Elio Gaspari publicou na Folha desta terça-feira (23), o artigo “A volta da tunga dos livreiros”. Nele, o experiente jornalista defende o megaempresário Jeff Bezos e a sua gigante Amazon e ataca pequenos livreiros e suas lojas de rua.
O verbo “tungar”, usado no título por ele, tem entre seus sinônimos “lograr”, “roubar”. E é disso, enfim, o que o jornalista acusa os donos de livrarias por reclamarem dos megadescontos que a Amazon concede nos livros, sobretudo nos lançamentos.
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A Amazon, como todos sabem, vende toda a sorte de produtos, praticamente tudo o que existe no mercado se encontra por lá. Entre alguns outros itens, os livros são usados pela empresa como chamariz, com os preços muito abaixo até mesmo do custo. O fato, que pode criar em um primeiro momento conforto ao consumidor final, causa um efeito devastador no mercado. E, em médio e longo prazo, pode até vir a acabar com a produção editorial tal e qual a gente conhece atualmente.
O outro lado: os livreiros
Diante do impasse, a Fórum resolveu fazer o que o jornalista não fez, ou seja, conversar com o outro lado, os livreiros.
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A “tunga” a que Gaspari se refere é, na verdade, o projeto de lei 49/2015 que tramita no Senado que cria a Política Nacional do Livro e Regulação de Preços, que é apoiado pelos livreiros. O PL ganhou o apelido de Lei Cortez, em homenagem ao livreiro José Xavier Cortez, fundador da editora que leva seu nome, falecido em 2021. Ele era um dos grandes entusiastas do projeto.
Em seu artigo 6º, o PL diz que o desconto que pode ser dado pela editora à livraria ou ao consumidor final não poderá exceder 10% do preço fixado pela editora durante 12 meses após seu lançamento.
Samuel Seibel, proprietário da Livraria da Vila, em São Paulo, esclarece que segurar o desconto dos lançamentos em 10% “daria à cadeia do varejo a possibilidade de competir em condições parecidas com empresas gigantes que aplicam descontos impossíveis de serem praticados pelos livreiros. Quebrariam todos”.
“Importante destacar que os lançamentos representam apenas 5% do que é comercializado por ano, ou seja, 95% dos títulos circulantes não estariam dentro dessa lei”, destaca.
Na mesma linha segue José Luiz Tahan, proprietário da livraria e editora Realejo, de Santos: “o que se busca não é tabelar os livros, é limitar o desconto nos lançamentos que chegam ao mercado editorial brasileiro”. “Quem deve pensar o preço final do livro é o editor, não se deve deixar para os pontos finais, os varejistas, essa função, porque dessa forma sempre o gigante mata o pequeno”, afirma.
Projetos semelhantes fizeram o livro baixar de preço
Marcus Gasparian, da Livraria Argumento, no Rio de Janeiro, lembra também que “esse projeto busca restringir os descontos apenas dos lançamentos, em 10%, durante 12 meses. Os demais livros podem ser vendidos com o desconto que o varejista online ou livraria quiser”, afirma. “Dessa forma, as livrarias físicas teriam um mínimo de chance de competir e se manter no mercado. Hoje, os descontos concedidos por esses grandes varejistas superam aqueles concedidos pelas editoras para nós e muitas vezes para eles também. Uma lei parecida vigora na França desde os anos 1980 quando a Fnac ameaçava acabar com as pequenas livrarias. O resultado lá foi a abertura de mais livrarias”, comemora.
Tahan corrobora com ele e lembra ainda que “a lei do preço justo está desde 2015 tentando ser implementada, um dos grandes obstáculos é exatamente essa desconfiança sobre se pagar mais caro pelo livro”. Segundo ele, “a lei já vigora em mais de 25 países e sabe qual foi o efeito posterior à implementação? Os livros baixaram de preço, e por quê? Bondade dos editores gringos? Não. Se retirou gordura do custo de produção editorial, se retirou o custo Amazon, a gigante amassa seus fornecedores e pratica descontos também por conta dessas margens enormes que nenhuma livraria consegue ter”.
Livro e sabonete
Entre outras críticas virulentas, Elio Gaspari afirma em sua coluna que livros, sabonetes e caminhões são mercadorias. Tahan discorda:
“Os livros são um produto sim, mas um produto tão especial, nobre e urgente num mundo da desinformação gerada por redes do zap ou informações filtradas por algoritmos que merecem ser protegidos”.
Tahan lembra ainda que “o que uma livraria faz pelo leitor o senhor trilionário nunca fez e nunca fará". "Ela oferece um atendimento mediado pelo livreiro, tem uma curadoria livre do filtro objetivo e limitado do algoritmo, tem um ambiente de encontro entre pessoas que querem buscar conhecimento, tem eventos com presença de escritores, e, além de tudo isso, ela existe nas cidades para ser um lugar de reflexão e aprendizado. Elas, as livrarias, cuidam das pessoas”, encerra.