FASHION REVOLUTION

A transparência ofuscada da moda brasileira

60 grandes marcas e varejistas classificadas pela divulgação de dados sobre políticas, práticas e impactos sociais e ambientais tiveram pior desempenho no Índice de Transparência da Moda Brasil 2022 em comparação com o ano passado

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É desanimador o resultado do Índice de Transparência da Moda Brasil (ITMB) 2022. A pontuação média geral de 17% caiu um 1 ponto percentual em relação à edição 2021. As 60 marcas e varejistas do mercado nacional foram classificadas de acordo com o nível de informações que divulgam publicamente sobre políticas, práticas e impactos nos direitos humanos e meio ambiente.

Nesta quinta edição do ITMB, fica evidente o quanto o progresso da indústria da moda brasileira em direção à transparência continua muito lento. Nestes cinco anos de pesquisa, iniciada em 2018, o índice vem pressionando marcas de presença relevante no mercado nacional a divulgarem, publicamente, informações sobre as próprias operações e das cadeias de fornecimento. 

O projeto tem sido uma ferramenta útil para abrir diálogo com as marcas, funcionários e outros formadores de opinião e levar o debate sobre transparência para a gestão dessas empresas. Mas ainda falta um longo caminho a percorrer em um cenário de enfrentamento de diversos desafios, como a emergência climática, as consequências da produção e do consumo insustentáveis, as desigualdades sociais e a precarização do trabalho que permeiam a cadeia de valor das nossas roupas. 

A coordenadora educacional e de projetos do Instituto Fashion Revolution Brasil, Isabella Luglio, é responsável pela coordenação do ITMB e acredita que a transparência é fundamental para alcançar a transformação sistêmica necessária na indústria da moda. 

"A transparência é um primeiro passo rumo a essa mudança. É jogar uma luz sobre tudo que está acontecendo e sempre aconteceu na indústria da moda para que isso venha à tona", comenta Isabella. 

Ela destaca que o objetivo principal do ITMB é incentivar uma maior divulgação de dados e informações que sejam detalhadas e comparáveis ano a ano para pressionar as marcas por uma maior transparência. 

"Além de mostrar que a pesquisa pode ser usada de uma forma mais ampla transformando os resultados que estão ali no papel em ações tangíveis e ser uma ferramenta de promoção de melhorias para todo o setor", avalia Isabella. 

O fato é que há muito a ser feito. Entre os destaques do ITMB deste ano, por exemplo, é estarrecedor constatar o quanto as marcas estão desconectadas com a crise ambiental brasileira. Mesmo com os recordes de desmatamento registrados no Brasil, nenhuma marca divulga compromissos de desmatamento zero. 

Apesar da urgência da emergência climática, somente 13% das marcas divulgam uma meta de descarbonização que seja verificada pela Science-Based Targets Initiative e que abranja toda a cadeia de fornecimento.

Apenas 10% das marcas publicam os resultados dos testes de efluentes de seus fornecedores, apesar dos impactos da indústria têxtil na poluição das águas. Grande parte delas não é transparente sobre a quantidade de roupas que produzem e nem sobre o volume de resíduos gerados por seus processos produtivos.

Somente um terço das marcas (33%) divulga informações sobre fornecedores diretos, classificados como instalações de corte, costura, acabamento, montagem, produto acabado e embalagem.

A indústria da moda continua dependente da mão de obra feminina, mas grande parte das marcas (90%) não divulga dados sobre violações trabalhistas contra mulheres nas instalações dos fornecedores.

As marcas são pouco transparentes sobre indicadores de igualdade racial, e evidências apontam que grande parte delas ainda está no início de suas jornadas de enfrentamento ao racismo em suas operações.

A maioria das marcas, 97%, não divulga o percentual acima do salário mínimo que os trabalhadores recebem em sua cadeia de fornecimento. Nenhuma delas informa a quantidade de trabalhadores em sua cadeia de fornecimento que recebem um salário capaz de cobrir seus custos de vida básicos.

Apenas 7% das marcas publicam um código de conduta de compras, indicando que a maioria ainda está relutante em divulgar como suas práticas de compra podem afetar fornecedores e trabalhadores.

O trabalho escravo contemporâneo ainda acontece na indústria da moda, mas há pouca transparência das marcas sobre essa temática. Quase metade das marcas (48%) possui políticas de liberdade de associação para os trabalhadores de seus fornecedores, mas a transparência sobre a temática diminui conforme se busca por informações mais detalhadas.

Grande parte das marcas, 82%, ainda não divulga nenhuma informação sobre seus processos de devida diligência em direitos humanos e meio ambiente. Esses processos são necessários para que as marcas possam rastrear, prevenir e mitigar possíveis riscos socioambientais em suas operações e cadeias de fornecimento. Trata-se de um procedimento contínuo, que envolve diversas etapas: avaliação dos riscos e impactos, integração de ações de prevenção e controle dos riscos e impactos na gestão empresarial, monitoramento das ações adotadas e comunicação ao público interno e externo sobre o que foi feito.

Para realmente alcançarmos uma revolução sistêmica que a moda precisa, precisamos da ação e da colaboração de todos os envolvidos no setor – cidadãos, consumidores, marcas, governos, ONGs etc., para que seja possível reorientar o que é considerado como valor em nossa sociedade. Devemos valorizar as pessoas e a conservação e restauração do meio ambiente acima do crescimento e do lucro.

Outro ponto que merece atenção, principalmente dos consumidores, é não cair na armadilha de ações de marketing que algumas dessas empresas participantes do ITMB praticam ao bel-prazer. Uma marca que celebra ter alcançado a pontuação de 68% desse índice passa a mensagem equivocada de que está tudo bem com os outros 32%. Não está. Não caia nessa. 

Confira a íntegra do ITMB 2022

Iara Vidal é pesquisadora independente dos encontros da moda com a política e representante do Instituto Fashion Revolution Brasil no Distrito Federal.














 

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