A cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, está debaixo d’água nesta sexta-feira (3) por conta dos fortes temporais que atingem a região e vive uma situação de colapso ambiental que começou na Serra Gaúcha e se espalhou não apenas para a capital do estado, como também para o Sul de Santa Catarina.
Juntos, os dois estados afetados já somam 40 mortos e 68 desaparecidos, além de milhares de desabrigados. Mas a área com o maior índice de destruição é de fato a região de Porto Alegre – capital e região metropolitana. As imagens são chocantes e estão espalhadas pelas redes sociais. O centro de treinamento do Internacional, por exemplo, um dos grandes clubes de futebol locais, está alagado. Imagens aéreas mostram grandes avenidas também debaixo d’água.
Te podría interesar
Até os muros do Cais Mauá, no centro, construídos justamente para conter as cheias do Guaíba, estão em vias de ceder e permitir ainda mais alagamentos na área urbana. Na zona norte, uma comporta de segurança estourou. A barreira 14 cedeu no início da tarde, nas proximidades da Avenida Sertório, e o rompimento foi ocasionado pela pressão das águas acumuladas devido às chuvas intensas. Nas horas seguintes, outros pontos de contenção das cheias também se mostraram sobrecarregados.
Nesse contexto de colapso, pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) alertaram na manhã de hoje sobre a necessidade de haver um plano para evacuar a capital dos gaúchos. São pelo menos 14 bairros que os estudiosos dizem ser necessária a evacuação: Sarandi, Humaitá, Navegantes, São Geraldo, Floresta, Centro Histórico, Praia de Belas, Menino Deus, Azenha, Cristal, Ipanema, Ponta Grossa, Belém Novo e Lami.
Te podría interesar
O alerta leva em consideração as medições do Guaíba que apontam para o rápido aumento dos níveis de água que forçam o colapso do sistema de diques e comportas que protegem da cidade das cheias. A CEEE Equatorial, empresa de fornecimento de energia elétrica anunciou cortes de eletricidade no centro da cidade, como forma de prevenção a maiores danos. O Dmae (Departamento Municipal de Água e Esgotos), por sua vez, precisou cortar o abastecimento de água de 21 bairros por não conseguir operar devido às inundações.
Para compreender melhor a situação, a Revista Fórum conversou com Any Moraes, socióloga, moradora do Morro da Cruz, na periferia de Porto Alegre, e militante do coletivo Periferia Feminista e da Marcha Mundial de Mulheres. Ela deu maiores detalhes acerca da tragédia, do drama dos desabrigados e dos esforços que as organizações que faz parte - ao lado de movimentos como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e o MTST (Movimento dos Trabahadores Sem Teto) - têm feito para organizar distribuição de alimentos e abrigos para os atingidos.
Ela também faz um apelo para a solidariedade de todo o Brasil e pede doações para que as ações populares de socorro possam ter êxito. Confira a seguir os principais trechos da conversa.
O grupo Periferia Feminista e o colapso de Porto Alegre
Moro no Morro da Cruz, em Porto Alegre, que é uma periferia, uma área que é considerada de risco. E nesse território nós temos projetos que chamam Horta Comunitária Morro da Cruz e Cozinha Solidária Periferia Feminista. Atuamos lá desde a pandemia, quando instituímos esse coletivo através das Ações de Solidariedade, e que agora vai completar três anos dessa organização. Também formando alianças com outros movimentos.
Nesse momento, em Porto Alegre, a nossa cozinha veio somar esforços, junto com a Cozinha Solidária do MTST, que fica aqui numa parte mais central da nossa cidade. Então, nós viemos somar esforços aqui para a produção dessas marmitas.
Hoje foram produzidas mais de 1.200 marmitas e estão sendo entregues para essas pessoas que estão desalojadas. E durante esse processo todo, desde o primeiro ciclone que atingiu Porto Alegre, esse coletivo instituiu uma associação que chama Associação de Pessoas Atingidas pelas Mudanças Climáticas, a AMAC.
E essa associação vem se incorporando ao debate público, participando dos fóruns, para que a gente possa trazer a urgência e a prioridade de fato, que é a emergência climática. Esse assunto não pode mais ser debatido como algo do futuro.
Ele é presente nesse momento e a gente precisa ter essa urgência de debate, para que possa se estabelecer, de fato, um protocolo mínimo de atendimento.
Nessa semana a Defensoria Pública do Estado, através do Núcleo Ambiental, chamou uma reunião para constituir um comitê de mudanças climáticas, com vários movimentos sociais, entidades e mandatos, para que se instale esse comitê e se dialogue a partir da experiência que os movimentos sociais vêm atuando nos últimos episódios de ciclone e outras situações que vêm ocorrendo aqui em Porto Alegre. O objetivo é elaborar conjuntamente esse protocolo mínimo e que possa ter uma atuação a partir da Defensoria Pública do Estado de cobrança junto aos órgãos com as ações emergenciais que são necessárias e que muitas vezes não são encaminhadas.
