Andrei Rodrigues, o diretor-geral da Polícia Federal, revelou aos meios de comunicação que Miguel Gutierrez, ex-CEO das Lojas Americanas, e Anna Saicali, ex-diretora, podem ser extraditados ao Brasil. Guetierrez foi preso na manhã desta sexta-feira (28), em Madri (Espanha), depois que ele foi declarado foragido pela PF e seu nome foi colocado na lista da difusão vermelha da Interpol. Saicali segue foragida.
Uma operação foi deflagrada no Brasil nesta quinta (27), mas Gutierrez e Saicali não foram localizados pelas autoridades nacionais. Ele estava na Espanha e ela em Portugal. Segundo a PF, os empresários estariam envolvidos na fraude contábil da Americanas "desde o seu planejamento até a publicação dos resultados”.
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As investigações baseiam-se em acordos de colaboração premiada firmados por Marcelo Nunes, ex-diretor financeiro da empresa, e Flávia Carneiro, que era responsável pela controladoria da holding que administrava a Americanas, a B2W.
A investigação revelou indícios robustos de crimes como manipulação de mercado, uso de informação privilegiada (insider trading), associação criminosa e lavagem de dinheiro.
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Segundo a PF, com a colaboração da atual diretoria da Americanas, há indícios que os ex-diretores praticaram fraudes contábeis relacionadas a operações de risco sacado. Essa operação permitia que a varejista antecipasse o pagamento a fornecedores por meio de empréstimos junto aos bancos.
Entre as descobertas da investigação está o fato de que ex-executivos da empresa, entre eles Gutierrez, venderam R$ 258 milhões em ações antes de as fraudes serem descobertas e logo que foram informados que ocorreria uma troca na diretoria da empresa. Os valores foram enviados para o exterior.
Miguel Gutierrez teria sido o executivo que mais se beneficiou com a manobra, tendo faturado R$ 158 milhões com a venda das ações. A ex-diretora Anna Saicali seguiu os mesmos passos e levou embora R$ 57,8 milhões. As vendas ocorreram entre julho de 2022 e janeiro de 2023, quando o escândalo do rombo de R$ 25 bilhões nas contas da empresa veio à público.
O chefe da Polícia Federal está em Lisboa, onde negocia com as autoridades portuguesas a extradição de Saicali. Ela embarcou para Portugal no último dia 15 e seu nome também está na difusão vermelha da Interpol. Sua extradição é questão de tempo.
Já Gutierrez, que vive na Espanha desde que o escândalo estourou, tem cidadania espanhola e o país não extradita seus cidadãos. Com isso em mente, a PF estuda a possibilidade de extraditá-lo.
“Respeitando as legislações brasileira e espanhola, já entramos com pedido de prisão preventiva e extradição para o Brasil. Agora, o Judiciário brasileiro deve encaminhar a solicitação formal de extradição à Espanha, que fará a análise jurídica da verificação de sua nacionalidade e da gravidade do delito. Tem algumas situações a serem avaliadas com a soberania do Estado espanhol. A partir dessas análises que nós vamos poder entender os caminhos”, disse Andrei Rodrigues ao blog da jornalista Andreia Sadi, no g1.
Esses “caminhos” que Rodrigues citou são a extradição para o Brasil ou o cumprimento de pena na própria Espanha.
Por que as Lojas Americanas entraram em crise
No início de 2023, mais especificamente no dia 11 de janeiro, as Lojas Americanas surpreenderam a todos ao anunciar, sem aviso prévio, um rombo de R$ 20 bilhões em sua conta, uma quantidade oito vezes maior que o seu valor de mercado.
A história da crise, no entanto, não começa em 2023, pois é resultado de ações errôneas tomadas em 2022 e até em anos anteriores. O rombo bilionário se refere a balanços errados aprovados neste período.
O que gerou a divergência entre o que mostravam os balanços e como realmente estava a situação financeira da Americanas foi a prática do “risco sacado”, que consiste na tomada de financiamento com um banco para pagar fornecedores.
A empresa paga os fornecedores antes, para depois pagar os bancos. O problema é que os balanços das Lojas Americanas não mostravam essas movimentações. Ao revelar o rombo, a Americanas se viu cobrada a pagar suas dívidas antecipadamente.
Os principais credores da Americanas são os bancos, entre eles Bradesco, Banco do Brasil, BTG, Itaú e Santander. Entre os credores mais curiosos da varejista, estão diversas empresas de chocolate como Nestlé, Garoto, Hersheys, Mondelez e Ferrero.
Recuperação judicial
Cerca de uma semana após revelar a fraude em seus balanços, ver suas ações despencarem e trocar de CEO – uma vez que Sérgio Rial renunciou assim que o rombo foi revelado, apenas nove dias após sua posse –, a Americanas entrou com um pedido de recuperação judicial, situação na qual permanece até hoje.
Na ocasião, a empresa revelou um rombo ainda maior do que o informado inicialmente, no que se tornou o quarto maior pedido de recuperação judicial da história do país, atrás somente da Odebrecht, Oi e Samarco.
As dívidas chegam a cerca de R$ 43 bilhões, divididas entre aproximadamente 16,3 mil credores. Desses, R$ 27,2 bilhões são créditos a oito bancos, R$ 64,8 milhões são créditos trabalhistas, R$ 41 milhões são créditos quirografários e R$ 109,5 milhões são valores devidos a pequenas e microempresas.
A Globo é outro credor. Em agosto, a empresa de comunicações notificou judicialmente a Americanas, pedindo o pagamento de uma multa referente à rescisão do contrato de patrocínio do Big Brother Brasil 2023, do qual a varejista desistiu de patrocinar após identificar o rombo. Foi contabilizado um prejuízo de R$ 14,2 milhões à emissora.
CPI da Americanas
Em abril de 2023, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi anunciada na Câmara para apurar o que aconteceu na fraude das Lojas Americanas.
A intenção seria responder algumas perguntas-chave: como a empresa conseguiu fraudar 48 bilhões de reais? O que a consultoria PricewaterhouseCoopers Brasil (PWC) fez para esconder os problemas contábeis? As empresas de auditoria estão envolvidas? Caso positivo que outras empresas estão na mesma situação de fraude?
A CPI das Americanas teve seu relatório final divulgado em setembro, confirmando a existência de fraude nos balanços da companhia. No entanto, não indiciou possíveis culpados pela crise por “falta de provas”.