O jogador de futebol Vinicius Junior, mais conhecido como Vini Jr, já foi alvo de diversos ataques racistas nos estádios em que são realizados jogos pelo campeonato espanhol de futebol, onde atua pelo clube Real Madrid. Nesta segunda-feira (12) ele usou uma calça jeans como forma de expressar a sua luta antirracista.
O atacante, que é uma das principais estrelas da seleção brasileira, desembarcou em Barcelona, na Espanha, para disputar amistosos contra Guiné e Senegal. Os jeans usados por ele com círculos brancos, é uma criação da Denim Tears em parceria com a Levi's. A peça tem o valor de R$ 1.600 e aborda a conexão do algodão com a escravidão e a colonização nos Estados Unidos. Os círculos brancos representam grinaldas do material e estão presentes também em moletons da coleção.
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A peça escolhida por Vini Jr. foi desenvolvida pelo designer e consultor criativo estadunidense Tremaine Emory. Negro, nascido na capital do estado da Geórgia, Atlanta, ele foi criado na Jamaica e no bairro Queens, em Nova York, e usa as peças que cria para expressar a sua luta antirracista.
A calça escolhida pelo jogador brasileiro faz parte da coleção Diáspora Africana da marca de Emory e conta uma história de como o algodão usado para fabricar o tecido do jeans, o algodão, está associado à escravidão e à colonização.
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Mas de que forma ocorre essa associação? Qual história nos conta a calça jeans de Vini Jr?
O algodão chega à Europa
Até os anos 1600, tecidos de algodão eram quase míticos para a maioria dos europeus do norte, que usavam roupas mais grossas e ásperas de lã ou linho. Mas na Índia, depois de milhares de anos de experiências, os tingidores da costa de Coromandel criaram um elaborado sistema de impregnar de tinturas vibrantes como garança (do amarelo ao vermelho escuro) e índigo (azul) no tecido, usando fixadores como suco de limão, urina de cabras, excremento de camelo e sais metálicos. Bem diferente do que era produzido na Europa, que perdia a pigmentação depois de poucas lavagens, os tecidos indianos – o chintz e a chita – retinham a cor indefinidamente.
Até que o explorador português Vasco da Gama transportou a primeira carga de têxteis com sua expedição pioneira de 1498 ao redor do cabo da Boa Esperança e apresentou aos europeus a primeira experiência real com a fibra macia e colorida. Como tecidos, a chita e o chintz entraram para a rotina dos costumes europeus pela decoração de interiores.
A partir dos anos 1600, londrinos bem de vida e habitantes de outras poucas cidades da Europa começaram a decorar as casas com os padrões florais e geométricos com tecidos de chita. Como vestimenta, de início o algodão foi considerado leve demais para o clima do norte da Europa, principalmente no inverno.
Nas últimas décadas do século 17 um estranho círculo de retroalimentação começou a ressoar entre a elite da moda da sociedade londrina. Todos começaram a ansiar por usar algodão em seus corpos. Cortinas eram cortadas e convertidas em vestidos, sofás eram dilacerados e transformados em jaquetas ou blusas. Talvez o mais importante, roupas de baixo feitas de algodão, que podiam ser usadas nas profundezas do inverno e isolavam a pele das irritações da lã, se tornaram elemento essencial do guarda-roupa de uma dama.
Algodão, escravidão e colonização
O surto de interesse por têxteis indianos foi um tremendo impulso para a Companhia das Índias Orientais, que importou 250 mil peças em 1664 e passou a importar 1,76 milhão vinte anos depois. No auge da euforia, mais de 80% do comércio da companhia era dedicado à chita.
Entre 1750 e 1769, a exportação britânica de tecidos de algodão aumentou mais de 10 vezes, cita Eric Hobsbawm em A Era das Revoluções (1789-1848). O historiador marxista explica que a indústria algodoeira britânica tinha originalmente se desenvolvido como um subproduto do comércio ultramarino.
