A vida é um acidente que aconteceu apenas na Terra? Há outros lugares aptos a produzir e abrigar vida no universo? Estaremos sozinhos nessa imensidão aparentemente infinita? Essas e outras perguntas têm intrigado a humanidade a milhares de anos. Desde o homem antigo, que olhava para as estrelas e as enchia de deuses, anjos e outras criaturas – atravessando o tempo até a recente confirmação científica da existência de exoplanetas que deu uma margem mais racional para a especulação acerca da possibilidade de vida extraterrestre.
De fato, o espaço foi e continua sendo um infinito mistério. Obras de ficção já esmiuçaram as mais diversas possibilidades de vida extraterrestre e suas eventuais interações com seres humanos da Terra. Nazistas, comunistas e liberais também já tiveram suas próprias teorias. Agora, com a possibilidade de detectar exoplanetas orbitando em outros sistemas solares, o assunto volta a estar em pauta. Mas o que diz a ciência a esse respeito?
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Para compreender o que já se sabe sobre os exoplanetas e se há ou não chances de que se encontre algum tipo de vida fora da Terra – ainda que sejam bactérias e micro-organismos – a Revista Fórum entrevistou Salvador Nogueira, jornalista, divulgador científico e especialista em Astronomia que, recentemente, publicou o livro ‘Exoplanetas’, da série My News Explica, pela editora Almedina Brasil.
Para Nogueira, a principal motivação para a curiosidade da humanidade a esse respeito tem raiz naquilo que definiu como “solidão cósmica”, ou seja, a sensação de se estar sozinho no universo e a busca para algum contexto que explique nossa existência.
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“No fundo, é um esforço para entendermos nós mesmos, por contraposição ao que há lá fora. E o drama da solidão cósmica também parece ser algo muito presente no ser humano. Mesmo antes das modernas reflexões sobre vida extraterrestre, olhávamos para o céu e usávamos nossa imaginação para povoá-lo com deuses. Olhar para a imensidão do universo pode induzir uma grande sensação de solidão, que tentamos aplacar buscando ‘o outro’ lá fora”, afirma.
Entre as obras de ficção que permeiam o tema, uma em especial marcou a geração da década de 1990. O seriado Arquivo X trazia dois personagens, os agentes Fox Mulder (David Duchovny) e Danna Scully (Gillian Anderson), do FBI, que investigavam casos "muito além da imaginação" - para parafrasear outro seriado correlato. Suas personalidades alcunhavam a principal polarização do debate público a esse respeito. De um lado, Mulder era alguém que realmente “queria acreditar” nos extraterrestres, admitindo-o para a parceira mas nunca em público; ao passo que Scully era considerada uma “cética” e, mesmo quando a sugestão era muito forte, mantinha-se firme nos seus princípios.
Nesse sentido, Nogueira aponta que a descoberta dos exoplanetas é um verdadeiro combustível para aqueles que se interessam pelo debate e estimula essa dicotomia. Isso ocorre porque por um lado as possibilidades são enormes e, por outro, as evidências são nulas. Logo, o eterno debate entre Mulder e Scully ganha força no mundo real com o avanço da ciência.
“Estamos em um momento em que, cientificamente, as possibilidades de vida extraterrestre são bem concretas, mas ainda carecemos de qualquer evidência delas. Isso motiva tanto quem acredita que sim, existe vida fora da Terra, como quem aposta que não. As duas opiniões são igualmente válidas no momento. O empolgante, no meu entender, é que após séculos de especulações estamos chegando no momento em que essa pergunta poderá ser definitivamente respondida. Acho improvável que passemos mais cem anos sem saber se existe vida fora da Terra”, explica Salvador Nogueira.
Exoplanetas
Durante muito tempo foi especulado, por exemplo, a existência de planetas fora do nosso Sistema Solar, ou seja, os chamados exoplanetas. Os astrônomos sempre consideraram o sol como uma estrela, ou melhor, a nossa estrela.
