MODA E POLÍTICA

Já pensou em morar em uma casa feita de roupas descartadas?

Na França, projeto de uma estudante transforma resíduos têxteis em tijolos para construção de moradias; a ideia é excelente, mas precisa de escala, o que só é possível com políticas públicas

Créditos: Reprodução internet - Tijolo feito de resíduos têxteis
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A indústria têxtil é uma das mais poluentes do mundo. Uma das facetas mais visíveis desse rastro deixado por esse braço da moda são os resíduos das roupas que não queremos mais e que têm mudado paisagens mundo afora. Talvez a mais famosa seja a montanha de roupas descartadas no deserto do Atacama, no Chile, que pode ser vista até do espaço.

Vem da França, berço da moda de alto luxo, uma alternativa para dar novo uso para os resíduos têxteis. Trata-se do FabBRICK: tijolos feitos a partir de roupas que não usamos mais.

Essa ideia, ainda em escala muito pequena, é de Clarisse Merlet. Enquanto era estudante de arquitetura, ela percebeu o quanto a construção é uma indústria poluente e intensiva em energia, então decidiu encontrar uma maneira de construir de forma diferente, especialmente utilizando resíduos de matéria-prima, como garrafas plásticas, papelão ou copos plásticos.

Até que a jovem se deu conta de que a indústria têxtil era pouco considerada em relação à reciclagem de uma das fibras mais usadas nessa indústria, o algodão, que reúne propriedades relevantes na área da construção civil: é considerado um isolante térmico e acústico eficiente.

Daí surgiu a ideia de reutilizar roupas descartadas, transformando-as em uma matéria-prima inovadora. Com base nas características dos têxteis recuperados, ela projetou um material de construção ecológico, com propriedades isolantes térmicas e acústicas.

Em 2017, ela apresentou sua pesquisa e seu primeiro protótipo para o concurso FAIRE. Ela foi uma das vencedoras e recebeu apoio do Pavillon de l'Arsenal para desenvolver o tijolo. Desde então, a FabBRICK se tornou a principal agência de design para valorização têxtil, empregando cerca de uma dúzia de pessoas.

Tijolo ecológico

Com três camisetas recicladas e uma cola ecológica, é possível fazer um tijolo. E o mais impressionante é que ele é especialmente isolante térmica e acusticamente. 

Clarisse decide então lançar uma campanha de financiamento coletivo na internet para financiar o projeto que rapidamente ganha impulso. Hoje, 42 mil tijolos foram criados a partir de 12 toneladas de roupas recicladas.

Como é feito

Falta escala

Diante do passivo da indústria da moda, que contribui com aproximadamente 2,1 bilhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) em um único ano, o equivalente a 4% de todas as emissões globais e comparável às emissões anuais de GEE da França, Alemanha e Reino Unido combinados, a iniciativa da francesa é excelente, mas insuficiente, e precisa ganhar escala.

O colossal impacto de carbono das roupas ocorre em todas as etapas da cadeia de suprimentos da moda e do ciclo de vida do produto. No entanto, 70% das emissões da moda se originam de atividades como produção e processamento de matérias-primas. 

Apesar disso, a maioria das grandes marcas ainda não toma medidas básicas para a devida diligência ambiental em seus fornecedores. De um modo geral, tingimento e acabamento, preparação de fios e produção de fibras tendem a ser as fases que mais deixam pegadas de carbono. 

Esses processos de alto impacto ambiental são massivamente subestimados pelas marcas de moda, que na maioria das vezes apenas contabilizam as emissões de suas próprias operações, como transporte e varejo.

O impacto da moda na crise climática não diz respeito apenas às emissões de carbono, mas à água, produtos químicos, desmatamento, resíduos têxteis, microplásticos e muito mais.

Fico na torcida para que essa ideia inovadora seja contemplada por políticas públicas que deem escala a essa revolução. Por ora, é uma boa ideia para um público restrito.

*Iara Vidal (@iaravidal) é representante do Fashion Revolution em Brasília (DF) e pesquisadora independente dos encontros da moda com a política.