DIA DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS

STF tem dilacerado os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras

Levantamento do juiz Grijalbo Fernandes Coutinho, da Justiça do Trabalho, mostra que as decisões da Suprema Corte vão na contramão dos interesses da classe trabalhadora

Créditos: STF - Decisões da Suprema Corte têm dilacerado as conquistas da classe trabalhadora brasileira
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Enquanto a Justiça do Trabalho toma decisões para favorecer a classe trabalhadora em questões que envolvem terceirização generalizada, pejotização e cassação do reconhecimento de vínculo de emprego, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai na contramão e dilacera essas conquistas.

Essa é a conclusão do juiz Grijalbo Fernandes Coutinho, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 10ª Região em sua tese de doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O trabalho analisa o que o magistrado considera 60 grandes decisões do STF nesta área entre 2007 e 2020. Em 57 delas, segundo ele, a Corte decidiu pela flexibilização dos direitos trabalhistas.  

O conteúdo do juiz, que também integra a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), resultou no livro Justiça Política do Capital: a Desconstrução do Direito do Trabalho por Meio de Decisões Judiciais.

Reprodução Amazon - Capa do livro de Grijalbo

Entre as decisões da Suprema Corte que desmontam conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras está a que considerou lícita a terceirização em qualquer tipo de atividade produtiva e legitimou a escala de trabalho de 12x36 (quando a pessoa trabalha 12h seguidas e descansa nas 36 seguintes).

“São as jornadas do início do século 19”, compara o Grijalbo em entrevista ao Brasil de Fato.

O Supremo também determinou que convenções coletivas podem estar acima da lei, ainda que estabeleçam condições de trabalho piores que aquelas asseguradas na legislação.  

Pejotização

A prática de um trabalhador abrir um CNPJ para ser contratado como pessoa jurídica (PJ), a chamada pejotização, é frequentemente empregada para simular um vínculo entre empresas em uma relação que, na verdade, é de subordinação entre empregado e empregador, mas sem os direitos trabalhistas correspondentes.

Grijalbo observa que nos últimos quatro anos houve uma piora significativa no cenário. Isso se deve ao aumento das decisões da Justiça do Trabalho que são anuladas por pronunciamentos individuais de ministros do STF nas chamadas reclamações constitucionais.  

Esses recursos têm como objetivo garantir a autoridade das decisões do STF, que é a instância máxima do Judiciário, quando estas estão sendo supostamente desrespeitadas por outros tribunais.  

Embora as reclamações sejam consideradas excepcionais, elas têm sido cada vez mais utilizadas por empresas e empregadores desde a aprovação da Reforma Trabalhista em 2017, durante o governo de Michel Temer (MDB).

Esse fenômeno é considerado uma maneira de fraudar as relações de emprego. E os ministros do STF passaram a tomar decisões, em resposta a queixas de empregadores, que desfazem os avanços da Justiça do Trabalho que reconhece que vínculos de emprego em situações de pejotização estariam em desacordo com a decisão da Suprema Corte que determinou que a terceirização está em acordo com a lei.

“São casos envolvendo profissionais dos mais variados: comerciantes, médicos, jornalistas. E esses casos não tratam de terceirização. Eles tratam de contratação direta como PJ. De fraude”, critica Grijalbo.

Dos 11 ministros da Suprema Corte, apenas Edson Fachin e Flávio Dino têm sido vozes dissonantes em casos como esses. Assim, avalia Grijalbo, “estamos na era da desconstrução do Direito de Trabalho pelo STF. E o impacto de tudo isso é profundo para a classe trabalhadora, que está tendo seus direitos dilapidados”. 

Desmantelamento das Garantias Constitucionais do Trabalho

Se a Constituição de 1988 estabeleceu um marco normativo para proteger os direitos dos trabalhadores, ao longo das duas décadas seguintes, o STF adotou uma postura de "negligência" em relação à falta de constitucionalidade das relações trabalhistas no país.

A partir da segunda década dos anos 2000 houve uma mudança radicai e o Supremo, que evitava lidar com questões trabalhistas, passou a examinar os assuntos de forma muito mais intensa. Mas essa virada não foi para garantir o padrão constitucional de proteção ao trabalho humano, pelo contrário.

A jurisprudência do Supremo nos últimos 15 anos tem sido ativista no sentido de promover o desmantelamento das garantias constitucionais do mundo do trabalho.

Na análise de Grijalbo, é paradoxal que o STF, "que reage contra extremismos da direita e tentativas de golpe, ao mesmo tempo esteja desmontando as bases do Direito do Trabalho. Isso é feito por um tribunal que, aliás, só julga essa matéria porque é uma Corte constitucional e esses direitos estão na Constituição como uma conquista da classe trabalhadora".

"Mas acho que a principal prejudicada não se deu conta ou não teve força para ser ouvida até hoje. Quem é a grande prejudicada? A classe trabalhadora", conclui Grijalbo.

Uberização do Trabalho

Neste cenário, o STF está prestes a julgar uma ação envolvendo uma motorista e a Uber (RE 1.446.336), com repercussão geral. A decisão sobre a existência de vínculo empregatício neste caso vai padronizar como todas as disputas judiciais entre plataformas e trabalhadores de aplicativos serão tratadas no país.

O cenário brasileiro mostra uma grande resistência em garantir direitos aos trabalhadores das plataformas o que faz da uberização a principal tendência na transformação das relações de trabalho na atualidade.

A própria classe trabalhadora foi convencida a não ter solidariedade entre si. Cada um busca seu próprio interesse individualmente o que resulta em uma forte divisão em cada ambiente de trabalho, com o individualismo promovido por um modelo de gestão destinado a isolar os trabalhadores.

Com informações do Brasil de Fato