A partir daí, as indagações se não haveria mais planetas orbitando pelo universo, ao redor de outras estrelas, geraram dúvidas até 1995. Naquele ano, Michel Mayor e Didier Queloz, cientistas da Universidade de Genebra, na Suíça, anunciaram a detecção do primeiro exoplaneta. Desde então a ciência vem aprimorando os métodos de detecção. O último grande anúncio foi feito em janeiro passado, quando o exoplaneta LHS 475 b foi detectado pelo Telescópio James Webb.
Detectar exoplanetas é tarefa dificílima, porque eles são muito menos brilhantes que suas estrelas e, do ponto de vista da Terra, ficam muito próximos delas, o que reduz muito (mas não totalmente) a chance de uma observação direta. Nogueira nos explica que as descobertas são feitas através de evidências indiretas.
“Os astrônomos desenvolveram, ao longo das últimas décadas, várias técnicas que permitem identificar a presença desses astros. As duas mais prolíficas são a de medição de velocidade radial e a de fotometria do trânsito. A primeira mede o bamboleio sutil que a estrela faz conforme um planeta gira ao redor dela e a atrai gravitacionalmente para lá e para cá. A segunda mede a redução discreta de brilho de uma estrela quando um planeta orbitando ao seu redor passa à frente dela. Essas técnicas, a despeito de serem as melhores que temos, têm limitações e imprecisões, de forma que os astrônomos só cravam que um exoplaneta existe mesmo quando as medições são muito seguras -- e em geral envolvem a aplicação de duas ou mais técnicas de detecção diferentes para confirmar sua existência. É por essas combinações que podemos ter a certeza de que os exoplanetas existem mesmo. Em alguns casos raros, pudemos até fazer observação direta e vê-los orbitando sua estrela ao longo do tempo. Procure no Google o sistema HR 8799. São quatro planetas detectados por imagem, e o vídeo deles orbitando sua estrela é encantador. No livro, eu abordo as limitações que esses métodos todos têm e como o uso combinado deles pode não só confirmar a existência dos exoplanetas, como revelar características específicas deles”.
A seguir ele explica que todo tipo de planeta já foi detectado pelos astrônomos. A classificação vai cruzar duas tabelas de informações: o tamanho – sempre em comparação ao tamanho da Terra – e o tipo – sempre comparado ao que já conhecíamos em nosso sistema solar. Uma “superterra”, por exemplo, seria um exoplaneta rochoso (como a Terra), porém muito maior. Já um “mininetuno” seria a forma de se referir a um planeta gasoso (como Netuno), porém menor que a Terra.
“Já foram detectados exoplanetas de todos os tipos, inclusive alguns que não têm correspondente no Sistema Solar, como as superterras, os mininetunos e os superjupíteres (planetas gasosos maiores que Júpiter). A natureza aparentemente fabrica planetas em muitos tamanhos e tipos diferentes. Além disso, eles também têm órbitas muito diferentes entre si. Já vimos planetas gasosos muito mais próximos de sua estrela que os do nosso Sistema Solar. E como a distância à estrela determina a quantidade de radiação que incide sobre ele, isso influencia diretamente o ambiente. Também há estrelas de todos os tamanhos, e elas influenciam de forma decisiva as condições atmosféricas e superficiais de seus planetas”, conta Nogueira.
Afinal de contas, há possibilidade de vida?
Salvador Nogueira nos explica que mesmo com tantos e tão diferentes exoplanetas, ainda não sabemos se esses planetas de fato têm condições para abrigar vida. O que existe são hipóteses [de que haja condições para vida em alguns desses exoplanetas] baseada em dados que já podem ser coletados e sempre pensamento comparativamente em relação à Terra.
“A possibilidade existe, pois muitos deles são rochosos como o nosso (podemos determinar isso medindo a densidade deles, algo que emerge naturalmente da detecção deles por velocidade radial e trânsito ao mesmo tempo) e estão a uma distância de sua estrela que os submete a um nível de radiação similar ao que o Sol emite sobre a Terra, colocando-os na chamada zona habitável do sistema. Trata-se da faixa em torno da estrela em que um planeta similar ao nosso poderia ter temperaturas compatíveis com a existência de água em estado líquido de forma estável. Como a água é o composto mais essencial à vida, essa é a referência que os astrônomos usam para determinar a chance de um exoplaneta ser habitável”, explica.
