A Marinha do Brasil gastou cerca de R$ 300 mil com a compra de antenas de internet da Starlink, mas a empresa do bilionário Elon Musk não entregou os equipamentos. A ideia era equipar uma série de navios de guerra brasileiros com os serviços de internet dos satélites de baixa órbita da empresa. Entre os contemplados estariam os navios Maracanã, Bracuí, Babitonga, Atlântico, Cisne Branco e a Fragata Liberal.
Em nota enviada à Folha nesta sexta-feira (21), a Marinha justifica a compra e alega que não identificou irregularidades nos contratos.
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“Os preços da Starlink têm se apresentado muito abaixo das suas concorrentes de mercado, o que, dentro do princípio da economicidade e da defesa do erário, somado aos valores permitidos por lei para a dispensa de licitação, permite realizar o processo de dispensa eletrônica, em consonância com a referida legislação”, disse a Força.
Mas segundo a Starlink, compras para uso militar precisam da aprovação da empresa, o que não foi sequer solicitado. As revendedoras devem ter um cadastro especial e assinar uma “carta de solidariedade” que as compromete com compras de R$ 4 milhões. Só assim conseguem obter a devida autorização para comercializar os equipamentos.
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A Marinha, no entanto, teria firmado o contrato com pequenas empresas que não têm essa autorização formal para vender os produtos da Starlink, especialmente se destinados para a indústria de Defesa. Essas intermediárias fariam as compras em nome de pessoas físicas para fazer estoque dos equipamentos. Uma vez contratadas pela Marinha, iriam aos navios onde adaptariam as antenas para o uso militar.
“O cliente deve se certificar que os kits de internet não serão usados, operados e testados em veículos militares, equipamentos de defesa ou inteligência, ou para cenários de combate. O cliente concorda em não modificar os kits Starlink para usos militares ou de inteligência, pois tais modificações podem transformar os itens em artigos de defesa controlados pelas regulamentações de exportação dos EUA, exigindo autorização para exportação, suporte ou uso fora dos EUA”, diz um trecho do documento de venda dos equipamentos, provavelmente assinado pelas intermediadoras mas que a Marinha alega não ter tido acesso.
Em outras palavras, o equipamento é destinado ao uso civil e sua aquisição e modificação para uso militar pode causar problemas para empresa e cliente com as próprias autoridades de comércio exterior dos EUA, onde o equipamento é produzido.
De acordo com documento da Starlink, obtido pela Folha, as intermediárias que participam em licitações na área de Defesa devem submeter as propostas para a empresa de Musk.
“A Starlink reserva o direito de encerrar ou suspender os serviços em resposta a violações dessas certificações por sua empresa ou pelo cliente governamental”, diz outro trecho do documento.
O jornal supracitado ouviu dois empresários envolvidos no negócio. Luis Fernando Zocca é sócio da CSLV Telecomunicações, que não tem a autorização da Starlink mas obteve acesso às antenas para revendê-las à Marinha. Já Marzio Laurenti é CEO da Telespazio Brasil, uma das quatro empresas certificadas por Elon Musk. Cada um defendeu seu próprio interesse.
Laurenti afirmou que quem deveria estar atento aos documentos do contrato é a própria Marinha, uma vez que a Starlink, podendo romper as relações em caso de descumprimento do documento de venda, poderia simplesmente cortar a internet dos navios brasileiros em atitude amparada pelas autoridades dos EUA. Ele defende que o cliente garanta que só empresas autorizadas participem de certames como esse.
Zocca, por outro lado, analisa que se as licitações ficarem restritas às poucas empresas autorizadas, seria criada uma espécie de reserva de mercado que quebraria os pequenos e médios fornecedores. Ele argumenta que as grandes empresas nem sempre se interessam por demandas do serviço público.