A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou suas alegações finais na Ação Penal nº 2.417, que responsabiliza oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) por omissão nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. No entanto, a peça ignorou um elemento crucial da investigação: o relatório final da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP/DF), que confirma que a pasta não repassou o Relatório 6 de Inteligência para a PMDF. O documento, que poderia fortalecer a tese de omissão deliberada das autoridades de segurança, não foi considerado na argumentação da PGR, assinada pelo procurador-geral Paulo Gonet.
Relatório ignorado pela PGR
A investigação conduzida no âmbito da PET 11.781, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, revelou que o Relatório 6 de Inteligência, documento que alertava sobre o risco iminente de ataques contra as instituições, não foi compartilhado com a PMDF, com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com o Supremo Tribunal Federal (STF) ou outras autoridades responsáveis. O relatório foi recebido pela SSP/DF nos dias que antecederam os ataques e deveria ter sido disseminado para permitir uma resposta coordenada da segurança pública.
Te podría interesar
Um relatório da própria Polícia Federal, divulgado no final de 2023, confirma que a SSP/DF falhou no repasse das informações essenciais à PMDF e outras forças de segurança. O documento aponta que essa omissão prejudicou diretamente a capacidade de resposta da PMDF e das demais forças, impedindo uma ação coordenada para conter os atos violentos. Além disso, especialistas ouvidos pela reportagem destacam que a secretaria, como órgão responsável pela inteligência em nível estadual, tinha o dever jurídico de garantir que todas as informações estratégicas fossem disseminadas de forma eficiente e tempestiva.
No entanto, a PGR, ao apresentar suas alegações finais, concentrou-se apenas na atuação da polícia militar, sem mencionar as falhas operacionais do órgão e sua responsabilidade na gestão das informações de inteligência. O texto da PGR afirma que "a ausência de resposta eficiente por parte dos denunciados resultou em cenário favorável à execução dos atos criminosos, evidenciando omissão dolosa na condução da segurança pública naquele dia", ignorando completamente o papel da SSP/DF no fluxo de informações.
Te podría interesar
A responsabilidade da SSP/DF na inteligência de segurança
É fundamental destacar que todas as análises de riscos e serviços de inteligência sobre manifestações são de responsabilidade da SSP/DF, e não da PMDF. O trabalho da Polícia Militar baseia-se na inteligência fornecida pela SSP/DF para, a partir disso, planejar seu efetivo e suas ações.
Em outras palavras, a corporação consome o conhecimento de inteligência produzido pela SSP/DF para estruturar sua atuação em manifestações e eventos de grande porte.
A falha no compartilhamento do Relatório 6 impediu que a polícia tivesse acesso a informações estratégicas que poderiam ter evitado ou minimizado os ataques.
"Se tivéssemos recebido o relatório, a resposta teria sido diferente", disse um oficial da PM em depoimento à PF. Especialistas em segurança pública ressaltam que a dinâmica de distribuição de informações de inteligência é um dos pilares fundamentais para a atuação eficiente das forças de segurança, e que a falta desse fluxo adequado pode gerar situações de vulnerabilidade operacional.
Contradições nos depoimentos da SSP/DF
A peça da PGR ignora depoimentos conflitantes dentro da própria SSP/DF. Entre os principais investigados no caso estão:
- Anderson Torres, ex-secretário de Segurança Pública do DF, que afirmou à Polícia Federal que não abriu o relatório pois estava ausente;
- Cíntia Queiroz, ex-subsecretária de Operações Integradas, que declarou que a metodologia de análise da subsecretária de Inteligência Marília Alencar dificultava a disseminação da informação;
- Rosivan Correia, assessor de Cíntia, que afirmou que o e-mail contendo o Plano de Ação Integrada (PAI) retornou por falha técnica.
Essas declarações contraditórias indicam que houve desorganização e falhas na hierarquia da SSP/DF, mas a PGR optou por não incluir esses elementos nas alegações finais. No entanto, o relatório interno da SSP/DF aponta que "as informações foram recebidas e processadas, mas a difusão para os órgãos de segurança competentes não foi realizada em tempo hábil, comprometendo a tomada de decisões estratégicas". Além disso, há indícios de que essa omissão não foi meramente acidental, mas possivelmente motivada por interesses políticos internos da corporação.
A estratégia da PGR e o recorte na denúncia
A escolha da PGR de focar exclusivamente na PMDF sugere uma estratégia jurídica e política para isolar a responsabilidade sobre os atos golpistas.
Ao ignorar a SSP/DF, a peça acusatória desloca o foco para os comandantes da polícia militar, deixando de lado o papel da inteligência e a omissão de órgãos que deveriam ter coordenado a segurança pública de forma mais ampla.
Para especialistas, essa omissão da PGR levanta questões sobre o alcance da responsabilização dos agentes públicos envolvidos. "A PMDF teve um papel importante, mas a segurança do DF como um todo estava sob a responsabilidade da SSP/DF. O fato de não compartilharem um relatório crítico de inteligência muda completamente o cenário da investigação", afirmou um analista consultado pela reportagem. Além disso, fontes internas apontam que a não inclusão da secretaria na responsabilização pode comprometer futuras investigações sobre a articulação dos atos de 8 de janeiro.
A PGR, por outro lado, defende que suas alegações finais têm base em "fatos concretos e provas materiais coletadas nas investigações", enfatizando que "as ações e omissões dos oficiais da PMDF foram decisivas para a materialização dos crimes". Essa postura, entretanto, levanta questionamentos sobre a seletividade na apuração dos fatos.
Implicações e próximos passos
A ausência do relatório na peça da PGR pode ter implicações na condução do processo no Supremo Tribunal Federal (STF). Caso o ministro Alexandre de Moraes considere que a investigação sobre a SSP/DF precisa ser aprofundada, novas diligências podem ser determinadas.
Enquanto isso, a defesa dos oficiais da PM pode usar essa omissão da secretaria como argumento para contestar as alegações finais da PGR, alegando que não receberam informações cruciais para a contenção dos atos golpistas. A possibilidade de novas investigações sobre a atuação do órgão pode reconfigurar o andamento do caso, ampliando o escopo das responsabilidades.
A decisão da procuradoria de excluir a SSP/DF da peça processual mantém aberto um flanco de questionamentos sobre a real abrangência da responsabilização pelos ataques de 8 de janeiro. Se novas investigações demonstrarem que a não disseminação do Relatório 6 foi um fator determinante para o fracasso na contenção dos atos, o caso pode se desdobrar em novas acusações e revelações sobre a articulação que permitiu a tentativa de golpe.