A indústria algodoeira foi criada e alimentada pelo comércio colonial britânico. No século 18 esse setor produtivo se desenvolveu perto do centro de comércio de pessoas pretas escravizadas, Bristol, Glasgow e, principalmente, Liverpool, os mais importantes portos coloniais da Inglaterra. “O algodão e a escravidão marcharam juntos”, aponta Hobsbawm. A indústria algodoeira era estimulada por cada fase desse comércio desumano, mas sempre em rápida expansão.
Revolução industrial
A indústria algodoeira reunia excelentes condições para tentar empresários privados a se lançarem na aventura da Revolução Industrial. Os inventos que revolucionaram esse setor, como a máquina de fiar, o tear movido a água, a fiadeira automática, o tear a motor, eram simples e baratos. A expansão dessa atividade também podia ser facilmente financiada. “Podiam ser instalados, se necessário peça por peça, por homens que começavam com algumas libras, emprestadas”, afirma Hobsbawm.
Além disso, toda a matéria-prima para a nascente indústria têxtil – o chão de fábrica da indústria da moda – vinha das colônias no exterior. O suprimento podia ser expandido por que eram oferecidos aos brancos nas colônias: a escravidão e a abertura de novas áreas de cultivo.
O historiador britânico avalia como correta a perspectiva que viu a história da revolução industrial britânica a partir do algodão. O poder de transformação da indústria algodoeira era menor do que, por exemplo, de uma cervejaria, que exigia investimentos técnicos e inovações mais avançadas, mas que impactava muito pouco a economia à sua volta. As demandas da indústria algodoeira para crescer estavam disponíveis: as atividades nas novas áreas industriais, máquinas, inovações químicas, eletrificação industrial, uma frota mercante.
Em 1833, um milhão e meio de pessoas eram empregadas direta e indiretamente pela indústria algodoeira, outras indústrias como alimentos e bebidas não empregavam nem perto disso.
Outro ponto crucial para o algodão ter sido o carro-chefe para a Revolução Industrial foi a assombrosa expansão da indústria algodoeira e sua contribuição para o crescimento econômico da Grã-Bretanha até a década de 1830. A quantidade de algodão bruto importada pelos ingleses subiu de 11 milhões de libras-peso, em 1785, para 588 milhões em 1850. A produção de tecidos passou de 40 milhões para 2,025 bilhões de jardas.
Os produtos de algodão representavam entre 40% e 50% do valor anual declarado de todas as exportações britânicas entre 1816 e 1848. “Se o algodão florescia, a economia florescia, se ele caía, também caía a economia,” pontua Hobsbawm.
Que o algodão mudou o mundo é indiscutível. A questão mais interessante é de como surgiu esse intenso apetite pelo algodão capaz de alimentar e impulsionar a Revolução Industrial e a modernidade. Para além das condições materiais e históricas que Hobsbawm pontua, é preciso considerar também o sistema da moda, no qual a indústria algodoeira – do cultivo ao beneficiamento – e a têxtil e de confecção estão inseridas.
Moda é a filha predileta do capitalismo
A Moda tem sido um espelho icônico das reviravoltas, avanços e recuos do sistema capitalista. Isso ocorre desde o primeiro giro da Revolução Industrial, quando abandonamos o modo artesanal de fazer roupas, graças ao carvão como energia e ao tear como modo mecânico de produção. Passou pelo segundo, com a energia elétrica e a máquina de costura. Pelo terceiro, com o salto da indústria química pós-Segunda Guerra Mundial, que trouxe o poliéster e o nylon. E chegou ao quarto giro, agora, a época dos algoritmos, da automação, da internet das coisas e da obsolescência da mão de obra humana.
O algodão é um dos fios condutores dessa história da moda e do capitalismo. A indústria fashion, por reunir todos os atributos para fazer prosperar o grande capital (culto a fantasias (fetiches) e novidades, instabilidade, temporalidade e efemeridade). É a filha predileta do capitalismo.