CLEBER LOURENÇO

PEC de senador bolsonarista quer aumentar e dar mais poderes à Justiça Militar

Proposta de Emenda à Constituição amplia competências da Justiça Militar, incluindo julgamento de civis e processos administrativos

Senador Mecias de Jesus e Jair Bolsonaro.Créditos: Reprodução X / Mecias de Jesus
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A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 7/2024, em tramitação no Senado, propõe ampliar as competências da Justiça Militar da União e das Justiças Militares Estaduais. O texto, de autoria do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), prevê que tribunais militares possam julgar não apenas crimes militares, mas também casos administrativos e até mesmo civis em determinadas situações. A proposta levanta preocupação entre especialistas devido ao histórico de penas brandas aplicadas pela Justiça Militar, mesmo em casos graves de corrupção e fraudes.

O texto foi relatado pela senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO), que emitiu parecer favorável à aprovação, com ajustes na técnica legislativa. Segundo o parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), a PEC tem por objetivo "aperfeiçoar" o funcionamento da Justiça Militar, transferindo para esse foro especial a análise de ações administrativas e de disciplina militar que hoje são julgadas pela Justiça Federal e pelas Varas de Fazenda Pública estaduais.

Se aprovada, a PEC também tornará obrigatória a criação de Justiças Militares Estaduais nos estados que tenham um efetivo militar superior a 20 mil integrantes, além de conceder autonomia para esses tribunais militares julgarem ações administrativas. Especialistas alertam que essa mudança poderá comprometer a imparcialidade nos julgamentos e reforçar um sistema que já demonstrou falhas na punição de seus próprios integrantes.

Histórico de penas brandas levanta preocupação

A tramitação da PEC ocorre em um momento de crescente questionamento sobre a atuação da Justiça Militar, especialmente devido a casos em que militares envolvidos em corrupção e fraudes receberam punições leves. Um exemplo recente foi a condenação de dois oficiais do Exército por fraudar uma licitação de R$ 46 milhões para a compra de insumos hospitalares. Mesmo com provas robustas, os militares receberam penas de apenas um ano de detenção, contrariando expectativas de punições mais severas.

Casos como esse são frequentemente citados como exemplos da leniência da Justiça Militar, que historicamente tende a aplicar sanções brandas, mesmo diante de crimes graves. De acordo com especialistas, o modelo atual já apresenta problemas na responsabilização de militares, e a ampliação de suas competências pode resultar em um sistema ainda mais fechado e distante da supervisão de tribunais civis.

Além disso, há um temor de que essa mudança contribua para um enfraquecimento do controle externo sobre as ações das Forças Armadas e das polícias militares estaduais. Juristas apontam que, ao transferir para a Justiça Militar o julgamento de processos administrativos e disciplinares, cria-se um ambiente em que os próprios militares terão poder de decisão sobre suas ações, sem a fiscalização de juízes federais ou estaduais.

Outro ponto de preocupação envolve a transparência no acesso a informações. Atualmente, pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) já enfrentam dificuldades quando envolvem dados de militares. Com a ampliação da Justiça Militar, especialistas apontam que mais processos e documentos poderão ficar protegidos sob sigilo, dificultando a fiscalização pública e o acesso a informações sobre irregularidades cometidas por militares.

Com a ampliação das competências prevista na PEC 7/2024, mais processos poderiam ser julgados por esse sistema, levantando dúvidas sobre a imparcialidade e a rigorosidade das decisões. Para alguns analistas, a proposta pode resultar em um "estado dentro do estado", onde os militares julgam a si mesmos com critérios diferentes dos aplicados à população civil. Há receios de que essa mudança leve à impunidade em casos de abusos de autoridade, violência institucional e desvios de conduta.

Parlamentares se silenciam sobre a proposta

A coluna procurou o senador Mecias de Jesus para comentar a PEC 7/2024, mas não obteve resposta. A senadora Professora Dorinha Seabra, relatora do texto, também não se manifestou. Outras parlamentares que aparecem como signatárias da proposta, como as senadoras Soraya Thronicke (Podemos-MS) e Eliziane Gama (PSD-MA), também foram questionadas sobre o tema, mas não responderam aos contatos da reportagem.

Enquanto a proposta avança no Senado, especialistas alertam para os riscos de uma Justiça Militar com ainda mais autonomia e competências ampliadas. "Se a Justiça Militar já falha em punir de forma rigorosa os próprios integrantes, conceder ainda mais poder a ela pode representar um retrocesso na transparência e na responsabilização de militares que cometem irregularidades", afirmou um jurista ouvido pela reportagem sob condição de anonimato.

Para advogados especializados no tema, a PEC 7/2024 pode enfraquecer a independência do Judiciário e criar um ambiente propício para a proteção de militares envolvidos em casos de corrupção, abuso de poder e desvios administrativos. "A estrutura atual já apresenta problemas de isenção. Com mais poder para julgar seus próprios membros, a tendência é que o corporativismo se fortaleça, dificultando a punição de irregularidades", avalia um especialista em direito militar.

A PEC segue em tramitação na CCJ e, caso aprovada, precisará passar por votação em dois turnos no Senado antes de seguir para análise na Câmara dos Deputados. Caso seja aprovada em ambas as Casas, a mudança poderá representar uma transformação significativa na estrutura do Judiciário brasileiro, consolidando um modelo no qual a Justiça Militar se torna mais influente e menos sujeita à supervisão externa. Esse cenário pode gerar impactos diretos na forma como crimes militares e processos disciplinares são julgados, afetando diretamente o controle civil sobre as instituições militares e a transparência pública no acesso a informações sobre esses processos.

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