HISTÓRIA

Brasil Império: como eram o serviço militar e o recrutamento para o exército brasileiro

Castigos físicos, salários baixos e “recrutamento forçado” faziam parte da rotina do trabalho militar no Brasil do século XIX

Militares brasileiros.Créditos: Exército Brasileiro
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Documentos históricos divulgados pelo governo brasileiro oferecem uma visão de como o Exército e a Marinha se organizavam no Brasil Império, ao longo da última metade do século XIX. 

Somente em 1874 foi sancionada pelo Imperador D. Pedro II uma lei que mudava as regras de alistamento nessas duas forças armadas: a nova lei previa o "sorteio" de jovens entre 19 e 30 anos para recrutamento militar

Antes, os novos recrutas eram “caçados” pelas autoridades, e essa caça costumava mirar perfis específicos da população brasileira da época — eram os ditos "cidadãos vadios", que não faziam parte de instituições de ensino (cujo acesso, como se sabe, estava restrito à classe mais abastada de brasileiros instruídos) ou não tinham laços relevantes na sociedade (principalmente ligações políticas), aqueles escolhidos para o serviço militar.

Além disso, em documentos que registram discussões dos legisladores da época, é possível ver discursos como o de um senador pernambucano, que revela ainda outro perfil buscado pelo Exército: os indígenas. Ele diz: "A maneira pela qual se faz o recrutamento dos índios é uma verdadeira caçada. Eles, com muito justa razão, tratam de abandonar seus lares para se acolherem aos vizinhos." 

Os prazos de serviço militar costumavam ser longos, e alguns políticos chegavam a chamá-lo de escravidão; os castigos físicos, por sua vez, envolviam punições com chibata e morte por causas naturais, como desidratação, frio e exaustão. 

Um soldado chegou a levar 800 chibatadas, de acordo com uma denúncia feita à época por Fernandes Chaves, um senador do Rio Grande do Sul. De acordo com outro relato, soldados recrutados inicialmente no Pará e no Amazonas foram levados em longa marcha para o RS, onde, sujeitos a um clima muito diferente do que estavam acostumados, tendiam a "morrer cedo". 

Um batalhão de indígenas vindos do Pará, com aproximadamente 400 pessoas, "todos índios belíssimos", em palavras de um político da Bahia, "morreu quase todo" durante os deslocamentos da Guerra do Paraguai, entre 1864 e 1870.

Os salários oferecidos aos servidores militares também era irrisório; a alimentação, "deficiente"; e o trabalho, "extenuante", diz Ricardo Westin à Agência Senado.  

82% da população brasileira da época era analfabeta, e o recrutamento forçado era muitas vezes utilizado pelo poder público como instrumento de controle social. 

Foi usado, inclusive, como uma maneira de "remover das ruas" a população negra recém-alforriada, que as autoridades temiam provocar insurreições ou levantes que "ameaçassem a segurança do Império". 

Para fazer as guerras do Brasil imperial, contra inimigos continentais nas fronteiras do país, era preciso "dinheiro e sangue", diziam as autoridades militares; e o recrutamento militar era frequentemente referido como uma espécie de "imposto de sangue" — que, no Brasil, assim como os tributos, também tinha caráter regressivo.

A lei de D. Pedro II para o sorteio dos militares entre a população mais jovem foi, no entanto, combatida pela população, e boicotada por seu caráter aleatório. 

Os brasileiros, sobretudo os que tinham alguma influência social, gostariam de poder escolher quem estava destinado ao serviço militar, num gesto consciente e intencional. Os mais ricos nunca participaram do recrutamento senão para apontar quem não deveria ser recrutado. 

No começo do século XX, uma nova lei foi aprovada para permitir o sorteio militar, que foi empregado e então novamente extinto em 1940.

Desde então, a apresentação para o recrutamento ao serviço militar no país é de caráter obrigatório para toda a população do sexo masculino que completa 18 anos de idade — uma pesquisa divulgada pela BBC Brasil em 2022 mostrava que 50% dos homens tinham interesse em ingressar nas forças armadas brasileiras.