FRAUDE BILIONÁRIA

Lojas Americanas: PF faz operação contra ex-diretores por fraude e manipulação de mercado

Investigação na empresa que pertencia ao trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles teve início a partir do rombo de R$ 20 bilhões, quantidade oito vezes maior que o seu valor de mercado

Lojas Americanas.Créditos: Eduardo P/Wikimedia Commons
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A Polícia Federal (PF) deflagrou a operação Disclosure na manhã desta quinta-feira (27) que tem como alvo 14 investigados de uma suposta organização criminosa que atuavam em um esquema de fraudes e manipulação de mercado nas Lojas Americanas.

Entre os alvos está o ex-presidente do grupo, Miguel Gutierrez, e o ex-CEO João Guerra Duarte Neto. Segundo a PF, cerca de 80 policiais federais cumprem dois mandados de prisão preventiva e 15 mandados de busca e apreensão nas residências dos ex-diretores das Americanas, localizadas no Rio de Janeiro.

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As investigações têm como base os acordos de colaboração premiada de Marcelo Nunes, que foi diretor financeiro da empresa, e Flávia Carneiro, responsável pela Controladoria da B2W.

De acordo com as investigações, que contam com a colaboração da atual diretoria da empresa Americanas, os ex-diretores praticaram fraudes contábeis relacionadas a operações de risco sacado, que consiste em uma operação na qual a varejista consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos.

O inquérito foi aberto a partir do rombo de R$ 20 bilhões na empresa que pertencia ao trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles.

Segundo a autorização judicial, a PF aponta “manobras fraudulentas” destinadas a alterar “os resultados reais da empresa, com o objetivo de receber vantagens indevidas com o pagamento de bônus por metas atingidas, e elevar de forma ilícita a cotação das ações das Americanas, pois, assim, gerariam ganhos financeiros não justificados, visto que alguns dos investigados tinham participação acionária nas empresas”.

A PF afirma ainda que as manobras “causaram grande prejuízo para os demais acionistas, principalmente aos minoritários, que, em razão da falsa saúde financeira das empresas, operavam transações acionárias com preços inflacionados”.

A investigação revelou ainda fortes indícios da prática do crime de manipulação de mercado, uso de informação privilegiada, também conhecido como "insider trading”, associação criminosa e lavagem de dinheiro. A Justiça Federal determinou o sequestro de bens e valores destes ex-diretores que somam mais de meio bilhão de reais. Os mandados foram expedidos pela 10ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro

Além de Gutierrez e Duarte Neto, são alvos de busca e apreensão Anna Christina Soteto, Anna Saicali, Carlos Eduardo Padilha, Fabien Picavet, Fabio Abrate, Jean Pierre Ferreira, João Guerra Duarte Neto, José Timotheo de Barros, Luiz Augusto Henriques, Marcio Cruz Meirelles, Maria Chirstina Do Nascimento, Murilo dos Santos Correa e Raoni Lapagesse Franco.

A expressão “disclosure” é muito utilizada no mercado financeiro e significa o ato de fornecer informações para todos os interessados na situação de uma companhia, que pode ser traduzido como o ato de dar transparência à situação econômica da empresa.

Por que as Lojas Americanas entraram em crise

No início de 2023, mais especificamente no dia 11 de janeiro, as Lojas Americanas surpreenderam a todos ao anunciar, sem aviso prévio, um rombo de R$ 20 bilhões em sua conta, uma quantidade oito vezes maior que o seu valor de mercado.

A história da crise, no entanto, não começa em 2023, pois é resultado de ações errôneas tomadas em 2022 e até em anos anteriores. O rombo bilionário se refere a balanços errados aprovados neste período.

O que gerou a divergência entre o que mostravam os balanços e como realmente estava a situação financeira da Americanas foi a prática do “risco sacado”, que consiste na tomada de financiamento com um banco para pagar fornecedores.

A empresa paga os fornecedores antes, para depois pagar os bancos. O problema é que os balanços das Lojas Americanas não mostravam essas movimentações. Ao revelar o rombo, a Americanas se viu cobrada a pagar suas dívidas antecipadamente.

Os principais credores da Americanas são os bancos, entre eles Bradesco, Banco do Brasil, BTG, Itaú e Santander. Entre os credores mais curiosos da varejista, estão diversas empresas de chocolate como Nestlé, Garoto, Hershey, Mondelez e Ferrero.

Recuperação judicial

Cerca de uma semana após revelar a fraude em seus balanços, ver suas ações despencarem e trocar de CEO – uma vez que Sérgio Rial renunciou assim que o rombo foi revelado, apenas nove dias após sua posse –, a Americanas entrou com um pedido de recuperação judicial, situação na qual permanece até hoje.

Na ocasião, a empresa revelou um rombo ainda maior do que o informado inicialmente, no que se tornou o quarto maior pedido de recuperação judicial da história do país, atrás somente da Odebrecht, Oi e Samarco.

As dívidas chegam a cerca de R$ 43 bilhões, divididas entre aproximadamente 16,3 mil credores. Desses, R$ 27,2 bilhões são créditos a oito bancos, R$ 64,8 milhões são créditos trabalhistas, R$ 41 milhões são créditos quirografários e R$ 109,5 milhões são valores devidos a pequenas e microempresas.

A Globo é outro credor. Em agosto, a empresa de comunicações notificou judicialmente a Americanas, pedindo o pagamento de uma multa referente à rescisão do contrato de patrocínio do Big Brother Brasil 2023, do qual a varejista desistiu de patrocinar após identificar o rombo. Foi contabilizado um prejuízo de R$ 14,2 milhões à emissora.

CPI da Americanas

Em abril, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi anunciada na Câmara para apurar o que aconteceu na fraude das Lojas Americanas.

A intenção seria responder algumas perguntas-chave: como a empresa conseguiu fraudar 48 bilhões de reais? O que a consultoria PricewaterhouseCoopers Brasil (PWC) fez para esconder os problemas contábeis? As empresas de auditoria estão envolvidas? Caso positivo que outras empresas estão na mesma situação de fraude?

A CPI das Americanas teve seu relatório final divulgado em setembro, confirmando a existência de fraude nos balanços da companhia, no entanto, não indiciou possíveis culpados pela crise por “falta de provas”.