RECEITAS

A cidade que recriou a receita de um pão de 5 mil anos

Um pão assado e 'carbonizado' encontrado enterrado sob uma construção da Idade do Bronze agora pode ser consumido fresquinho numa padaria turca

Pão de centeio.Créditos: Unsplash
Escrito en CULTURA el

Em um sítio arqueológico na Turquia, achados da Idade do Bronze [entre 3300 a.C. e 1200 a.C.] incluíram um pão assado datado em cerca de cinco mil anos, em formato redondo e achatado, medindo 12 centímetros de diâmetro.

O pão foi descoberto em Küllüoba, próximo à cidade de Eskisehir, na região central da Turquia, na Anatólia.

Pão Kulluoba original, em exibição no Museu Arqueológico de Eskisehir.

É o pão assado mais antigo já encontrado durante uma escavação arqueológica, de acordo com Murat Türkteki, um dos responsáveis pelo achado e diretor da escavação de Eskisehir. "Normalmente, você só encontra as migalhas", ele conta à AFP.

Os cientistas foram além: pegaram o pedaço de pão carbonizado, descoberto sob a entrada de uma habitação construída por volta de 3300 a.C., e ajudaram uma padaria turca a recriar sua receita milenar, com uma mistura de técnicas científicas e culinárias.

O pedaço escavado estava suficientemente conservado (embora, também, carbonizado) para ser "recriado", e agora foi posto em exibição no Museu Arqueológico de Eskisehir.

Análises de laboratório indicaram que a receita do pão levava uma farinha moída de forma grosseira, de uma variedade mais antiga de trigo (emmer), e sementes de lentilha. O papel do fermento, por sua vez, havia sido legado a uma folha de planta que continua desconhecida.

O que dificulta a reprodução da receita original é, no entanto, que as sementes antigas da variedade original do emmer antigo já não existem na Turquia. O trigo remonta a cerca de 10 mil anos atrás, e é fruto de um grão ancestral consumido por diversas culturas ao longo da história.

Apesar de pertencer à mesma família do trigo moderno, o emmer ancestral continha níveis mais baixos de glúten e mais fibra, e era associado a benefícios intestinais consideráveis.

Então, para tornar a receita o mais próximo possível de sua versão "original" da Idade do Bronze, a padaria responsável pela reprodução do pão de Eskisehir decidiu utilizar o trigo Kavilca, uma outra variedade antiga do grão, e uma das primeiras a serem domesticadas no Oriente Médio, resultante de uma hibridação entre duas espécies selvagens e, por isso, muito mais resistente às secas e às doenças.

Também foram usados na receita o bulgur, um cereal de trigo integral geralmente usados para a produção de quibes, e, é claro, as lentilhas.

A combinação, de acordo com o gerente da padaria que se dedica à produção da receita antiga (e que serve mais de 300 pessoas por dia), Halk Ekmek (ou "Pão do Povo", em turco), gera uma receita de "pão rico e saciante", com "baixo teor de glúten" e "sem conservantes".

A reconstrução da receita deu aos locais muito o que pensar, além do mais, sobre o cultivo de culturas antigas e mais resistentes, que podem oferecer uma boa alternativa à crise climática. O trigo Kavilca é uma delas.

"Essas terras preservaram o pão por cinco mil anos. Temos o dever de proteger essa herança e de transmiti-la", disse o prefeito de Eskisehir, cidade que sofre com episódios anuais de seca. 

Ele quer reviver o cultivo do Kavilca na região, uma política que considera simbólica para incentivar práticas de resistência aos desafios impostos pelo clima.

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