Dia 24 de abril de 2013 foi um dia marcante para a história da moda. Dessa vez, não foi por um desfile incrível ou por uma grande inovação, mas pela tragédia causada pelo desabamento do edifício Rana Plaza, em Daka, Bangladesh, que abrigava diversas confecções que produziam peças para marcas globais. Ao todo, 1.138 pessoas morreram e outras mais de 2.500 ficaram gravemente feridas, especialmente mulheres.
O desastre fez com que as pessoas olhassem com mais atenção à cadeia de produção da moda, ao modelo cada vez mais acelerado de roupas, o chamado fast fashion, e às pessoas por trás das roupas que vestimos.
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Foi nesse contexto que o Fashion Revolution, movimento global presente em mais de 100 países, inclusive no Brasil, que nasceu para questionar e discutir os impactos da indústria na vida das pessoas e atuar na luta por uma transformação no mercado fashion.
Desde então, durante a semana do dia 24 de abril, é realizada a Semana Fashion Revolution. A campanha anual promove atividades ao redor do mundo com o objetivo de reimaginar coletivamente um sistema de moda justo e igualitário para as pessoas e o planeta. Esta edição teve início no último sábado (22) e prossegue até o próximo sábado (29).
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Mobilização
Nesta primeira década do desastre do Rana Plaza e de criação do Fashion Revolution, o movimento quer mobilizar pessoas, amplificar vozes não ouvidas ou marginalizadas, e trabalhar em prol de soluções efetivas.
Da transparência da cadeia de fornecimento aos salários dignos, do desperdício têxtil à apropriação cultural, da liberdade de associação à biodiversidade, pela luta antirracista, pela equidade racial e de gênero, e pela diversidade, a iniciativa global compartilha soluções para os problemas socioambientais relacionados à moda.
Nos últimos dez anos, o debate em torno de uma moda mais sustentável só aumentou, mas o progresso real é muito lento, considerando o contexto da crise climática e da crescente injustiça social. Para o Fashion Revolution, embora a moda tenha um forte impacto negativo, ela também tem o poder e o potencial de ser uma força de mudança.
Segundo o Índice de Transparência da Moda Brasil 2022, a média de pontuação de transparência das 60 grandes marcas analisadas foi de 17% - uma queda de 1% em relação a 2021.
O documento destaca que apenas 33% das 60 marcas publicam listas de fornecedores à nível 1. Esse valor cai para 28% nas listas de instalações e processamento/beneficiamento e 8% para os fornecedores de matérias-primas. Embora a indústria da moda tenha um grande impacto negativo, também tem potencial de ser uma força de mudança.
"A moda precisa estar atrelada à vida e à prosperidade. Fazer parte da construção de sociedades justas, alinhadas com a natureza, em ciclos regenerativos, onde desastres como o Rana Plaza nunca voltem a acontecer ", diz Fernanda Simon, diretora executiva do Instituto Fashion Revolution Brasil.
Manifesto pela Revolução na Moda
O tema da Semana Fashion Revolution deste ano é o Manifesto pela Revolução na Moda. Os 10 pontos reforçam a visão do movimento para uma indústria da moda global que conserve e restaure o meio ambiente, e valorize as pessoas acima do lucro.
- Que a moda proporcione um trabalho digno, do conceito à criação. Que não explore, abuse, discrimine ou coloque ninguém em perigo. Que ela liberte tanto o trabalhador quanto o consumidor, e os empodere para que defendam seus direitos.
- Que a moda pague de forma justa e igual as pessoas de sua cadeia. Que proporcione uma vida digna a trabalhadores e trabalhadoras, do campo às passarelas. Que ela combata a pobreza e crie sociedades prósperas.
- Que a moda dê espaços de escuta às pessoas, tornando possível falar sem medo. Que possibilite união dos trabalhadores por melhores condições de trabalho e em suas comunidades.
- Que a moda respeite as heranças culturais, celebrando e fomentando a artesania e honrando os artesãos e artesãs. Que reconheça a criatividade como seu ativo mais forte. Que não se aproprie de nada sem permissão ou reconhecimento.
- Que a moda fortaleça a solidariedade, inclusão e democracia. Que lute contra opressões de gênero, raça e classe e contra tudo que exclui. Que reconheça a diversidade como seu sucesso.
