O Fashion Revolution Brasil lançou neste domingo, 24 de abril, na TV Fórum, a 'Agenda Legislativa da Moda Ética'. É o primeiro passo de um projeto de articulação política do braço brasileiro do maior movimento de moda ativista do mundo.
A agenda traz três propostas diretamente relacionadas à cadeia produtiva da moda. É contrária ao Pacote do Veneno; favorável ao PL do Cânhamo e defende a regulamentação da Política Nacional dos Resíduos Sólidos para enquadrar a indústria da moda.
Participaram do lançamento a representante do Fashion Revolution em Brasília (DF), Iara Vidal, como mediadora; Marina Colerato, do Instituto Modefica; Maria do Carmo Paulino, designer de moda, educadora e ativista; e Sérgio Rocha, da Adwa Cannabis.
O Fashion Revolution Brasil enxerga a urgência em mudanças estruturais na moda que dependem da política. Por isso, para além das ações para informar sobre a cadeia produtiva da moda, essas mudanças estão costuradas com o cotidiano das pessoas e exigem medidas que sejam construídas e debatidas num ambiente de diálogo democrático.
A Agenda Legislativa da Moda Ética pontua que o Fashion Revolution Brasil é contrário ao PL 6299/2002, conhecido como PL do Veneno, que propõe flexibilizar o processo de aprovação de novos agrotóxicos, mudar critérios de avaliação, banir o termo “agrotóxico” e encontrar brechas para liberar produtos que a atual legislação proíbe.
A diretora presidente do Instituto Modefica, Marina Colerato, esteve presente na live de lançamento da Agenda Legislativa de Moda Ética. Ela trabalha com jornalismo e pesquisa para justiça socioambiental com uma perspectiva ecofeminista e é colunista da revista ELLE. Também cursa mestrado em Ciências Sociais pela PUC/SP e tem se dedicado a entender as conexões entre feminismo, neoliberalismo e crise climática.
"A campanha #ModaSemVeneno busca chamar atenção para a produção de algodão no Brasil e seus impactos socioambientais, sobretudo relacionado ao uso intensivo de agrotóxicos. Ao mesmo tempo, tem como objetivo fortalecer produções alternativas, como o algodão agroecológico, e mostrar que outras formas de produção resistem."
Marina Colerato, Instituto Modefica
O Fashion Revolution Brasil também apoia o uso industrial do cânhamo e se aliou à Associação Nacional do Cânhamo Industrial (ANC) para aprovação do projeto que regulamenta o uso dessa matéria-prima, entre outros usos, pela indústria têxtil e de confecção.
Tramita na Câmara dos Deputados, entre outros projetos, o PL 399/2015. A matéria trata do cultivo, processamento, pesquisa, produção e comercialização de produtos à base de cannabis industrial e medicinal. Uma comissão especial que debateu o projeto recebeu um texto substitutivo. O avanço do PL depende de decisão da Mesa Diretora da Casa.
O cânhamo, que é a variedade não psicotrópica da cannabis, é usado na indústria para fazer plásticos, casas, roupas e outros, e está em um limbo regulatório no Brasil. Em 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que tecidos de cânhamo são proibidos. Em seguida, a agência se retratou e afirmou que tecidos com fibras de cânhamo não estão sujeitos ao controle especial do órgão regulador.
Fato é que a regulação da cannabis, no Brasil, não é simples nem coerente. O cultivo e a importação são proibidos, mas é possível comprar itens feitos dessa matéria-prima. O Brasil precisa amadurecer o marco regulatório e estabelecer regras específicas para o cânhamo. As regras são antigas e não conseguem regular as condutas contemporâneas.
Um dos convidados para o lançamento da Agenda Legislativa da Moda Ética foi Sérgio Rocha, diretor executivo da Adwa Cannabis. A startup de biotecnologia atua no desenvolvimento de pesquisas voltadas para a exploração agrícola da cannabis no Brasil.
Rocha é geógrafo, engenheiro agrônomo, especialista em agroecologia e mestre e doutorando em Genética e Melhoramento de Plantas pelo Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Viçosa (MG). Ele gravou sua participação no evento neste sábado (23).
No vídeo, Rocha, que é membro e um dos fundadores do Grupo Brasileiro de Estudos sobre a cannabis sativa e autor do primeiro Zoneamento Agroclimático para o cultivo de Cannabis para uso Medicinal e Industrial no Brasil, destaca as vantagens da aprovação do projeto que tramita no Congresso Nacional.
É um tema muito sensível e muito cercado de tabus e aspectos morais. Importante então a Revista Fórum e o Fashion Revolution Brasil abrirem essa oportunidade nesse momento para a gente falar sobre esse tema tão importante para o país".
