados para atuarem na baixada.
"A postura adotada pela administração pública estadual em relação ao uso das câmeras corporais durante a Operação Escudo reforça o cenário de violações de direitos", diz o documento.
A Defensoria afirma que as respostas dadas pelo governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) aos questionamentos sobre a operação reforçam que os órgãos de segurança se pautaram por uma "vingança institucional" pela morte do PM da rota Patrick Bastos Reis, de 30 anos, alvejado por tiros no Guarujá no dia 27 de julho. E não por uma atuação racional e técnica.
"Importante destacar que esse modus operandi não é novo e remonta ao 'Esquadrão da Morte', como relatado por [jurista] Helio Bicudo ao expor como a morte de um agente de segurança instaurou uma lógica de vingança institucional [nos anos 1960] que 'despertou nova onda de histeria na Secretaria da Segurança Pública, de tal modo que voltou a soar a promessa de que, a cada investigador morto, dez marginais pelo menos deviam pagar o crime com a própria vida'", afirma a Defensoria.
O órgão afirma que a análise dos boletins de ocorrência relacionados aos casos de morte por intervenção policial ocorridas entre 29/08/2023 e 02/09/2023 indicam "a padronização de um comportamento que excede os parâmetros legais sobre o uso da força por agentes de segurança. Isso é evidenciado, por exemplo, nos casos em que a abordagem foi justificada por uma 'atitude suspeita', pelo porte de uma mochila, por um 'volume na cintura' ou, ainda, por andar apressadamente ou em direção contrária ao avistar policiais militares e/ou suas viaturas".
Massacre pune a comunidade
Um morador da Vila Baiana, no Guarujá, fez um relato do cotidiano da ‘quebrada’ nessa última semana ao jornalista Matheus Pichonelli, do Uol. Ele afirma que após as 22 horas era comum que as pessoas estivessem nas ruas confraternizando, mas que após o início da Operação Escudo e a subsequente matança, as ruas estão completamente vazias após esse horário.
“As pessoas têm medo de descer o morro e não voltar. Tem sido assim desde o dia em que mataram o policial militar da Rota aqui perto, na quinta-feira (27). Quando você sai de casa os policiais já perguntam quem você é, se é morador e por que está descendo. Tem vizinho que chega depois das 22 horas do trabalho e liga para casa do ponto de ônibus. As mulheres então descem com as crianças para buscá-lo”, declarou.
O homem, que obviamente não foi identificado, relata que também foi vítima de uma humilhação decorrente do massacre. Na sexta-feira (28) policiais bateram à porta da sua casa, invadiram o domicílio e, quando perceberam que ele tinha uma passagem por tentativa de roubo anos atrás, o ameaçaram. Sua filha de 2 anos presenciou a cena.
“Meu irmão começou a filmar e um PM muito alterado quis tomar o aparelho dele e o agredir. Minha mãe tem 51 anos e pediu para eles terem calma porque ela é especial. Disse que era da igreja e que meu irmão sofre com ataques epiléticos” relatou.