Alerta: a reportagem a seguir possui conteúdo sensível que pode servir de gatilho para algumas pessoas.
Após o suicídio do adolescente Pedro, de 14 anos, devido aos ataques homofóbicos, o colégio Bandeirantes, de São Paulo, onde o jovem estudava, se reuniu para debater o caso. Porém, ao invés de tratar sobre o bullying que vitimou o estudante, o colégio colocou a culpa na inclusão de alunos bolsistas e afirmou que vai rever o acordo com a ONG Ismart (Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos), que faz a ponte entre jovens de baixa renda e a escola.
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As informações foram divulgadas pelo UOL nesta terça-feira (27). O site conversou com a diretora de convivência do colégio Bandeirantes, Estela Zanini, que declarou que há divergências sobre a presença dos analisadas da ONG, profissionais responsáveis pelo atendimento aos bolsistas.
Para a diretora, seria de responsabilidade da ONG a integração dos alunos bolsistas ao colégio, e que os profissionais deveriam estar presentes nos horários das aulas. Mariana Monteiro, CEO do Ismart, rebateu afirmando que ao invés de encerrar a parceria, que muda a vida de jovens de baixa renda e suas famílias, a escola deveria aprimorar o processo de inclusão desses alunos.
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Estela Zanini não foi a única a responsabilizar os alunos bolsistas pelo ocorrido. Em reunião, dois dias após a morte do estudante, o assessor do núcleo de estratégia e inovação do Bandeirantes e antigo diretor da escola, Mauro Salles Aguiar, criticou "o nível de agressividade realmente grande e espantoso" dos bolsistas no dia anterior, durante um encontro no colégio para tratar do suicídio do jovem.
Aguiar se refere a manifestações dos estudantes que cobraram atendimento psicológico para os alunos, além de pedirem mais direitos.
"Esse menino que abreviou a vida era aluno do Bandeirantes, mas fruto da nossa parceria com o Ismart", disse na reunião realizada na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e transmitida pelo YouTube.
"Foi chocante a reação desses alunos", acrescentou, se referindo ao protesto, que associou a "essa sociedade dos direitos". "Tudo é direito, direito", criticou.
Mariana, que estava presente na reunião, disse que a reação dos alunos foi por causa do momento delicado devido à morte do colega, e que eles estavam expressando sentimentos guardados devido ao impacto. "Era um momento de dor", afirmou.
Uma estudante bolsista do Bandeirantes, que também participou da reunião, contou ao UOL que o encontro foi "civilizado", mas com "muito choro, porque todo mundo estava triste".
Ela acrescentou que o momento de tensão citado por Aguiar aconteceu quando os estudantes cobraram um posicionamento sobre o ocorrido e maior atenção à saúde mental dos alunos.
Durante as quase três horas do encontro, contou a aluna, os bolsistas "estavam mais preocupados em obter um posicionamento do colégio".
Entenda o caso
Vítima de bullying homofóbico no colégio Bandeirantes, o jovem Pedro, de 14 anos, se suicidou no dia 12 de julho. O tio do jovem, Bruno de Paula, usou suas redes sociais para manifestar a dor da família e pedir justiça pelo descaso do colégio.
"Pedro era um menino de 14 anos, negro, periférico e gay, que sucumbiu. Não suportou as 'brincadeiras' dos 'colegas'. Nos dias de hoje, há quem diga que 'não se pode falar mais nada' porque, afinal de contas, 'a vida está muito chata'. Mas o que se diz pode levar pessoas embora", desabafou em sua conta no Instagram.
"Perdemos o Pedro para o bullying, para a homofobia e, principalmente, para o descaso do colégio. A coroa de flores enviada com o clássico e-mail de pesar não tem significado para a família que enterra um jovem", acrescentou Bruno.
Em nota à imprensa, o colégio declarou que a situação “aconteceu fora das dependências do colégio”. “A direção e toda a comunidade escolar estão profundamente abaladas por essa perda irreparável. Neste momento, a prioridade do colégio é oferecer todo o apoio e assistência necessários à família do aluno e aos colegas e amigos impactados por essa tragédia”, disse a escola.
Porém, Bruno negou que o colégio tenha entrado em contato com a família para prestar solidariedade e apoio. “Recebemos uma coroa e uma nota de pesar. Nada além disso. Não houve uma ligação sequer“, informou ao site Mundo Negro.
Ele também questionou quais providências o colégio irá tomar para evitar que outros casos semelhantes aconteçam. "Que conduta o colégio tomará para evitar que outros Pedros nos deixem de forma tão trágica? Como um colégio de ricos, feito para ricos e por ricos aborda a situação do bullying? Pedro só queria poder dançar livremente", protestou.
O que acontecerá depois da missa de sétimo dia do Pedro? Quantos outros Pedros se calarão, talvez para sempre, frente à crueldade da homofobia e do desrespeito de classes?
"Convido todos os pais, mães, padrinhos, irmãos, tutores a conversarem com seus filhos sobre a vida. Pedro só queria ser livre, ser ele mesmo. Pedro não teve o direito de ser negro, periférico e gay. Ontem, nem sequer chegou ao colégio", acrescentou o tio. Na postagem do texto, ele compartilhou um vídeo que mostra Pedro dançando.
"A dor de meu sobrinho, perpetuada em todos nós, familiares, poderia, ao menos, ser a premissa para uma mudança de conduta de um dos colégios mais tradicionais de São Paulo, que corre para fugir da responsabilidade", finalizou.
Busque ajuda
A Fórum tem a política de ser transparente com seus leitores, publicando casos de suicídio e fazendo alerta sobre a necessidade de se buscar ajuda em casos que possam levar a pessoa a tirar a própria vida.
De 2010 a 2019 no Brasil, foram registradas 112.230 mortes por suicídio. Durante esse período, houve um aumento de 43% no número de vítimas por ano, passando de 9.454 em 2010 para 13.523 em 2019, conforme apontam os dados disponíveis no Ministério da Saúde.
Os principais sintomas que indicam um quadro depressivo, segundo o Ministério da Saúde, incluem:
- Redução do interesse sexual;
- Insônia ou sonolência: a insônia geralmente é intermediária ou terminal;
- Humor depressivo: sentimentos de tristeza, desvalorização pessoal e culpa;
- Retardo motor: falta de energia, preguiça ou cansaço excessivo, lentidão do pensamento, dificuldade de concentração, queixas de falta de memória, vontade e iniciativa;
- Dores e sintomas físicos difusos: mal-estar, cansaço, queixas digestivas, dor no peito, taquicardia e sudorese;
- Apetite: geralmente reduzido, mas em algumas formas de depressão pode haver aumento do apetite, com maior interesse por carboidratos e doces;
Principais canais de apoio
Em casos de ajuda ou informações, há meios acessíveis que fornecem apoio emocional e preventivo ao suicídio. Confira abaixo:
- Centro de Valorização da Vida (CVV) – 188 (ligação gratuita); Atendimento também por chat, email e pessoalmente. Saiba mais pelo site;
- CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família, Postos e Centros de Saúde);
- UPA 24H, SAMU 192, Pronto Socorro;
- Hospitais.
*Com informações do UOL