REVOLUÇÃO NA MODA

Quem fez minhas roupas: O que aprendemos com a tragédia do Rana Plaza

Uma década depois do desastre, é possível contabilizar avanços, mas o caminho por uma indústria da moda justa, limpa e ética ainda é longo

Créditos: Fashion Revolution
Escrito en DEBATES el

Nesta segunda-feira (24) completa uma década do desastre do Rana Plaza. Nesse dia, em 2013, o prédio em Daka, Bangladesh, desabou em um acidente evitável. Ao todo, 1.138 pessoas morreram e outras 2.500 ficaram feridas. As vítimas eram, principalmente, mulheres. Foi o quarto maior desastre industrial da história. 

Durante esta Semana Fashion Revolution, que começou no dia 22 e vai até o próximo sábado (29), estamos #LembrandoRanaPlaza e das vidas perdidas, e exigimos que ninguém morra pela moda. 

À medida que refletimos, somos inspirados pelo progresso feito no setor de roupas prontas -  conhecido como Readymade Garment Industry (RMG, da sigla em inglês) - de Bangladesh e lembrados das mudanças ainda necessárias em toda a indústria da moda global.

O Rana Plaza não foi o primeiro nem o último desastre da fábrica de roupas e foi sintomático de pressões mais amplas sentidas pelos países produtores em todo o mundo. 

Fashion Revolution - O desastre do Rana Plaza

Esse desastre expôs ainda mais a falta de transparência generalizada nas cadeias globais de suprimentos da moda e como a falta de visibilidade pode custar vidas. Sem transparência, os problemas permanecem ocultos e não resolvidos em sua raiz.

Não é por coincidência, mas por design, que dentro da indústria global da moda, os salários dos trabalhadores de vestuário são artificialmente baixos e que as marcas continuam a comprar de regiões onde é impossível, difícil e/ou inseguro para os trabalhadores formar sindicatos e negociar maiores direitos. 

A indústria da moda global tem confiado persistentemente em compromissos voluntários que há muito preservam o status quo. A falta de salários dignos, liberdade de associação, negociação coletiva, saúde e segurança e rastreabilidade continuam devido ao fraco progresso na transparência nessas áreas. Um primeiro passo crítico em direção à responsabilidade, portanto, é uma maior transparência.

O que é o Acordo Internacional?

O Acordo de Saúde e Segurança de Bangladesh (agora conhecido como Acordo Internacional de Segurança contra Incêndio e Predial) foi assinado apenas algumas semanas depois do Rana Plaza e é um acordo histórico que reuniu marcas, varejistas, sindicatos e fábricas fornecedoras para tratar da segurança predial e contra incêndio em fábricas de roupas em Bangladesh. 

Foi a primeira vez que marcas de moda globais reconheceram sua responsabilidade direta pelas condições de fábrica em suas cadeias de suprimentos – e 192 marcas de moda estão atualmente inscritas, nenhuma delas é brasileira.

O Acordo Internacional é o primeiro acordo de marca juridicamente vinculativo sobre saúde e segurança do trabalhador na indústria da moda. Foi formado com o entendimento de que medidas voluntárias por si só não são suficientes para abordar questões de saúde e segurança porque carecem de transparência, aplicabilidade e garantia de representação significativa de trabalhadores e sindicatos. 

O Acordo é único por ser apoiado por todas as principais partes interessadas em direitos trabalhistas em Bangladesh e internacionalmente, e por ser juridicamente vinculativo. É o acordo mais importante até hoje para manter os trabalhadores do setor de vestuário seguros.

O Acordo Internacional e as melhorias feitas na indústria de roupas prontas em Bangladesh servem como um exemplo de por que as obrigações obrigatórias, a aplicabilidade e a inclusão indiscutível das vozes dos trabalhadores na tomada de decisões são necessárias para promover mudanças positivas em direção a uma indústria de moda justa. 

Prestamos homenagem aos esforços conjuntos de todas as partes interessadas do Acordo que contribuíram significativamente para locais de trabalho mais seguros para mais de 2 milhões de trabalhadores de fábricas de vestuário em Bangladesh, especialmente os sindicatos globais que representam trabalhadores de vestuário que estiveram na vanguarda deste acordo inovador.

