“Por que insistimos em transformar a vida em uma coisa útil?”, reflete Ailton Krenak em seu livro “A vida é últil”. O ambientalista, filósofo, escritor, poeta e líder indígena completa hoje 70 anos de idade, com um enorme legado na luta pelos direitos indígenas e ambientais.
Autor de obras como “O amanhã não está à venda“, “Lugares de origem”, “Ideias para adiar o fim do mundo“, e “A vida não é útil”, Krenak já teve publicações em 17 países.
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Nascido em 1953, Ailton Alves Lacerda Krenak é originário da região do vale do rio Doce, em Minas Gerais, uma área que é o lar do povo Krenak e que tem sofrido as consequências da intensa atividade mineradora por multinacionais há décadas.
O nome "Krenak" traz consigo uma rica carga de significado em sua etimologia. Sua origem pode ser decomposta em "kre", que significa cabeça, e "nak", que se traduz como terra. Os Krenak, também conhecidos como Borun, foram apelidados pelos portugueses no final do século 18 como os "Botocudos do Leste", devido ao uso de botoques auriculares ou labiais. Eles também são reconhecidos pelos Tupí como Aimorés, enquanto se autodenominam Grén ou Krén.
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O ano de 2015 trouxe uma catástrofe devastadora para os Krenak. A tragédia de Mariana, em Minas Gerais, resultou na destruição completa da fauna e flora ao longo do Rio Doce, atingindo de forma dramática a principal fonte de sustento dos Krenak. No entanto, essa tragédia foi apenas mais um capítulo em uma longa história de desafios que a comunidade enfrenta desde a chegada dos portugueses às terras brasileiras. Hoje, esses povos são representados por uma comunidade de pouco mais de 600 sobreviventes, que perseveram em sua ocupação ancestral na região.
Depois de se mudar com sua família para o Paraná, Krenak se tornou jornalista. No entanto, foi somente na década de 1980 que ele começou a se dedicar exclusivamente à causa indígena. Em 1985, ele fundou a organização não governamental Núcleo de Cultura Indígena, que tem como objetivo levar a cultura indígena através de festivais e encontros entre diferentes povos.
Alguns anos depois, em 1987, desempenhou um papel de extrema importância nas acaloradas discussões da Assembleia Constituinte, que culminaram na promulgação da atual Constituição brasileira. Diante do plenário do Congresso Nacional, ele realizou um gesto simbólico. Com uma pasta de jenipapo, cobriu todo o seu rosto com uma camada escura, um ato que ecoaria como um alerta ao retrocesso iminente dos direitos indígenas no país.
Seu protagonismo na assembleia constituinte foi verdadeiramente determinante. Na Constituição de 1988, o "Capítulo dos Índios" foi inserido, garantindo, pelo menos em teoria, os direitos dos povos indígenas à terra que ancestralmente ocupavam e à preservação da cultura originária. Assista ao vídeo.
Porém, como a história mostraria, a luta pela efetivação desses direitos seria uma batalha contínua, permeada por desafios e obstáculos que persistem até os dias de hoje, inclusive na questão amplamente discutida do Marco Temporal.
Sua atuação incluiu a fundação da União das Nações Indígenas (UNI) e a Aliança dos Povos da Floresta, duas iniciativas essenciais que se dedicam a salvaguardar os direitos e territórios dos povos indígenas, bem como a preservação das florestas que habitam.
Em um marco significativo em 2005, Krenak desempenhou um papel na coautoria da proposta da UNESCO que resultou na criação da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço. Desde então, ele continua a contribuir como membro ativo do comitê gestor desta importante reserva, dedicando-se incansavelmente à conservação do ecossistema.
Como forma de reconhecimento de sua valiosa contribuição à cultura brasileira e à causa indígena, Ailton Krenak foi honrado como comendador da Ordem do Mérito Cultural da Presidência da República, uma distinção reservada a personalidades e instituições que desempenham um papel fundamental na promoção e celebração da riqueza cultural do Brasil.
Filosofia de Ailton Krenak
Além disso, sua dedicação e impacto no campo acadêmico e social lhe conferiram o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), além de estar concorrendo atualmente a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. O ativista se destacou como um crítico incisivo do sistema capitalista e do eurocentrismo que permeia a percepção convencional da civilização.
Sua abordagem crítica se estende ao cerne do capitalismo e ao colonialismo que desempenharam um papel central na formação do povo brasileiro, temas que ele aborda de forma consistente em suas obras.
Contrariando o que é ensinado nos livros de História, Krenak destaca que nunca houve um momento de rendição por parte dos povos indígenas diante das invasões e da imposição colonial. A narrativa promovida pelo filósofo resgata a resistência contínua dos povos originários desde a colonização europeia, desafiando assim a narrativa tradicional e eurocentrada da história brasileira.