FORÇAS ARMADAS

Julgamento de Bolsonaro e anistia dividem Forças Armadas: podem gerar "instabilidade"

Comandantes acompanham apreensivos os desdobramentos da Justiça e temem impacto sobre a cúpula militar

José Múcio observa Lula e o general Tomás Paiva em almoço com a cúpula do Exército em maio de 2023.Créditos: Ricardo Stuckert
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Os comandantes do Exército brasileiro observam com inquietação o desenrolar dos processos judiciais relacionados à tentativa de golpe de 8 de janeiro. Com julgamentos previstos para os próximos meses, há o temor de que novas revelações ampliem a crise dentro da instituição, aprofundando divisões e aumentando a pressão política sobre a caserna. No oficialato a maior preocupação reside na possibilidade de uma ofensiva judicial que exponha o engajamento de militares de alta patente na conspiração golpista.

Dentro e fora dos quartéis, a imagem dos militares enfrenta um desgaste sem precedentes. Para os setores que defendem a democracia, a instituição carrega o estigma de ter tolerado ou mesmo facilitado articulações golpistas. Já para a extrema direita, os generais são vistos como traidores por não terem garantido a permanência de Bolsonaro no poder. O resultado é que os comandantes atuais encontram-se isolados, sem respaldo político sólido e sob constante escrutínio tanto da Justiça quanto de grupos radicais.

Anistia e risco de instabilidade na caserna

A possível aprovação de uma anistia para militares investigados pelos atos de 8 de janeiro também divide opiniões. Enquanto setores do bolsonarismo defendem a medida como um gesto de “pacificação”, oficiais temem que isso fortaleça setores insubordinados dentro da instituição. Entre os militares presos e alvo das investigações sobre a tentativa de golpe, há um sentimento de revolta contra colegas que não aderiram à tentativa de ruptura democrática. A anistia poderia reforçar essa tensão, incentivando movimentos radicais e fragilizando a hierarquia.

Outro ponto crítico é o relatório complementar da Operação Contragolpe, que agora não tem previsão para ser finalizado. A investigação já implicou diretamente o ex-ministro da Defesa Braga Neto, além de assessores próximos e outros militares do alto escalão. A expectativa é que novas revelações aprofundem o envolvimento de oficiais na tentativa de golpe, ampliando a crise institucional e colocando a cúpula das Forças Armadas em uma posição ainda mais delicada.

Os processos judiciais em curso podem ainda trazer novas dificuldades para oficiais de alta patente. A prisão do general Augusto Heleno, por exemplo, gera grande preocupação dentro do Exército. Heleno é visto como um nome de forte influência na oficialidade, diferentemente de Braga Neto, que perdeu prestígio entre seus pares. O receio entre militares é que Braga Neto, sentindo-se abandonado, possa entregar nomes de oficiais em um ato de retaliação, independentemente do grau de envolvimento desses militares na conspiração golpista.

O reflexo do cenário americano no Brasil

Nos Estados Unidos, o expurgo promovido por Trump na cúpula militar gerou forte reação da comunidade militar. Cinco ex-secretários de Defesa assinaram uma carta ao Congresso alertando para o perigo da politização das Forças Armadas, destacando os riscos de instrumentalização política da instituição. No Brasil, embora oficiais vejam o retorno de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto como algo pouco provável, eles não descartam que Bolsonaro ou seus filhos adotariam uma manobra semelhante, substituindo militares moderados por quadros ideologicamente alinhados à extrema direita, o que não seria muito difícil dada a grade de formação dos militares brasileiros que é completamente avessa à democracia e direitos humanos.

Com um ciclo eleitoral ainda indefinido, o Exército se vê no centro de um impasse. O temor dos oficiais é que, independentemente do desfecho judicial e político, a instituição saia enfraquecida. Caso um governo bolsonarista retorne ao poder, a pressão por um realinhamento ideológico das Forças Armadas pode resultar em novos expurgos e em um clima de instabilidade prolongado nos quartéis. Caso Lula seja reeleito, há o entendimento de que se tornará inevitável a discussão sobre maiores limites para a atuação política das Forças Armadas e uma revisão na formação de seus oficiais.

Para os que hoje comandam a caserna, 2026 pode não representar apenas uma mudança de governo, mas uma reformulação profunda do papel do Exército na política nacional, seja para melhor, seja para pior.

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