8 DE JANEIRO

PGR ignora relatório que aponta omissão da SSP/DF, de Anderson Torres, no 8/1

Procuradoria-Geral da República apresenta alegações finais contra oficiais da PM, mas ignora relatório que comprova omissão da Secretaria de Segurança Pública do DF na gestão de informações de inteligência sobre os ataques golpistas

Anderson Torres assina nomeação para SSP-DF ao lado do governador Ibaneis Rocha.Créditos: Renato Alves/Agência Brasília
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A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou suas alegações finais na Ação Penal nº 2.417, que responsabiliza oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) por omissão nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. No entanto, a peça ignorou um elemento crucial da investigação: o relatório final da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP/DF), que confirma que a pasta não repassou o Relatório 6 de Inteligência para a PMDF. O documento, que poderia fortalecer a tese de omissão deliberada das autoridades de segurança, não foi considerado na argumentação da PGR, assinada pelo procurador-geral Paulo Gonet.

Relatório ignorado pela PGR

A investigação conduzida no âmbito da PET 11.781, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, revelou que o Relatório 6 de Inteligência, documento que alertava sobre o risco iminente de ataques contra as instituições, não foi compartilhado com a PMDF, com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com o Supremo Tribunal Federal (STF) ou outras autoridades responsáveis. O relatório foi recebido pela SSP/DF nos dias que antecederam os ataques e deveria ter sido disseminado para permitir uma resposta coordenada da segurança pública.

Um relatório da própria Polícia Federal, divulgado no final de 2023, confirma que a SSP/DF falhou no repasse das informações essenciais à PMDF e outras forças de segurança. O documento aponta que essa omissão prejudicou diretamente a capacidade de resposta da PMDF e das demais forças, impedindo uma ação coordenada para conter os atos violentos. Além disso, especialistas ouvidos pela reportagem destacam que a secretaria, como órgão responsável pela inteligência em nível estadual, tinha o dever jurídico de garantir que todas as informações estratégicas fossem disseminadas de forma eficiente e tempestiva.

No entanto, a PGR, ao apresentar suas alegações finais, concentrou-se apenas na atuação da polícia militar, sem mencionar as falhas operacionais do órgão e sua responsabilidade na gestão das informações de inteligência. O texto da PGR afirma que "a ausência de resposta eficiente por parte dos denunciados resultou em cenário favorável à execução dos atos criminosos, evidenciando omissão dolosa na condução da segurança pública naquele dia", ignorando completamente o papel da SSP/DF no fluxo de informações.

A responsabilidade da SSP/DF na inteligência de segurança

É fundamental destacar que todas as análises de riscos e serviços de inteligência sobre manifestações são de responsabilidade da SSP/DF, e não da PMDF. O trabalho da Polícia Militar baseia-se na inteligência fornecida pela SSP/DF para, a partir disso, planejar seu efetivo e suas ações.

Em outras palavras, a corporação consome o conhecimento de inteligência produzido pela SSP/DF para estruturar sua atuação em manifestações e eventos de grande porte.

A falha no compartilhamento do Relatório 6 impediu que a polícia tivesse acesso a informações estratégicas que poderiam ter evitado ou minimizado os ataques.

"Se tivéssemos recebido o relatório, a resposta teria sido diferente", disse um oficial da PM em depoimento à PF. Especialistas em segurança pública ressaltam que a dinâmica de distribuição de informações de inteligência é um dos pilares fundamentais para a atuação eficiente das forças de segurança, e que a falta desse fluxo adequado pode gerar situações de vulnerabilidade operacional.

Contradições nos depoimentos da SSP/DF

A peça da PGR ignora depoimentos conflitantes dentro da própria SSP/DF. Entre os principais investigados no caso estão:

  • Anderson Torres, ex-secretário de Segurança Pública do DF, que afirmou à Polícia Federal que não abriu o relatório pois estava ausente;
  • Cíntia Queiroz, ex-subsecretária de Operações Integradas, que declarou que a metodologia de análise da subsecretária de Inteligência Marília Alencar dificultava a disseminação da informação;
  • Rosivan Correia, assessor de Cíntia, que afirmou que o e-mail contendo o Plano de Ação Integrada (PAI) retornou por falha técnica.

Essas declarações contraditórias indicam que houve desorganização e falhas na hierarquia da SSP/DF, mas a PGR optou por não incluir esses elementos nas alegações finais. No entanto, o relatório interno da SSP/DF aponta que "as informações foram recebidas e processadas, mas a difusão para os órgãos de segurança competentes não foi realizada em tempo hábil, comprometendo a tomada de decisões estratégicas". Além disso, há indícios de que essa omissão não foi meramente acidental, mas possivelmente motivada por interesses políticos internos da corporação.

A estratégia da PGR e o recorte na denúncia

A escolha da PGR de focar exclusivamente na PMDF sugere uma estratégia jurídica e política para isolar a responsabilidade sobre os atos golpistas.

Ao ignorar a SSP/DF, a peça acusatória desloca o foco para os comandantes da polícia militar, deixando de lado o papel da inteligência e a omissão de órgãos que deveriam ter coordenado a segurança pública de forma mais ampla.

Para especialistas, essa omissão da PGR levanta questões sobre o alcance da responsabilização dos agentes públicos envolvidos. "A PMDF teve um papel importante, mas a segurança do DF como um todo estava sob a responsabilidade da SSP/DF. O fato de não compartilharem um relatório crítico de inteligência muda completamente o cenário da investigação", afirmou um analista consultado pela reportagem. Além disso, fontes internas apontam que a não inclusão da secretaria na responsabilização pode comprometer futuras investigações sobre a articulação dos atos de 8 de janeiro.

A PGR, por outro lado, defende que suas alegações finais têm base em "fatos concretos e provas materiais coletadas nas investigações", enfatizando que "as ações e omissões dos oficiais da PMDF foram decisivas para a materialização dos crimes". Essa postura, entretanto, levanta questionamentos sobre a seletividade na apuração dos fatos.

Implicações e próximos passos

A ausência do relatório na peça da PGR pode ter implicações na condução do processo no Supremo Tribunal Federal (STF). Caso o ministro Alexandre de Moraes considere que a investigação sobre a SSP/DF precisa ser aprofundada, novas diligências podem ser determinadas.

Enquanto isso, a defesa dos oficiais da PM pode usar essa omissão da secretaria como argumento para contestar as alegações finais da PGR, alegando que não receberam informações cruciais para a contenção dos atos golpistas. A possibilidade de novas investigações sobre a atuação do órgão pode reconfigurar o andamento do caso, ampliando o escopo das responsabilidades.

A decisão da procuradoria de excluir a SSP/DF da peça processual mantém aberto um flanco de questionamentos sobre a real abrangência da responsabilização pelos ataques de 8 de janeiro. Se novas investigações demonstrarem que a não disseminação do Relatório 6 foi um fator determinante para o fracasso na contenção dos atos, o caso pode se desdobrar em novas acusações e revelações sobre a articulação que permitiu a tentativa de golpe.

 

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