- Que a moda conserve e restaure a Natureza. Que não esgote recursos, nem degrade nosso solo, polua nosso ar e água ou prejudique nossa saúde. Que proteja o bem-estar de todos os seres vivos e ecossistemas.
- Que a moda não destrua ou descarte, mas que recrie e recupere tudo de maneira circular. Que as roupas sejam consertadas, reutilizadas, recicladas e ressignificadas. Que os guarda-roupas não transbordem de roupas indesejadas e os aterros com roupas descartadas.
- Que a moda seja transparente e responsável. Que abrace a clareza e não se esconda atrás de complexidades, nem dependa de segredos comerciais para se manter ativa. Que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, possa descobrir como, onde, por quem e em quais condições suas roupas foram feitas.
- Que a moda meça seu sucesso para além de vendas e lucros. Que encontre o equilíbrio entre recursos financeiros, bem-estar humano e sustentabilidade ambiental.
- Que a moda viva para expressar, refletir, protestar e compartilhar. Que nunca subjugue, marginalize ou comprometa. Que a moda celebre a vida.
Foco na equidade racial e de gênero
Ao revisitar o Manifesto pela Revolução na Moda, o Fashion Revolution chama a atenção para os itens 4 e 5 que são fundamentais para ampliar o debate sobre raça e gênero na indústria da moda.
Decolonizar a moda é essencial para que todos pertençam, sintam-se representados e ocupem espaços com a sua ancestralidade, essência, corpos e conceitos. A existência, a identidade e até a maneira de se vestir de muitas pessoas é negada, proibida, violentada e marginalizada pela colonização do pensamento e pelo apagamento da história.
"De maneira não democrática e segregadora, criam-se abismos quando se trata de representatividade interseccional: gênero, raça e classe, nessa grande matriz do capitalismo", diz Paloma Gervásio Botelho, Coordenadora de Diversidade do Instituto Fashion Revolution Brasil.
Como participar da Semana Fashion Revolution 2023
A programação da Semana Fashion Revolution 2023 está disponível no site e nas redes sociais da organização, e está sendo construída colaborativamente por cerca de 70 representantes locais e aproximadamente 110 docentes e 85 estudantes embaixadores, todos compondo uma rede voluntária espalhada pelo Brasil todo.
"A rede de representantes locais e embaixadores é o maior tesouro do movimento FR Brasil. Elas amplificam as vozes locais, conectando regiões e culturas, trazendo olhares diferentes e regionais para o debate da moda nacional que clama por pluralidade e diversidade. Mais do que falar de sustentabilidade, nossa rede regional nos ajuda a ouvir sobre sustentabilidade ", diz Marina de Luca, coordenadora de Mobilização do FRB.
Esse ano, o foco do movimento no Brasil no trabalho com a rede de representantes e embaixadores é fortalecer a presença nas regiões Norte e Nordeste e aumentar a diversidade de raça, gênero, origem e idade.
O número de pessoas que representam o movimento é importante, assim como a profundidade dessa relação. Por isso, a cada ano o Fashion Revolution Brasil busca ferramentas para impulsionar a rede de voluntários.
Este ano, o movimento firmou uma parceria com a organização não-governamental Nossas, para o projeto Amazônia de Pé, criando pontos de coleta de assinaturas em eventos, além de treinamentos para a rede de voluntários do Fashion Revolution.
Participe da Revolução da Moda
Uma das formas de se envolver com a campanha, o movimento incentiva que os cidadãos façam perguntas nas redes sociais:
#QuemFezMinhasRoupas, pois a prioridade da campanha é que as pessoas que fazem as roupas tenham condições dignas de trabalho.
#DoQueSãoFeitasMinhasRoupas, como seria o mundo se as marcas restaurassem os sistemas, em vez de esgotá-los?
#aCorDeQuemFezMinhasRoupas, vamos exigir que as empresas tenham ações com foco na promoção de igualdade racial entre seus funcionários.
Baixe aqui as plaquinhas Quem Fez Minhas Roupas / Eu Fiz Suas Roupas
* Iara Vidal é representante do Fashion Revolution no Distrito Federal