BOLSONARISMO EM SP

Conectas Direitos Humanos: “Tarcísio está desmantelando políticas de segurança pública”

Em entrevista exclusiva à Fórum, Gabriel Sampaio, diretor da ONG, fala sobre denúncia contra o governo de SP na ONU, por violações da Operação Escudo, e questiona boicote do governador a instalação de câmeras nas fardas e viaturas da PM

"Contra a chacina", diz pichação no centro de São Paulo.Fotografia feita em outubro de 2016, durante manifestação que marcou os 24 anos do Massacre do CarandiruCréditos: Raphael Sanz/Revista Fórum
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A ONG Conectas Direitos Humanos e o movimento Mães de Maio, denunciaram na última quarta-feira (13) o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o governo de São Paulo ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) sobre as violações de direitos humanos na Baixada Santista durante a Operação Escudo e a recusa do governador em instalar câmeras corporais em uma das polícias mais violentas do mundo.

Ambas as entidades estão em Nova York onde participam da 54ª Reunião do Conselho, que ocorre em paralelo à 78ª sessão da Assembleia Geral da ONU.

Adotado em 2019, a política de uso de câmeras corporais por PMs reduziu o número de homicídios causados por policiais em pouco mais de 60% durante o último período. Foi registrada uma queda de 697 mortes em 2019 para 260 em 2022. No entanto, uma das plataformas de Tarcísio era justamente acabar com essa política sob o pretexto de dar um “voto de confiança” aos policiais.

Em meio a esse contexto, a Revista Fórum entrevistou Gabriel Sampaio, diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos, para saber a avaliação da entidade a respeito das políticas de segurança pública e violações de direitos humanos do atual governo paulista.

Leia a entrevista na íntegra a seguir.

Gabriel Sampaio, diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos. Reprodução/Twitter

Revista Fórum - Qual a avaliação da Conectas, de forma geral, da atual gestão do Estado de São Paulo no tocante a suas políticas de segurança pública e, em particular, sobre a Operação Escudo?

Gabriel Sampaio - A avaliação que nós temos é que o governo do estado de São Paulo, na verdade, tem desmantelado políticas de segurança pública. Nós não identificamos na atual condução da pasta a estruturação de políticas de segurança pública que em sua essência sejam compatíveis com a constituição e com as normas nacionais e internacionais de direitos humanos, de forma que o estado de São Paulo hoje é carente da existência de políticas de segurança pública.

Nós temos, por meio das declarações do desenvolvimento da Operação Escudo, indicativos suficientes do descompromisso com a construção de políticas de segurança pública que respeitem especialmente as populações mais pobres e vulneráveis, que enfrentem o problema da violência institucional, que reconheçam o racismo institucional como um aspecto a ser tratado como prioridade para a reversão do atual aumento das mortes violentas provocadas por agentes de estado.

Revista Fórum - Recebemos muitas denúncias de violações a direitos humanos - desde execuções sumárias, invasões de domicílio, agressões, até uma espécie de punição coletiva sobre as comunidades, em que trabalhadores ao voltarem na parte da noite seriam constrangidos, humilhados e até ameaçados. Vocês confirmam tais violações? Como podem resumir esse quadro?

Gabriel Sampaio - Nós levamos o tema das violações de direitos humanos na ação civil pública sobre a Operação Escudo, que promovemos junto à Defensoria Pública, essas denúncias que têm sido veiculadas a diversos órgãos, além dos da imprensa, órgãos oficiais, como inclusive a própria missão do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Defensoria Pública, ouvidoria das polícias, todas essas denúncias fazem parte também do questionamento a respeito das práticas adotadas na operação.

Entendemos que é fundamental que haja rigorosa apuração sobre cada uma dessas denúncias, da mesma forma como cobramos que as autoridades públicas do Estado de São Paulo adotem todas as medidas de transparência e que assegurem a possibilidade de investigações independentes com o

pleno acesso aos elementos probatórios e, sobretudo, tudo aquilo que compõe o contexto de cada ação letal da polícia.

