SISTEMA DE COTAS

Médica negra perde vaga para candidata branca após ação contra cotas da UFBA

Lorena Pinheiro foi aprovada para vaga de docente no curso de Medicina; decisão fere edital e universidade afirmou que vai recorrer

Universidade Federal da Bahia.Créditos: Site UFBA
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Uma candidata negra perdeu uma vaga para ser professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) após uma candidata branca ingressar na Justiça contra o sistema de reserva de cotas

O caso aconteceu com a médica otorrinolaringologista Lorena Pinheiro Figueiredo no último dia 21 de agosto. Após passar por todas as avaliações e pela banca de heteroidentificação, ela foi aprovada para para a vaga na UFBA. 

O concurso aconteceu em dezembro do ano passado e os candidatos estavam concorrendo a apenas uma vaga. De acordo com o edital, como havia reserva de vagas para pessoas negras, o critério de cota seria o primeiro para escolha. Assim, Lorena foi aprovada e convocada para a vaga de docente. 

Porém, a candidata Carolina Cincura Barreto entrou na Justiça afirmando que tinha tirado nota maior que Lorena. No ranking, Carolina estava em primeiro lugar como ampla concorrência, enquanto Lorena estava em quarto, concorrendo pelo sistema de cotas. Carolina questionou o uso da cota racial como critério de escolha. 

Apesar do critério racial ter sido exposto no edital, a juíza da 1ª Vara Federal Cível, Arali Maciel Duarte, deu razão à Carolina e anulou a aprovação de Lorena, argumentando que o cumprimento da regra prevista no item 7.6 do edital da UFBA implica "na concessão de 100% das vagas para candidatos cotistas, em afronta ao direito de quem se submeteu à ampla concorrência e obteve notas mais altas".

Em entrevista à Revista Afirmativa, Lorena afirmou que a situação estava sendo difícil e afirmou que todos os outros candidatos negros aprovado sob o mesmo critério, para outras vagas na UFBA, foram convocados. 

“É uma situação difícil, muito desafiadora para mim, enquanto cidadã e mulher negra, e enquanto representante de um número muito grande de pessoas que não têm acesso, oportunidade, que têm seus direitos violados”, disse.

“Por mais que essa explicação fosse dada, e conste nos autos judiciais, houve a decisão. E isso não aconteceu com as outras áreas de conhecimento, todas foram respeitadas em relação à aplicação das cotas. Todos já foram convocados e nomeados professores. Isso só aconteceu com a vaga para a Faculdade de Medicina, e a gente percebe que tem também um peso social grande nessa decisão”, acrescentou. 

O que diz a UFBA

A UFBA informou, por meio de nota, que teve que respeitar a decisão da Justiça e nomear Carolina para o cargo, mas que irá recorrer. "Coube à universidade o cumprimento da determinação judicial com força executória, nomeando, a título precário, a candidata Carolina Cincurá Barreto, impetrante da ação".

A universidade também afirmou que a decisão foi tomada sem que a instituição fosse intimada a se manifestar, tendo a Pró-Reitoria de Desenvolvimento de Pessoas (PRODEP) tomado conhecimento do processo já na fase de cumprimento da decisão.

Lei de Cotas

De acordo com a Lei de Cotas, criada em 2012, devem ser reservadas vagas para pessoas autodeclaradas negras em casos de concursos com cujas vagas fossem superiores a três. A UFBA, porém, argumentou que as vagas para docência são menores que três e, assim, "a aplicação da lei não era possível, inviabilizando, na prática, a política afirmativa de inclusão".

“Sendo assim, a partir do Edital nº 02/2018 foi adotada uma nova redação e a reserva passou a ser aplicada sobre o número total de vagas”, explica a UFBA, que tomou a decisão baseada no voto do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41 de 2017.

Na decisão, o ministro afirma que os órgãos e Estado não devem utilizar a divisão de vagas por especialidades ou áreas como critério para a não aplicação da reserva, pois isto descumpre a  Lei 12.990.

O advogado de Lorena, Felipe Jacques, também em entrevista à Revista Afirmativa, explicou a situação e defendeu a posição da UFBA. “Nunca vai ter cota para pessoa preta em concurso com uma vaga. A UFBA, pioneira como é, consultou sua Procuradoria, que deu um parecer confirmando que a universidade poderia passar a fazer incidir o percentual sobre todas as vagas do concurso”, declarou. Ele afirma ainda que outras universidades começaram a copiar a UFBA. “Até por determinação do Ministério Público Federal, que viu que o sistema dava certo e era correto”, complementou.