“Mas trata-se de uma simplificação grande”, prossegue.
“Há muitos outros fatores que influenciam na habitabilidade. Um planeta pequeno, como Marte, tem mais dificuldade de reter uma atmosfera que permita a presença de água em estado líquido, e mesmo que fosse deslocado para a posição da Terra talvez seguisse inabitável. Então, o que a ciência pôde fazer até o momento foi descobrir planetas com o potencial para a habitabilidade. Agora começamos a entrar em uma nova fase, com equipamentos como o Telescópio Espacial James Webb, em que poderemos detectar a composição da atmosfera de alguns desses planetas. Isso deve permitir fazer a distinção entre os possivelmente habitáveis e os de fato habitáveis. E, quem sabe, até revelar indícios de planetas potencialmente habitados. Afinal, a composição da atmosfera da Terra é fortemente influenciada pela presença de vida aqui. Não haveria oxigênio nela, não fosse a fotossíntese. Será que podemos encontrar evidências de vida na atmosfera de outros planetas? É nessa fase empolgante que começamos a entrar agora e que deve se aprofundar ainda mais com telescópios especializados, como o Habitable Worlds Observatory, que a Nasa pretende lançar na década de 2040 e que poderia fazer imagens diretas de planetas como a Terra em órbita de estrelas como o Sol”, projeta Nogueira.
No entanto, pondera, o que se vive é uma grande expectativa. Até o momento existe essa possibilidade de detectar exoplanetas com “potencial para habitabilidade” e muito entusiasmo da comunidade científica com os avanços que podem chegar nos próximos anos. Mas, apesar disso, ainda não há nenhuma evidência sobre vida extraterrestre validada cientificamente.
“Como dizia o astrônomo Carl Sagan, afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias, e até hoje nenhuma das evidências colhidas rompeu essa barreira. No fim do século 19, Percival Lowell achou ter visto ao telescópio canais artificiais em Marte. Estudos posteriores revelaram que era ilusão de óptica. Nos anos 1970, as sondas Viking, da Nasa, foram a Marte, e um dos experimentos destinados a detectar vida deu positivo. Posteriormente, mostrou-se que se tratava de uma reação química com percloratos, que até então não se sabia existirem na superfície marciana, e o resultado não passou de um falso positivo. Nos anos 1990, muito se falou sobre o meteorito ALH 84001, proveniente de Marte, que tinha dentro de si traços que pareciam ser de fósseis bacterianos. Sempre que uma afirmação dessas aparece na ciência, a comunidade acadêmica faz seu máximo esforço para escrutinar o resultado. No fim, ficou demonstrado que processos abióticos, sem envolver vida, poderiam ter produzido aqueles traços. Mais recentemente, astrônomos disseram ter detectado fosfina na alta atmosfera de Vênus, que poderia indicar a existência de micro-organismos nela. O resultado foi fortemente contestado, e há grande incerteza sobre se há mesmo fosfina lá, que dirá de origem biológica”, explica.
Nogueira finaliza dizendo que demonstrar a existência de vida extraterrestre é extremamente difícil e, a exemplo da confirmação dos exoplanetas, exigirá múltiplas técnicas e linhas de pesquisa simultâneas apontando na mesma direção.
“Nosso problema é que, a despeito de todos os esforços, não sabemos ainda como a vida se forma. Por isso não temos condições de afirmar se ela surge sempre que esses componentes [água, oxigênio etc.] estão disponíveis ou não. Com apenas a Terra como exemplo de planeta vivo, somos incapazes de estimar a frequência com que a vida surge no universo. É algo que esperamos mitigar nos próximos anos e décadas. Mas é bem provável que a descoberta de vida fora da Terra, se ocorrer, venha em pequenas e graduais doses, e não em um grande momento eureka. Se pegarmos o exemplo do seriado que você citou, Fox Mulder queria acreditar, mas, acima disso, ele queria saber a verdade. E não custa lembrar que, assim como na história retratada pela série, nunca estivemos tão perto das respostas”.