Sérgio Rocha, Adwa Cannabis
O terceiro item da agenda trata das lacunas da Lei 12.305/2010 que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e que está em vigor há mais de uma década no Brasil, mas que não especifica com clareza as responsabilidades do setor têxtil e de confecção na gestão de resíduos desse segmento.
O movimento Fashion Revolution Brasil defende a regulamentação, em forma de lei, das responsabilidades específicas da indústria têxtil e de confecção na PNRS quanto aos resíduos têxteis.
Estimativas do setor apontam que a indústria têxtil e de confecção brasileira produz mais de 175 mil toneladas de resíduos anualmente. Esse volume de roupas alimenta a emergência climática e turbina a crise social que enfrentamos. Por isso, é urgente interromper esse ciclo de desperdício e destruição.
A ativista Maria do Carmo Paulino é doutoranda em Comunicação e Semiótica e em Design, mestra em Têxtil e Moda, bacharel em Desenho Industrial e Pedagogia pelo Centro e especialista em Desenho de Moda e Criação. Entre outros temas, desenvolve pesquisa sobre Moda e Aspectos Sociais e projetos em prol da valorização da cultura afro-brasileira por meio do tripé da sustentabilidade – social, econômico e ambiental.
"Pensar numa moda ética, é pensar em como podemos agir para reduzir o descarte irregular de tecidos e resíduos no meio ambiente. O problema ambiental da indústria têxtil de moda é um problema que diz respeito a todos nós, porque nós consumimos muito produto de moda", comenta.
Maria avalia que é urgente e necessário frear nosso consumo, mas também é urgente e necessário colocar a Política Nacional de Resíduos Sólidos para funcionar na indústria têxtil de moda. A legislação atribui aos geradores de resíduos, tanto pessoas físicas como jurídicas, a responsabilidade pela geração de seus resíduos. "Se hoje falamos tanto de economia circular e logística reversa, por que então não usamos a Lei 12.305/2010 para responsabilizar os produtores de resíduos têxteis na área da moda?", provoca.
"Infelizmente, há quem justifique que precisamos de uma lei específica para os resíduos têxteis, e alegam que só a partir deste instrumento é que iremos poder cobrar a responsabilidade das indústrias têxteis sobre os resíduos que geram", comenta Maria.
Ela cita dados apresentados por Francisco de Andrea Vianna, responsável pelo planejamento e operações da Loga - Logística Ambiental de São Paulo - empresa que oferece serviços de coleta, transporte, tratamento e destinação final dos resíduos. Em uma entrevista para o site Recicla Sampa, ele informa que o estado de São Paulo produz cerca de 63 toneladas de resíduos têxteis por dia. Deste total, 45 toneladas são do bairro do Brás, 8 toneladas do bairro do Bom Retiro e 10 toneladas são do bairro da Vila Maria.
"É a partir dessa complexidade que chamo a atenção para se pensar de forma macro, como fazer a gestão destes resíduos e peças de roupas usadas para dar um destino correto, que não impacte no meio ambiente e que possa gerar desenvolvimento local sustentável."
Maria do Carmo Paulino, ativista de moda
A Agenda Legislativa da Moda Ética é mais um passo do Fashion Revolution Brasil para participar ativamente do debate público no ambiente político. As demandas por mudanças estruturais na cadeia produtiva da moda exigem, para além de informação para os consumidores, medidas políticas que garantam justiça social, defesa dos direitos ambientais e humanos e ambiente para negócios favoráveis para práticas sustentáveis.
Sobre o Fashion Revolution
O movimento foi criado após um conselho global de profissionais da moda se sensibilizar com o desabamento do edifício Rana Plaza em Daka, Bangladesh, que causou a morte de mais de mil trabalhadores da indústria de confecção e deixou mais de 2.500 feridos. A tragédia aconteceu há nove anos, no dia 24 de abril de 2013, e as vítimas trabalhavam para marcas globais, em condições análogas à escravidão.
A campanha #QuemFezMinhasRoupas surgiu para aumentar a conscientização sobre o verdadeiro custo da moda e seu impacto no mundo, em todas as fases do processo de produção e consumo. Realizado inicialmente no dia 24 de abril, o Fashion Revolution Day ganhou força e tornou-se a Semana Fashion Revolution, que conta com atividades promovidas por núcleos voluntários, em 94 países.
No Brasil, o movimento atua há 7 anos e hoje está estabelecido como Instituto Fashion Revolution Brasil. Durante a Semana Fashion Revolution, que encerra neste domingo a edição de 2022, e ao longo do ano, realiza ações e projetos que promovem mudanças de mentalidade e comportamento em consumidores, empresas e profissionais da moda.
Confira os mais de 250 eventos que ocorreram em 90 cidades de 20 estados brasileiros e no Distrito Federal na edição deste ano neste link.
Assista à live aqui
*Iara Vidal (@iaravidal) é representante do Fashion Revolution em Brasília (DF) e pesquisadora independente dos encontros da moda com a política.