Isso é um requisito básico para o Estado Democrático de Direito, é fundamental que aos órgãos policiais, como a toda administração pública, deve ser exigido o rigoroso cumprimento da lei.

E o rigoroso cumprimento da lei implica em toda forma de contenção a execuções sumárias ou execuções extrajudiciais, toda forma de contenção a ações ilegais e ações violentas por parte de agentes públicos.

No Estado Democrático de Direito, os agentes públicos devem cumprir rigorosamente a lei e, desse modo, a vigilância sobre as operações policiais e o esclarecimento sobre o contexto de cada morte violenta é uma exigência do Estado Democrático de Direito, é uma exigência que nós, organizações de direitos humanos, prezamos muito e queremos cobrar das autoridades públicas.

Revista Fórum - Qual a posição da Conectas sobre o uso de câmeras nas fardas da PM paulista e como avalia a relutância do atual governador nesse sentido?

Gabriel Sampaio - As câmeras corporais constituem importante ferramenta para o controle externo da atividade policial, para a prevenção e responsabilização de abusos praticados e de outro lado para a própria produção probatória, tanto de crimes praticados inclusive contra policiais, mas em diversos contextos das práticas criminosas, as câmeras podem oferecer elementos importantes para desvendar essas práticas e constituírem provas importantes para a atuação do Estado e da própria polícia e até para a prevenção da violência praticada contra agentes públicos.

Portanto, desde a importância para o controle externo, quanto a proteção aos próprios agentes policiais e produção de provas importantes para esclarecimento de crimes.

Por esses motivos, as câmeras corporais são ferramentas imprescindíveis para qualquer política de segurança pública que seja estruturada no Estado de São Paulo e que tenha por intuito reduzir a violência institucional. Nós vemos com extrema preocupação que essa política de implementação das câmeras corporais esteja sendo desmantelada.

Mais do que isso, é extremamente preocupante que uma operação policial que ocorre no contexto de resposta a uma morte ainda não esclarecida de um policial da Rota, que em lugar de garantir os elementos, até da proteção aos próprios policiais por meio das câmeras e da transparência em relação ao uso adequado da força, que num contexto como esse seja feito esvaziamento

do uso das câmeras corporais e que não haja a disposição dos órgãos de controle externo e da própria sociedade de imagens e elementos que demonstrem a correção ou não da atividade e das situações em que há o uso da força por parte da polícia.

É algo que nós tratamos também na nossa ação judicial. Identificamos que há o que nós chamamos de desvio de poder no momento em que as autoridades da segurança pública, ao iniciarem o seu mandato, tenham se contraposto a importância do uso das câmeras, apesar de alguns recursos discursivos em relação a essa posição, tenham de forma concreta tomado medidas administrativas que acabaram por esvaziar o programa de câmeras e, como disse, no momento em que uma operação que surge como resposta ou até vingança institucional a uma morte de policial, o uso das câmeras acabou mais uma vez sendo esvaziado.

Na nossa avaliação, há atitudes que denotam uma ação de desvio de poder, uma espécie de conduta que é ilícita e que deve ser avaliada pelo Poder Judiciário.

Revista Fórum - Como se deu a denúncia à ONU? Quais os possíveis desdobramentos?

Gabriel Sampaio - O discurso foi realizado em dois momentos dado a gravidade e abertura da ONU: no Diálogo Interativo com Relatoria de verdade, justiça e reparação e no Debate Geral com o Alto Comissário para Direitos Humanos da ONU. Inclusive, o escritório do Alto Comissário, autoridade máxima em direitos humanos no Sistema ONU, se pronunciou sobre a operação lá no início de agosto, após apelo urgente que enviamos. Agora após o nosso discurso, ele pode reforçar a denúncia junto ao Estado Brasileiro além de provocar outros mecanismos. Ademais tanto seu escritório quanto o mandato do relator podem incluir o caso em missões ou relatórios seguintes. Por si só o discurso já gera um constrangimento ao Brasil, sensibilizando outras missões diplomáticas e afetando a imagem do governo.