FASHION REVOLUTION

Rana Plaza: Projeto mantém viva a memória das vítimas do desabamento

Página conta a história de mortos e desaparecidos na tragédia e reúne ensaios de ativistas, escritores e intelectuais, postagens, peças teatrais, poemas, canções, desenhos animados, mapas etc.

Créditos: Taslima Akhter - 24/7/2013
Escrito en DEBATES el

No dia 24 de abril de 2013, às 8h57, o edifício Rana Plaza desabou em dois minutos, matando pelo menos 1.132 pessoas e ferindo mais de 2.500. Naquela quarta-feira, três mil trabalhadores e trabalhadoras entraram no prédio de oito andares no subúrbio de Dhaka, em Savar, Bangladesh, para costurar roupas de grifes famosas como Benetton, Bonmarché, Prada, Gucci, Versace e Zara e também que ficam nas prateleiras do Walmart. Poucos conseguiram sair.

Bangladesh Garment Sramik Samhati - Baby Akhter

Entre as pessoas que tiveram o futuro soterrado sob os escombros do Rana Plaza estava Baby Akhter, de 35 anos, operária contratada pela EtherTex Garment, localizada no edifício a apenas 16 dias antes da tragédia.

A história dela foi contada no livro Chobbish April: Hazaar Praner Chitkar (24 de abril: clamor de mil almas), da fotógrafa documental Taslima Akhter, que esteve no local do desabamento do Rana Plaza no dia seguinte à tragédia e fotografou as ruínas no que considerou um ato de memória. 

Um ano depois, Akhter publicou o livro de 500 páginas, que exibe uma coleção de cartazes colocados por familiares em busca de seus entes queridos e fotos de passaporte dos mortos com uma breve nota sobre suas vidas. O livro deu origem a um site, o “Rana Plaza Massacre: An Anthology”.

O site contém histórias de várias pessoas mortas e desaparecidas - o que aconteceu em 24 de abril, por que deixaram suas aldeias, sua migração para Dhaka, por que e como se envolveram no trabalho com roupas, como perderam a vida, quais eram seus sonhos e assim por diante.

A página também relata as experiências de alguns trabalhadores que ainda estão vivos e/ou que perderam seus membros no Rana Plaza, bem como as histórias dos socorristas. Além disso, contém ensaios de ativistas, escritores e intelectuais, postagens nas redes sociais, peças teatrais, poemas, canções, desenhos animados, mapas etc. relacionados ao episódio.

Uma das obras mais importantes da antologia é uma lista de trabalhadores e trabalhadoras mortos e desaparecidos, criada por Bangladesh Garment Sromik Samhoti por meio de seus esforços contínuos para se comunicar com os trabalhadores e suas famílias e coletar informações da melhor maneira possível. Um total de 1175 nomes fazem parte da lista.

A tragédia também motivou a criação do movimento Fashion Revolution, que realiza até o dia 29 de abril, sábado, a Semana Fashion Revolution com atividades em mais de 100 países, inclusive no Brasil. 

Negligência criminosa

Taslima Akhter - A mãe de Baby Akhter, Shahana, em seu luto, 1º de junho de 2013. 

Os 10 anos do desabamento do Rana Plaza foi o tema da Carta semanal do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social assinada por Vijay Prashad. O historiador marxista relembra que o desabamento do edifício foi uma negligência criminosa. 

No dia anterior ao colapso, as autoridades de Bangladesh pediram ao proprietário, Sohel Rana, que o prédio fosse evacuado devido a problemas estruturais. “O prédio tem problemas pequenos”, disse Rana. “Não há nada grave”. 

Uma década depois e pelo menos 109 outros edifícios em Savar desabaram, fazendo 27 mortes. Essas são as fábricas mortíferas onde são feitas as roupas que vestimos é um retrato da globalização do século 21. 

Instalações mal construídas para dar lugar a processos de produção voltados para longas jornadas de trabalho, máquinas de terceira categoria e trabalhadores e trabalhadoras cujas vidas são submetidas aos imperativos da produção just-in-time.

Prashad cita O Capital, de Karl Marx, que se debruçou sobre o sistema fabril da Inglaterra do século 19, para ilustrar o ecossistema da moda, a filha predileta do capitalismo.

"Mas em seu impulso cego e desmedido, sua voracidade de lobisomem por mais-trabalho, o capital transgride não apenas os limites morais da jornada de trabalho, mas também seus limites puramente físicos. Rouba o tempo requerido para o consumo de ar puro e de luz solar (…) O que lhe interessa é única e exclusivamente o máximo de força de trabalho que pode ser posta em movimento numa jornada de trabalho. Ele atinge esse objetivo por meio do encurtamento da duração da força de trabalho, como um agricultor ganancioso que obtém uma maior produtividade da terra roubando dela sua fertilidade."

Mão de obra feminina

A operária Akhter, uma das mais de mil vítimas do desabamento do Rana Plaza, migrou de Rangpur, onde seu pai era um camponês sem terra, para a capital de Bangladesh, Dhaka. Ela faz parte dos 80% dos trabalhadores dessas fábricas que são mulheres que na maioria, como ela, migra devido à falta de acesso à terra. 

"Elas trazem consigo a desolação do campo, seu solo superexplorado e suas águas envenenadas, devastada pela agricultura industrial e pela lei do valor, que torna o pequeno agricultor dispensável diante do poderio dos grandes proprietários de terras", escreve Prashad em sua carta.

Neoliberalismo e globalização

Ele relembra que as fábricas como as de Bangladesh fazem parte da paisagem desenhada pelo neoliberalismo e sua globalização, que abriram as portas para a apropriação perspicaz da indústria têxtil da nova ordem de manufatura e comércio dos anos 1990. 

No modelo de gestão capitalista que se alastrou mundo afora capitaneado por nomes como o de Margareth Tatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos EUA. Países do sul global se apressaram em receber empresas multinacionais de roupas que não queriam mais investir em fábricas. 

"Recorreram, então, para terceirizadas, oferecendo-lhes margens de lucro estreitas, obrigando-as a administrar suas fábricas como prisões de trabalho", observa o historiador. 

10 anos depois do Rana Plaza

Saifuzzaman Sium - Marcha de comemoração em 2022 no nono aniversário do colapso do Rana Plaza

A indústria de vestuário em Bangladesh compreende 80% das receitas totais de exportação do país. Aos trabalhadores e trabalhadoras são oferecidas poucas perspectivas de sindicalização. 

Ao longo dessa década, as duras condições impostas pela cadeia global de commodities fazem de Bangladesh um dos piores países do mundo para se trabalhar. 

Um estudo publicado em janeiro de 2023 mostra que durante a pandemia as empresas multinacionais de vestuário espremeram os terceirizados para cortar custos, o que resultou em condições mais duras para os trabalhadores e trabalhadoras.

Ao longo desta semana, celebramos as vidas de mulheres como Baby Akhter e perguntamos: Quem fez as minhas roupas?

*Iara Vidal é representante do Fashion Revolution no Distrito Federal