INUNDAÇÕES

RS: vendas no varejo disparam no auge da tragédia; e isto não é bom

Crise = oportunidade? Balela; o ideograma chinês já foi há muito desmentido; o que ocorre no Sul é mesmo uma tragédia anunciada pela incompetência

Imagens aéreas das inundações no Rio Grande do Sul.Créditos: Reprodução/X
Escrito en BRASIL el

O que é tragédia para alguns é oportunidade para o mercado. E, ao que tudo indica, só para o mercado. No auge da tragédia no Rio Grande do Sul – se é que ele já passou – o consumo no varejo no estado cresceu assustadores 14% com relação ao mesmo período do mês anterior.

Trocando em miúdos, as vendas no estado foram muito maiores nas três primeiras semanas de maio, quando a região estava debaixo d’água. O crescimento foi 10% maior do que a média do país.

Segundo divulgado pela coluna de Lauro Jardim no Globo desta sexta-feira (24), comparando a terceira semana de maio, que vai de 13 a 19, com o mesmo período de abril, o levantamento aponta um aumento de 21,7% nas vendas de leite, 17,6% nas de açúcar e de 26,5% nas vendas de arroz. Consequentemente, o preço dos três produtos subiu 14,9%, 7,7% e 16,7%, respectivamente.

O fato foi provocado pela corrida da população aos supermercados e congêneres para estocar alimentos com medo de falta de abastecimento.

O levantamento foi feito pelo Radar, da Scanntech que, segundo definição de seu site, é "uma plataforma que mapeia, executa e mede as atividades de compra, fortalecendo as parcerias e gerando valor entre varejo, indústria, distribuidor e consumidor".

Crise = oportunidade? Balela

O fenômeno, no entanto, está longe de ser positivo. Além da disparada dos preços, o que se avizinha é, de fato, uma enorme crise de abastecimento.

Observados a frio, os números tendem a remeter à máxima difundida em dez entre dez manuais de autoajuda. Aquela que diz que o termo chinês weiji, que significa “crise”, é um ideograma formado pela junção de dois outros: o negativo “perigo” (wei) e o promissor “oportunidade, ocasião propícia” (ji). Balela.

Apesar de repetida à exaustão, esta máxima já foi desmentida há muito. Estudantes de mandarim ensinam que, apesar de significar mesmo oportunidade quando se junta a hui para formar jihui, o ideograma ji, sozinho, está longe de ter o sentido positivo carregado por essa palavra. São várias as definições que ele pode assumir, entre eles está a de significar “momento crucial”.

A desmistificação acima foi publicada na coluna Sobre Palavras, da Revista Veja, em 2015. Uma publicação insuspeita com relação ao caso, pois é, como todos sabem, alinhada ao mercado e às “oportunidades” que ele porventura possa trazer.