Funcionários terceirizados da Enel revelaram que possuem metas diárias de cortes de energia elétrica para receber bônus, conforme apuração da Globo. As declarações foram feitas em meio às preocupações que surgiram com o assassinato de um colega de trabalho, na zona leste de São Paulo (SP), na quarta-feira (13).
Um trabalhador da empresa PSC Alpitel, que presta serviços para a concessionária de energia, relatou que a empresa elevou o número de cortes diários para o recebimento de um valor extra, passando de 25 para 30. O depoimento foi feito em condição de anonimato ao SP2.
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"Quando eu entrei eram 25 cortes para alcançar a meta. Na sexta-feira passada, aumentaram para 30 cortes. A gente chegou a questionar a empresa dizendo que 25 cortes já era difícil, que dá muita confusão, mas o supervisor disse que se não fizer 30, a empresa não paga a bonificação pra gente", conta o colaborador.
De acordo com ele, o valor extra combinado varia de R$ 500 a R$ 1 mil por mês, a depender da empresa que contratou a prestação de serviço. O acordo garante que o montante seja somado ao salário bruto de R$ 1,5 mil.
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"A gente faz os cortes e ganha o salário normal fixo de R$ 1.500. Fora o salário, você tem uma comissão pelos cortes que você faz. Então, cada empresa coloca uma meta. O bônus vai de R$ 500 a R$ 1 mil".
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O Sindicato dos Eletricitários de São Paulo indica que o piso salarial da categoria no nicho de corte de energia é de R$ 1.586,85. As empresas incentivam o acréscimo de bonificações por produtividade à remuneração mensal, com valor extra que pode chegar a R$ 1,5 mil.
A entidade afirma que está em uma campanha pela incorporação das bonificações ao salário, e assim, elevar o piso salarial da categoria para R$ 2.640. O objetivo é reduzir a pressão sobre os funcionários e garantir a segurança em uma atividade de alto risco
O eletricitário confessa que a morte de um colega de profissão, assassinado ao tentar cortar a energia de uma academia por falta de pagamento, o motiva a abandonar o ramo. "É um fato que mexe muito com a gente e eu, sinceramente, tô pensando em sair fora. E muitos colegas estão pensando o mesmo que eu", reflete.
Segundo ele, as ameaças em trabalho são cotidianas: "Já fui agredido três vezes fazendo cortes. Numa das vezes, cortei e fui para o carro. E o dono do lugar me empurrou e nós dois saímos no braço em frente ao local. Eu me machuquei, nós caímos no chão.
Caso Odail
O trabalhador Odail Maximiliano Silva Paula foi vítima de homicídio doloso enquanto tentava cortar a energia de uma academia por falta de pagamento, na última quarta-feira (13). Ele foi morto a tiros pelo educador físico e dono do estabelecimento, Randal Rossoni.
O assassino chegou em um carro por trás do veículo da concessionária, intimidou Odail e, então, disparou contra o eletricitário. Baleado na cabeça, ele foi levado às pressas a um pronto-socorro na capital paulista, mas veio a falecer.
"Achei um absurdo o cara morrer por causa do corte de uma energia cortada. Eu saí da outra empresa porque estava cansado de fazer cortes e ser ameaçado. Tenho família e não quero ficar sendo ameaçado. Agora, a gente trabalha com mais medo. Pedi para mudar de setor e tô assim: vou para cortar, se der confusão e não der, eu vou embora. Não vou arriscar a minha vida", diz o funcionário anônimo.
Outro lado
Em nota, a Enel Brasil comunicou que preza pela segurança de seus colaboradores e parceiros, e os orienta a interromper as atividades caso percebam estar em uma situação de risco.
Leia a nota na íntegra:
A Enel São Paulo ressalta que a segurança de seus colaboradores é um valor fundamental para a companhia e que seus colaboradores são orientados e têm todo o suporte para suspenderem suas atividades caso constatem qualquer situação que represente risco a sua segurança. Essa orientação é repassada a todos os profissionais em treinamentos periódicos realizados pela distribuidora e seus parceiros.
A empresa acrescenta que a utilização de câmeras na execução de atividades de campo visa ampliar a segurança dos próprios colaboradores. As câmeras permitem, por exemplo, verificar o cumprimento de regras de segurança e a correção de procedimentos que possam oferecer riscos de acidentes elétricos ou de outras naturezas durante algumas atividades. Vale ressaltar ainda que os colaboradores são autorizados a desligar as câmeras, se necessário.
A Enel reafirma seu repúdio ao ato injustificável de violência cometido na última quarta-feira (13.03) contra a vida de um profissional eletricista que trabalhava para uma empresa parceira da companhia e solidariza-se com a dor de seus parentes e amigos.
A empresa está em permanente contato com a empresa parceira para que seja prestada adequada assistência à família do colaborador e seguirá acompanhando as investigações das autoridades policiais para que o crime não fique impune.