Objetivos do Acordo Internacional

  1. Promover uma cultura de segurança no local de trabalho, treinando Comitês de Segurança e incentivando os trabalhadores a identificar, abordar e monitorar os riscos de segurança nas fábricas.
  2. Prevenção de incêndios, acidentes elétricos, estruturais e de segurança de caldeiras por meio de inspeções e programas de remediação conduzidos por engenheiros especializados e independentes.
  3. Fornecer um meio confiável para que os trabalhadores levantem questões de segurança por meio de um mecanismo de reclamações independente.

Você pode ler mais sobre o Acordo Internacional por meio da Clean Clothes Campaign e assistir ao vídeo abaixo, que celebra as conquistas mensuráveis do Acordo (em inglês).

Acordo do Paquistão

No Paquistão, os sindicatos seguiram o exemplo do Acordo de Bangladesh e estão trabalhando para adaptá-lo às suas próprias circunstâncias nacionais. Desde 2018, as organizações trabalhistas no Paquistão têm feito campanha por um Acordo do Paquistão sobre Incêndio e Segurança Predial.

O Acordo do Paquistão é um acordo juridicamente vinculativo entre sindicatos globais, IndustriALL e UNI Global Union, e marcas de vestuário e varejistas por um período inicial de três anos a partir de 2023. A listagem de fábrica dessas marcas cobriria aproximadamente 300-400 instalações no Paquistão. O programa no Paquistão incluirá os principais recursos do Acordo Internacional de 2021.

No total, 35 marcas e varejistas globais já assinaram o Acordo do Paquistão e, mais uma vez, nenhuma delas é brasileira. O Fashion Revolution se solidariza com todas as organizações que pedem que grandes marcas e varejistas assinem o Acordo do Paquistão e exige que a indústria proteja o progresso para que um desastre como o Rana Plaza nunca mais aconteça.

Falta de transparência custa vidas

O Rana Plaza poderia ter acontecido em qualquer lugar, pois foi um resultado devastador em uma indústria repleta de abusos dos direitos humanos e degradação ambiental. Este desastre expôs que a falta de transparência custa vidas. 

Enquanto 48% das principais marcas e varejistas incluídos no Índice de Transparência da Moda - levantamento feito pelo Fashion Revolution global - estão divulgando suas listas de fornecedores de primeiro nível, as cadeias de suprimentos permanecem complexas, fragmentadas, desregulamentadas e opacas, com metade das marcas pontuando de 0 a 2% no geral na seção Rastreabilidade do relatório.

No nosso país, segundo o Índice de Transparência da Moda Brasil 2022, a média de pontuação de transparência das 60 grandes marcas analisadas foi de 17% - uma queda de 1% em relação a 2021.  

Quão transparente é a indústria da moda?

Desde o Rana Plaza, houve um maior escrutínio da indústria global da moda e pressão para que marcas e varejistas fossem mais transparentes. O Índice de Transparência da Moda é uma ferramenta que o Fashion Revolution desenvolveu para ajudar a trazer mudanças sistêmicas na indústria.

O Índice foi criado em 2017, reconhecendo que a falta de transparência custa vidas e permite que os direitos humanos e as questões ambientais prosperem sem serem resolvidos. são respeitadas, as condições de trabalho são seguras e o meio ambiente é protegido sem saber onde seus produtos estão sendo feitos. 

O objetivo é que essas informações sejam usadas por indivíduos, ativistas, especialistas, representantes dos trabalhadores, grupos ambientais, formuladores de políticas, investidores e até mesmo as próprias marcas para examinar o que as grandes marcas de moda estão fazendo, responsabilizá-las e trabalhar para tornar a mudança uma realidade.

Nossas descobertas destacam um aumento no nível de transparência nos últimos cinco anos. Em 2017, apenas 32% das 100 marcas analisadas divulgaram suas listas de fabricação de primeiro nível. Em 2022, 48% das 250 marcas incluídas no Índice agora divulgam suas listas de fabricação de primeiro nível. Além disso, em 2017, 0% das marcas analisadas divulgaram suas listas de fornecedores de nível 3. Em 2022, 12% das 250 marcas incluídas no Índice agora o fazem. Embora esse progresso seja encorajador, ele levanta a questão: o que ainda está sendo escondido?

Dez anos depois do Rana Plaza, ainda há muito a ser feito na indústria da moda mundial para um ecossistema justo, ético e limpo. E o primeiro passo pode ser questionar #Quemfezminhasroupas. 

*Iara Vidal é representante do Fashion Revolution no Distrito Federal

** Texto veiculado no blog do Fashion Revolution traduzido e adaptado para o português do Brasil