A gente está aqui, mobilizados, e vamos seguir com essa produção de alimentos que serão destinados a desabrigados de mais de 14 bairros aqui em Porto Alegre, especialmente após o alerta da necessidade de evacuação.
O nível do Guaíba já atingiu quase 5 metros. A gente tem informação, inclusive, que a régua que faz a medição foi levada pela correnteza hoje, o que é muito preocupante. Agora a pouco estava acontecendo uma coletiva de imprensa com o governador e com o prefeito, que teve de abandonar a coletiva porque mais um arroio estourou, o Arroio Feijó, que está na divisa de Porto Alegre com Alvorada. Ainda não temos informações exatas, porque acabou de acontecer, mas significa que milhares de pessoas terão que ser removidas dali.
Emergência Climática
Queremos reforçar também que a emergência climática é uma realidade. O Rio Grande do Sul tem vivido isso nos últimos meses, com uma grande intensidade de chuvas. E a gente vê que, mais uma vez, são os movimentos sociais que estão à frente das ações de socorro e mitigação.
Esse debate sobre meio ambiente, sobre a emergência climática, é uma bandeira de luta importante nossa, dos movimentos sociais. E agora, mais do que nunca, a crise climática chegou.
Ela não é um problema do futuro, nós estamos vivendo isso ao vivo. E nós precisamos, urgentemente, pensar planos e protocolos de prevenção e mitigação. Essa emergência climática atinge principalmente a periferia, principalmente a população mais pobre.
E, infelizmente, o que a gente tem observado no Rio Grande do Sul e aqui em Porto Alegre, é que não existe esse protocolo mínimo de atendimento à população nessa situação. Se formos verificar o próprio orçamento que foi destinado à Defesa Civil, tanto no Estado quanto na capital, são valores ínfimos perto da magnitude dessa situação.
Lamentavelmente vemos as gestões públicas atuando em forma de urgência, sem que tenham construído ao longo dos últimos meses medidas de prevenção e proteção da população nesse momento tão difícil.
Negacionismo oficial
A gente acompanhou também que nos últimos seis meses a Metsul (serviço de meteorologia) avisou com antecedência sobre essas catástrofes desde o primeiro episódio lá em novembro para o início de maio. Nós vimos o poder público fazer as mesmas tentativas frustradas de colocar sacos de areia nas entradas da cidade enquanto a água subia.
Aqui em Porto Alegre hoje uma das comportas cedeu devido à pressão da água, inundou boa parte já da cidade e a gente está nesse momento caótico agora de uma situação muito grave com muitas pessoas tendo que evacuar dos seus bairros e das suas residências.
Os próprios abrigos que a prefeitura abriu já foram tomados pela água, e as pessoas estão sendo realocadas por conta disso. Ficamos à mercê de toda essa situação e de ações que são feitas de formas emergenciais nesse momento, mas que infelizmente depois que passa a chuva esse assunto novamente cai no esquecimento e a gente precisa alertar urgentemente para essa situação porque essa é a nossa realidade, a nova realidade, e não podemos mais tratar as mudanças climáticas apenas nos momentos de crise.
Apelo à solidariedade
Estamos vivendo hoje aqui em Porto Alegre é uma situação de muita calamidade, está sendo muito difícil, muitas pessoas procurando ajuda, muitas pessoas desesperadas, pessoas também que estão procurando informações dos seus familiares no interior do Estado, com toda essa situação que está se agravando ainda mais, então a gente deixa esse apelo também para que as pessoas possam, de alguma maneira, ajudar ou colaborar. Para que se somem a partir dessas ações de solidariedade que estão sendo organizadas pelos movimentos sociais.
Quem puder se somar às ações de solidariedade, buscar e contribuir de alguma maneira, se não pode estar presente, que seja compartilhando. Isso é bem importante para que a gente possa fortalecer as ações que acabam sendo feitas por iniciativa dos movimentos sociais, mas que a gente precisa também dessa mobilização de recursos de pessoas, financeiro, para que possa dar conta de atender a toda a população que nesse momento está precisando de ajuda.
Estamos empenhadas em oferecer suporte às famílias que perderam tudo nesta crise climática. Para isso, nossa cozinha solidária estará produzindo alimentos para serem distribuídos a essas comunidades afetadas.
Você pode contribuir conosco fazendo doações através do PIX: periferiafeminista@gmail.com.
Cada contribuição é vital para continuarmos nosso trabalho e alcançarmos o maior número possível de famílias necessitadas. E se você deseja participar mais ativamente ou precisa de informações adicionais, não hesite em nos contatar por e-mail, pelo telefone (51) 99743-7964, ou nos enviar uma mensagem direta pelo Instagram.