Em mais um episódio típico da hipocrisia bolsonarista foi revelado que em dezembro de 2021 o então governo de Jair Bolsonaro (PL) aprovou, através da Secretaria Especial de Cultura de Mário Frias, o financiamento via Lei Rouanet de um livro que buscava fazer proselitismo armamentista e levá-lo às escolas do país.
A contrapartida para aprovação do financiamento era de que haveria a distribuição gratuita a bibliotecas escolares e a realização de palestras sobre o tema para alunos maiores de 18 anos de instituições de ensino públicas. Afortunadamente, o Governo Lula suspendeu o projeto no mês passado.
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No mesmo mês que fechava o ano de 2021, o projeto intitulado “Armas e Defesa: A História das Armas no Brasil” conseguiu levantar R$ 336 mil com o patrocínio da Taurus, principal fabricante de armas do Brasil. Mesmo com o dinheiro transferido em março de 2022, no final do mesmo ano, em dezembro, a empresa tentou enviar mais R$ 86 mil para o projeto.
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O Governo Lula ‘acabou com a brincadeira’ no último mês de abril, com base em avaliação da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic) que apontou “aparente cunho publicitário” e “clara apologia ao uso de armas” no projeto.
O projeto
A proposta de captação foi assinada por Rodrigo Cezar Moreira Kling, que seria sócio da editora responsável pela publicação do livro: a Alexa Editora. Além disso, teve a cara de pau de rotular a obra com tal conteúdo como sendo de “valor humanístico”. Assim foi liberado para captar os recursos a partir da Lei Rouanet entre 8 e 12 de dezembro de 2021. O prazo foi considerado como "recorde" para o tipo de trâmite exigido.
De acordo com a avaliação da Cnic, o projeto apresenta uma série de fragilidades. A primeira delas está na própria descrição do projeto, que não o sustenta teoricamente e apenas listaria uma série de leis e normas que tornariam seu financiamento possível. Não há qualquer apontamento sobre sua relevância do ponto de vista cultural. Além disso, o enquadramento do projeto como da área de “humanidades” foi criticado pela avaliação do órgão.
A contrapartida, que oferecia 5 palestras gratuitas presenciais em escolas públicas, que seriam transmitidas ao vivo nas redes, é outro problema. De acordo com a Cnic não há qualquer conteúdo que possa ser considerado pedagógico descrito na apresentação do projeto.
Em outro ponto apontado pelo órgão, a ausência de explicações sobre o livro em si bate com a ausência de questionamentos, que deveriam ter sido feitos pela Secretaria Especial de Cultura, no ato da sua apresentação.
Por fim, a Cnic apontou mais dois problemas: a ausência de prestação de contas e possíveis conflitos de interesse por parte da Taurus, patrocinadora do livro. Em relação à prestação de contas, o proponente já havia gastado R$ 200 mil desde dezembro de 2021 sem apresentar quaisquer notas fiscais cadastradas no sistema que acompanha as captações de recursos. Acompanhar tais gastos é uma das exigências da Lei Rouanet.
“A Cnic recomendou a interrupção do projeto. O Ministério da Cultura acatou, interrompemos e pedimos uma série de informações. Qual a relação do patrocinado com o patrocinador? Qual o conteúdo das palestras apresentadas como contrapartida? Quem são as pessoas que vão dar essas palestras? Todas essas informações deveriam ter sido cobradas [quando o projeto foi apresentado] e não foram. O projeto foi aprovado de uma forma muito frágil”, declarou ao Uol o secretário de Economia Criativa e Fomento Cultural do MinC, Henilton Menezes.
A principal preocupação de Menezes e do MinC é motivada por um possível proselitismo armamentista. Menezes apontou que não foi exposto qualquer método ou abordagem sobre o tema que demonstrasse seriedade. Tudo indica que projeto incorreria em uma apologia aberta ao uso de armas. E bem, financiado pela principal produtora de armas do país, é de se entender a conclusão.
“É uma clara apologia às armas, respaldada pela narrativa do governo anterior de estímulo ao armamento da população. A sinopse da obra, escrita pelo proponente, prevê a inclusão de capítulos dedicados às políticas públicas armamentistas adotadas, o que caracteriza desvio de finalidade”, explicou Menezes.
Nem Kling, o proponente; nem a Taurus, a patrocinadora; e nem Mário Frias cuja secretaria aprovou o projeto, se pronunciaram para a imprensa sobre o episódio. Além disso, também não foi encontrada qualquer contato útil da Editora Alexa. De acordo com a reportagem do Uol, os e-mails retornaram e os números de telefone não atenderam a chamada.
O que pode acontecer agora
O projeto está congelado desde 24 de abril e aguarda o prazo estipulado de 20 dias para que o proponente e a editora se manifestem. Até o momento, não foi registrado qualquer retorno.
Caso todos os questionamentos sejam respondidos até o próximo final de semana, prazo dado para a manifestação, há dois caminhos a serem seguidos. Um deles é a aprovação, mas só para o caso das respostas e argumentações se mostrarem coerentes e conseguirem rebater, com fundamentação, as críticas elaboradas pela avaliação da Cnic. Caso não haja respostas ou elas não sejam satisfatórias nesse sentido, o proponente será obrigado a devolver o dinheiro captado.