CIÊNCIA

'Mensageiro cósmico': Partícula subatômica encontrada no fundo do Mediterrâneo atravessa a matéria

De acordo com as análises, essa partícula "supercarregada" tem origem cósmica, isto é, deve ter partido de fora da Via Láctea, como de um buraco negro em atividade.

Instrumento para estudo de neutrinos.Créditos: MIT
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Um estudo publicado nesta quarta-feira (12), realizado por um grupo de cientistas internacionais composto por mais de 250 pesquisadores, de 21 países e 68 instituições, revelou uma descoberta surpreendente do KM3Net, um conjunto de telescópios de observação subaquática instalados há cerca de 3 mil metros de profundidade no mar Mediterrâneo, entre as costas de Itália e França.

O KM3Net foi capaz de captar uma partícula subatômica de características "cósmicas", também apelidada "mensageiro cósmico", por sua neutralidade considerável — a partícula não contém massa significativa, e é eletricamente neutra. Por isso, é denominada "neutrino". 

Os neutrinos se caracterizam por uma interação fraca com a matéria, e podem atravessar planetas inteiros sem qualquer detecção. Essas partículas se originam de reações nucleares, como são as explosões ocorridas na superfície de corpos celestes (como o Sol), carregadas de energia atômica. Também podem ser produzidos por aceleradores de partículas

Eles existem, além disso, em três "tipos", e podem se transmutar de maneira alternada entre eles: há os neutrinos eletrônicos, associados a elétrons; neutrinos múonicos, associados ao múon (partícula subatômica similar ao elétron, mas com até 200 vezes mais massa); e neutrinos tauônicos, associados ao tau (partícula subatômica também chamada de "elétron superpesado"). 

O trabalho da estrutura de sensoriamento responsável por capturar a trajetória dos neutrinos é estimar sua origem e seu percurso no planeta, ou fora dele. De acordo com o estudo publicado ontem (12), o neutrino identificado, denominado KM3-23021, foi visto ainda em 2023, a partir do detector ARCA, parte do KM3Net. 

Mas só agora concluíram-se as análises de trajetória dessa partícula, que teve sua energia estimada em até 220 petaelétronvolts (PeV), um valor recorde, até 30 vezes maior do que é de costume.

Os neutrinos, e especialmente aquele identificado em 2023, são muito mais potentes do que as partículas da luz, os fótons, que existem de forma mais abundante no universo. 

De acordo com as análises, esse neutrino "supercarregado" tem origem cósmica, isto é, deve ter partido de fora da Via Láctea, como de um buraco negro em atividade.

E, embora os neutrinos tenham uma trajetória reta, o que costuma fazer com que sejam partículas de trânsito vertical, este viajava numa direção quase horizontal, o que surpreendeu os pesquisadores.

A identificação ocorreu quando o KM3-23021 atravessava a plataforma continental de Malta, ultrapassando, ou melhor, transpassando rochas e outras matérias até ser detectado por sua energia pelos sistema de telescópios subaquáticos.

Os neutrinos estão presentes em quase todos os processos cósmicos, do Big Bang às supernovas e buracos negros. Podem ter, inclusive, influenciado a formação das primeiras estruturas do universo, quando o Fundo Cósmico de Neutrinos, um mar de "neutrinos primordiais", se formou, apenas poucos segundos após o Big Bang.

Embora os neutrinos tenham alguma massa, ela é tão insignificante que faz imaginar sobre a matéria escura (uma espécie de matéria que não interage com a matéria comum, nem consigo mesma, apenas a partir de fenômenos de gravitação). Acredita-se que exista, inclusive, uma espécie de neutrino "estéril" no universo, ligado à matéria escura, e que interaja apenas gravitacionalmente.

As primeiras detecções em Terra do "mensageiro cósmico" foram feitas no Polo Sul da Antártida, a partir do IceCube Neutrino Observatory, o primeiro telescópio dedicado a essa função. 

 

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