O último dia 13 de fevereiro marcou o fim do Teatro Ventoforte e da Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul, destruído pelo governo Ricardo Nunes (MDB). Artistas como Marisa Orth, Letícia Spiller, Teresa Seiblitz, Chico César, Pascoal da Conceição, Marcello Airoldi e outros protestam pela preservação da cultura na cidade.
Marisa Orth, que teve sua formação no Ventoforte sob a orientação de Ilo Krugli, ressaltou a seriedade da ação. “Venho aqui manifestar o meu repúdio. Não sei se isso se chama desapropriação, se chama destruição, né? Tudo foi destruído, o que tinha dentro, um cenário de guerra. Então é guerra, é guerra declarada do poder público da cidade de São Paulo contra a cultura, a arte, a educação. Até quando?”, questionou a atriz.
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Tereza Seiblitz também se manifestou contra a destruição e lamentou a perda de um importante espaço de resistência cultural.
“Foi uma situação arbitrária, louca, absurda, de entrarem com máquinas destruindo dois lugares tão importantes. O Ilo Krugli foi uma grande figura do teatro no Brasil, e esse grupo é parte da nossa história. O que aconteceu foi uma violência, um ataque à cultura. Mas a gente segue junto, porque a cultura floresce, mesmo nas brechas do cimento, e vai voltar”, afirmou.
Tanto Chico César quanto Letícia Spiller se manifestaram sobre o ataque ao Teatro Ventoforte e destacaram a investida de governantes contra a cultura paulista.
O cantor e compositor Chico César declarou que "o Teatro sempre agregou, sempre juntou pessoas. Foi um dos primeiros espaços onde me apresentei em São Paulo. Nossa obra não é de cal e pedra, ela é energia, está no campo simbólico, e é assim que vamos combater esse fascismo, que odeia ciência, cultura e gente", enquanto a atriz Letícia Spiller afirmou em vídeo que "esse teatro é referência pra tantos artistas, cuidado pelo nosso mestre Ilo Krugli. É triste ver que nossos governantes não se atentam pra memória e preservação de um patrimônio como esse. Espero que nossa manifestação possa trazer mais consciência e que a gente eleja pessoas que possam cuidar desse tesouro que é nosso".
40 anos de memória em pedaços
O Parque do Povo, localizado na zona oeste da cidade e onde se encontra o teatro, foi tombado em 1995 para garantir a preservação da área destinada a atividades culturais e recreativas. De acordo com a resolução de tombamento, qualquer modificação no local precisa da autorização do Condephaat. O espaço, que abrigava o Teatro Ventoforte e a Escola de Capoeira Angola e tem um acervo de 40 anos de história, também foi reconhecido como patrimônio cultural pela Secretaria Municipal de Cultura em 2016, na gestão de Fernando Haddad.
Em 2023, foi emitida uma liminar de demolição do Teatro Ventoforte, mas a comunidade artística só ficou ciente do fato após a destruição do teatro. Ainda assim, o Condephaat, em nota, reforçou que “intervenções em imóveis tombados necessitam de deliberação, autorização e disponibilização dos documentos necessários para posterior execução pelo autor do pedido”.
Em nota, a comunidade artística de Ventoforte também atribui responsabilidade à atual administração da sede, que, segundo eles, tem degradado e descaracterizado o espaço ao explorar atividades comerciais em serviço próprio.
“Estamos falando, com inegável e reconhecida autoridade, em nome do grande criador Ilo Krugli, que dedicou toda a sua existência, não só à construção e formação de uma nova identidade revolucionária para o teatro dirigido à infância e juventude, mas também à dramaturgia como um todo”, escreveu o grupo.
O que diz a Prefeitura de São Paulo
Em nota à imprensa, a Prefeitura de SP afirmou que "a área foi construída sem autorização da administração e era utilizada de forma irregular para comércio e estacionamento pago", e que os responsáveis foram avisados com antecedência.
O órgão diz ter notificado os responsáveis em 31 de julho de 2023. "Não houve apresentação de documentação que comprovasse o direito de uso do imóvel público". O advogado de Gonçalves, Carlos Alberto Santos Sousa, porém, afirma que além de não ter recebido a notificação, também não consegue ter acesso ao processo administrativo.
Confira a íntegra da nota da prefeitura enviada em g1 abaixo:
"Ainda durante a operação, não foram constatadas as ações culturais no espaço mencionado. A área foi construída sem autorização da administração e era utilizada de forma irregular para comércio e estacionamento pago. Durante as vistorias realizadas, o local encontrava-se em situação de abandono e deterioração. A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente reforça seu compromisso com a regularização dos espaços públicos e a preservação ambiental, garantindo que áreas destinadas ao lazer e convívio social sejam utilizadas de acordo com as normas vigentes, visando a segurança e bem-estar de toda a população. A pasta estuda projetos para uma nova utilização do espaço, respeitando seu valor cultural e social.A administração municipal está à disposição para viabilizar um espaço digno para fomento à prática de capoeira e demais atividades que incentivem o desporto e a cultura na cidade de São Paulo."
A Fórum também entrou em contato com a Prefeitura de São Paulo, que mandou a seguinte nota:
“A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) informa que uma área de aproximadamente 7 mil metros quadrados, que era destinada ao Parque Municipal do Povo - Mario Pimenta Camargo, vinha sendo utilizada de forma irregular e, por isso, um processo de desfazimento foi iniciado com a ciência do responsável.
A SVMA notificou os responsáveis por essas atividades em 31 de julho de 2023 e não houve apresentação de documentação que comprovasse o direito de uso do imóvel público. Diante disso, uma ação de desfazimento foi realizada nesta quinta-feira (13). O objetivo é garantir a desapropriação e reintegração de posse.
No local, não foram constatadas atividades culturais e a construção do imóvel apresentava sinais de abandono, com edifícios em ruínas ou malconservados. Além disso, alguns espaços livres vinham sendo utilizados como estacionamento pago, e havia uma banca precária na entrada que vendia bebidas.
A prática de capoeira pode ser realizada em parques municipais, desde que em espaços devidamente autorizados pela administração pública. Vale ressaltar que todos os instrumentos, quadros e objetos que estavam no local foram retirados pelo responsável da atividade, com ajuda da equipe operacional da Prefeitura de São Paulo.”
Coletivos culturais excluídos do edital de fomento à cultura
Não é a primeira vez que o governo Nunes declara guerra à cultura. No dia 24 de janeiro, uma reportagem da Fórum mostrou que a Justiça mandou o governo reintegrar projetos culturais excluídos da Lei Paulo Gustavo após a denúncia de 30 coletivos culturais das periferias.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) decidiu que todos os grupos artísticos periféricos prejudicados pela desclassificação arbitrária da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (SMC) no edital da Lei Paulo Gustavo em 2024 sejam reintegrados ao programa. A decisão liminar de caráter de urgência foi concedida no último dia 10 de janeiro e cabe recurso.
Em outubro do ano passado, a Fórum trouxe à tona o caso dos mais de 30 coletivos culturais periféricos de São Paulo que estavam sendo afetados pela gestão do prefeito Ricardo Nunes. Diante da situação, os artistas elaboraram e divulgaram uma carta aberta, na qual manifestavam a preocupação com a sobrevivência da cultura local e exigiam a habilitação dos proponentes.
O edital fornece recursos financeiros para a manutenção e desenvolvimento dos projetos, necessários para o fomento da cultura pelos coletivos. Apesar da mobilização, a SMC reintegrou apenas um espaço independente até o momento.
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